Retorno hoje, meus raríssimos mas bons leitores, pra dar continuidade aos meus relatos sobre meu carnaval no Estado de São Paulo.
Depois de uma visita breve à belíssima Estação da Luz e ao Museu da Língua Portuguesa, essa uma exigência da patroa, seguimos de trem pro terminal rodoviário da Barra Funda, onde tomamos o ônibus para viagem de seis horas e meia, em direção a pequena e pacata cidade de Penápolis, que fica na região noroeste do estado e a uns quarenta e cinco minutos de Araçatuba.
Chegamos na noite de sábado, às oito horas debaixo de uma chuva convectiva daquelas!
Segundo consta, o dia de sábado foi muito quente em Penápolis. Com a intensa evaporação provocada pelo aquecimento, o vapor d´água se condensa ao atingir altitudes elevadas na atmosfera, portanto, resfriando-se. A condensação pelo resfriamento gera a chuva que vem em pancadas. A típica chuva de verão.
A cidade é realmente pequena. Possui sessenta mil habitantes no máximo, uma Igreja no centro (como qualquer cidade do interior), pequeno comércio local, raríssimas agências bancárias, um museu, dois ou três clubes e mais nada. Aliás, pra ser fiel na descrição, é preciso registrar que a cidade é abarrotada de sorveterias. Uma colada na outra. Um troço esquisitíssimo. A Tijuca, com quase o dobro de habitantes, não chega nem perto da quantidade de sorveterias que encontramos por lá. Definitivamente incompreensível como tantas micro-empresas do mesmo ramo conseguem sobreviver num nicho de mercado tão restrito, limitado.
A atividade econômica predominante na região é o cultivo de cana de açúcar, pra produção de álcool ou até mesmo o açúcar, quando o preço deste produto está em alta. Muitas usinas marcam a paisagem da região. Durante a viagem de ônibus consegui observar na estrada a estratégia de cultivo dos produtores. As terras são divididas e em cada porção a cana é plantada em uma época diferente. Isso faz com que sempre haja um espaço limpo pra plantar e, o melhor, sempre haja cana pra colher. Assim a produção não pára nunca.
Em algumas propriedades aparece, também, o café. Com o excelente latossolo vermelho, originado da decomposição da estrutura rochosa arenito-basáltica, o famoso solo de terra roxa, a produtividade do café é garantida, mesmo com o uso das mais simples técnicas de manejo de solo. Esse revezamento cana / café evita o empobrecimento precoce do solo pela exaustão de minerais. Mas a cana predomina gloriosamente nas terras da região. Promissão, Lins, Avanhandava e Penápolis são repletas de terras cobertas por cana.
Mas isso justifica um carnaval regado a cachaça e não ao molho shoyu, como no título. Explico.
O trocadilho do molho shoyu está no fato de eu ter ido pra uma casa de japoneses. Por volta de 1943 o senhor Yoshio Abe chegou ao Brasil, fugindo da ofensiva militar americana que arrasava o seu país. Ele que é descendente de uma linhagem nobre de samurais que lutaram na resistência contra o fim do Xogunato Tokugawa, veio acompanhado da mulher e de um filho pequeno e se estabeleceu em Penápolis trabalhando com agricultor, no cultivo de café. Hoje, ao completar 100 anos de idade, e há quase dez anos sem a companheira, seu Yoshio vive no Rio de Janeiro com dois dos seis filhos: Naguiça e Tiaque. Com isso foi obrigado a se desfazer de uma incrível coleção com mais de 500 orquídeas, que eram cuidadas uma a uma pelas mãos do japonês. Ele doou aos amigos da cidade as plantas que podem custar até 100 reais cada uma.
O Dr. Augusto Tiaque Abe, filho mais novo do seu Yoshio, é casado com uma das tias de minha senhora. E esse querido casal nos convidou pro carnaval em Penápolis. Em busca de repouso, aceitamos o convite imediatamente.
Mas... e o carnaval de Penápolis?
Queridos: não tinha nada! Rigorosamente nada. Mas pra continuar sendo fiel, tenho que mencionar uma bazófia que rolou por lá. Bazófia que eu considero como um nada! Vejamos...
Domingo. Quase nove horas. Faltava pouco pra começar o desfile da Estácio de Sá. Eis que a patroa, a tia, os primos... todos me chamam pra uma voltinha pela cidade. Não podia recusar mais nada pois até aquele momento eu não tinha participado de nenhuma saída em grupo. Fiquei de fora em todas as oportunidades, negando-me veementemente a um passeiozinho despretensioso pela cidadela. Estava tornando-me um antipático. Um chato que não fazia nada com ninguém.
Então fui. Caminhamos seguindo rumores de que em algum canto da cidade havia um festejo de carnaval. Tentei até me animar, cantando como um louco pelas ruas as marchinhas que tinham me voltado a memória depois de ouvir o maravilhoso disco Sassaricando. Quando avistei um botequim, quase chorei. Imediatamente olhei pra patroa e mandei, sabendo que ela já compreendia o que me ia na alma:
- Sem cerveja não dá!
Fui ao bar e peguei uma latinha. Pausa. Paguei dois, nada inflacionados, reais numa latinha. Uma homenagem à cidade, aqui, por isso.
Tanto caminhamos que achamos o tal carnaval de Penápolis. A festa era em um lugar fechado, apesar de gratuito e tinha bastante segurança. Arquibancadas montadas, tendas pra Djs, parque de diversões... uma festa.
Comecei a ficar um tanto contrariado com o perfil da festa. As arquibancadas tinham mais cara de festa de rodeio do que de carnaval. Todos caminharam em direção ao parque e eu concordei em ficar sozinho tomando cerveja. O que eu não sabia era que cerveja eu teria que tomar.
Enquanto todos se afastavam, fui comprar a bebida.
- Quanto custa a Cerveja?
- Dois e cinqüenta.
- Me vê uma Skol, por favor?
- Desculpe, mas só temos Conti.
- Oi?
- Conti, senhor...
- Só essa??
- Só, senhor.
- Porra! Porra! Agora fudeu de vez!!!
A mulher, meio sem jeito com a minha reação, resolveu perguntar:
- O senhor vai querer a cerveja?
- Caralho, uma Conti? Não dá! Me vê uma Coca!
- Não temos coca, senhor. Só temos Refri-Cola.
- Potaqueopareu!! Tá foda! Tá foda!
E ela pergunta outra vez:
- E o Refri-Cola, o senhor vai querer?
- Não. Não vou achar nada nessa festa.
Como se isso não bastasse, a trilha sonora da festa era regada a muito, mas muito Bruno e Marrone.
Como nada pudesse ser mais intragável, tomei o caminho de volta pra casa, deixando todos pra trás. Nem procurei ninguém. Simplesmente fui embora. Apenas uma ligação do celular pra avisar do meu paradeiro.
Sobre o banho e a pescaria no rio Tietê, conto da próxima vez.
Um abraço solidário
2 comentários:
Isso me lembra a gloriosa Festa do Figo, aqui de Valinhos, que atormenta meus ouvidos durante 2 semanas, todos os anos, no mês de Janeiro.
Cerveja Conti? Nunca ouvi falar!
Meu caríssimo cunhado. Vou te zoar pelo resto da sua vida. Enquanto eu passava o meu carnval, regados a muita praia, axé, funk, samba, todas as marcas de cerveja e inclusice coca-cola vc pasou o seu com cerveja conti e Bruno e Marrone.
Muito bom o texto, continue assim. Até a próxima...
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