O Rio de Janeiro é uma cidade inigualável em sua natureza, sua história e seu povo. A natureza, por ser de dobrar os joelhos de qualquer ser humano que, diante de visão tão arrebatadora, deve render-se e agradecer ao que julgar mais conveniente, simplesmente pela oportunidade de estar vivo para contemplar tamanha beleza. Sua história, por razões inumeráveis mas, dentre elas, o fato de a cidade ter sido a única capital colonial a tornar-se a sede do poder imperial, prova irrefutável de que seu axé é dos bons. E seu povo, por tornar-se o ator fundamental da construção de sua história e da produção de seu espaço geográfico, ainda que tenha sido segregado e compelido a abraçar e reinventar os espaços relegados, porém de rudimentar beleza.
Isso porque, tradicionalmente, é aos grupos socialmente mais representativos que pertence a primazia de orientar a produção do espaço das cidades em geral, cabendo ao povo apenas o papel segui-los enquanto massa, enquanto excluídos do poder de decisão. E no Rio de Janeiro, o que se viu nos últimos anos do século XIX foi a multiplicação das massas, sabendo-se que entre 1872 e 1890 a população passou de 274.000 para 522.000 habitantes, aproximadamente. E o perímetro urbanizado era demarcado pelos morros do Castelo, São Bento, Conceição e Santo Antônio, área que corresponde, hoje, ao centro antigo da cidade.
Não cabia todo mundo naquele espaço e naquelas condições. E se haveria de sair alguém dali, esse alguém seria o povo e não a classe hegemônica que jamais abandonaria a proximidade com o comércio e os serviços concentrados naquele espaço entre os quatro morros. Os ricos expulsariam os pobres. Então, afim de eliminar a fama internacional de porto sujo, que contrastava com o estilo europeu da recém reformada Buenos Aires, a rival, os homens que conduziram a produção do espaço carioca imprimiram uma política de afrancesamento arquitetônico na cidade e iniciaram uma campanha higienista, no aspecto da saúde pública e no aspecto social, por assim dizer.
No aspecto da saúde pública, a campanha foi orientada para produzir o saneamento básico da área central e o incentivo à vacinação em massa, fato que acabou por gerar a famosa revolta da vacina, protagonizada pelo sanitarista que fundou a instituição que a vida quis que fosse meu berço. No aspecto social, o higienismo teve sua representação nas várias reformas urbanas baseadas no desmonte de cortiços e demolição de morros, ambos habitados por pobres e pretos-forros, a pretexto da criação de aterros e alargamento de ruas e avenidas, o que culminou na expansão dos subúrbios e, paralelamente, na favelização da área central e do próprio subúrbio, posteriormente.
E para ocupar o Subúrbio, o trem foi de vital importância enquanto sistema de transporte das massas. As Estradas de Ferro Central do Brasil (aberta em 1854) e Leopoldina (aberta em 1886) foram as principais linhas de conexão da área peri-urbana com o Centro. De tão importantes, foram adotadas como critério para regionalizar o Subúrbio. As massas iam e vinham diariamente, em movimentos pendulares, do Subúrbio da Central - Méier, Piedade, Cascadura, Madureira, Realengo, Campo Grande, Santa Cruz etc. - e do Subúrbio da Leopoldina - Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Cordovil, Parada de Lucas etc. - de casa para o trabalho. Do trabalho para casa.
É, pois, no Subúrbio, onde nasci e me criei, que está o povo carioca em sua história e essência. É neste chão, o Sertão Carioca, que ainda vivem os mitos trazidos pelos chegados a essa cidade misteriosa e elegante onde ainda, como diria o mestre Câmara Cascudo, "corre o Lobisomem, relincha a mula-sem-cabeça, assobia o Saci Pererê, surge a Caipora, fulgura o Boitatá". Muito além do crucificado de pedra sobre a pedra monumental, o Rio de Janeiro é também fiel às suas macumbas, aos caciques de seus arrebaldes e às suas sedutoras sereias. É, ainda, terra do Canhambora, o escravo fujão e rebelde, que une-se ao "séquito de Sacis e dos Caaporas, majestades bárbaras e sujestivas do sertão bravio e das matas sonoras".
É nessa vida autônoma e autêntica, de tradições e hábitos diversos, de festas populares mestiças, entrudos, bruxedos, rezas fortes e procissões, de batuques e danças que embalam o espírito vivo da cidade imensa, que eu encontro meu berço esplêndido, onde quero um dia deitar eternamente porque é aqui onde encontro o meu esteio.
Isso porque, tradicionalmente, é aos grupos socialmente mais representativos que pertence a primazia de orientar a produção do espaço das cidades em geral, cabendo ao povo apenas o papel segui-los enquanto massa, enquanto excluídos do poder de decisão. E no Rio de Janeiro, o que se viu nos últimos anos do século XIX foi a multiplicação das massas, sabendo-se que entre 1872 e 1890 a população passou de 274.000 para 522.000 habitantes, aproximadamente. E o perímetro urbanizado era demarcado pelos morros do Castelo, São Bento, Conceição e Santo Antônio, área que corresponde, hoje, ao centro antigo da cidade.
Não cabia todo mundo naquele espaço e naquelas condições. E se haveria de sair alguém dali, esse alguém seria o povo e não a classe hegemônica que jamais abandonaria a proximidade com o comércio e os serviços concentrados naquele espaço entre os quatro morros. Os ricos expulsariam os pobres. Então, afim de eliminar a fama internacional de porto sujo, que contrastava com o estilo europeu da recém reformada Buenos Aires, a rival, os homens que conduziram a produção do espaço carioca imprimiram uma política de afrancesamento arquitetônico na cidade e iniciaram uma campanha higienista, no aspecto da saúde pública e no aspecto social, por assim dizer.
No aspecto da saúde pública, a campanha foi orientada para produzir o saneamento básico da área central e o incentivo à vacinação em massa, fato que acabou por gerar a famosa revolta da vacina, protagonizada pelo sanitarista que fundou a instituição que a vida quis que fosse meu berço. No aspecto social, o higienismo teve sua representação nas várias reformas urbanas baseadas no desmonte de cortiços e demolição de morros, ambos habitados por pobres e pretos-forros, a pretexto da criação de aterros e alargamento de ruas e avenidas, o que culminou na expansão dos subúrbios e, paralelamente, na favelização da área central e do próprio subúrbio, posteriormente.
E para ocupar o Subúrbio, o trem foi de vital importância enquanto sistema de transporte das massas. As Estradas de Ferro Central do Brasil (aberta em 1854) e Leopoldina (aberta em 1886) foram as principais linhas de conexão da área peri-urbana com o Centro. De tão importantes, foram adotadas como critério para regionalizar o Subúrbio. As massas iam e vinham diariamente, em movimentos pendulares, do Subúrbio da Central - Méier, Piedade, Cascadura, Madureira, Realengo, Campo Grande, Santa Cruz etc. - e do Subúrbio da Leopoldina - Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Cordovil, Parada de Lucas etc. - de casa para o trabalho. Do trabalho para casa.
É, pois, no Subúrbio, onde nasci e me criei, que está o povo carioca em sua história e essência. É neste chão, o Sertão Carioca, que ainda vivem os mitos trazidos pelos chegados a essa cidade misteriosa e elegante onde ainda, como diria o mestre Câmara Cascudo, "corre o Lobisomem, relincha a mula-sem-cabeça, assobia o Saci Pererê, surge a Caipora, fulgura o Boitatá". Muito além do crucificado de pedra sobre a pedra monumental, o Rio de Janeiro é também fiel às suas macumbas, aos caciques de seus arrebaldes e às suas sedutoras sereias. É, ainda, terra do Canhambora, o escravo fujão e rebelde, que une-se ao "séquito de Sacis e dos Caaporas, majestades bárbaras e sujestivas do sertão bravio e das matas sonoras".
É nessa vida autônoma e autêntica, de tradições e hábitos diversos, de festas populares mestiças, entrudos, bruxedos, rezas fortes e procissões, de batuques e danças que embalam o espírito vivo da cidade imensa, que eu encontro meu berço esplêndido, onde quero um dia deitar eternamente porque é aqui onde encontro o meu esteio.
9 comentários:
Viva o Rio de Janeiro!
Com suas mazelas e com suas maravilhas... Esse é o Rio de Janeiro! Uma História permeada de discrepâncias e uma Cidade repleta de desajustes e contrastes.
Viva o subúrbio carioca! Um lugar onde o Rio de Janeiro é mais ele mesmo. Ótimo texto! Adorei as informações. Beijos cariocas.
Não pude deixar de comentar em seu Blog professor.
Vou ser sincero com o senhor, hoje quando falou de seu Blog no final da aula não dei muita importância. Mas a umas 3 horas atrás me lembrei do tinha citado o nome do blog , "Geografia Suburbanas" então por pura curiosidade recorri a ferramenta Google e rapidamente achei o seu Blog e certificando que realmente era o seu.
E estou até agora lendo suas matérias, simplesmente ADOREI, seu modo de escrever e criticar todo particular, fala das coisas sabendo do que ta falando e não porque ouviu falar na mídia.
Está de Parabéns pelo ótimo conteúdo de seu Blog, também tenho um (Flog, porém faço matérias como se fosse um Blog) e sei muito bem como funciona e o trabalho que da para fazer um bom post.
Que seu Blog complete ainda muitas Translações. =D
Obs: Tenho certeza que o livro que está escrevendo será de ótima qualidade.
Beleza, garoto! Seja bem chegado!
Aquele abraço!
É, Diegão...
Esse livro promete...!
Sua série sobre Ipanema é sensacional! hahahaha
Pau neles, porra!
DiNego, muito bom! Estou também no aguardo do livro. Depois quero que leia o texto sobre democratização da cultura no Rio de Janeiro e comente por aqui o trabalho de pessoas que se esforçam para mostrar que "há vida após o túnel". Viva o subúrbio e sua beleza. Viva o Rio de Janeiro!
Olá Diego,
Muito bom o texto.
um abraço,
Luiz.
Ola Diego,
O Luiz Claudio me mando o seu blog
to com ele, muito bom texto
nós do blog Alma Suburbana tambem estamos na luta.
Abç.
Leonardo Oliveira
Seja bem chegado, meu camarada!
Estamos juntos.
Abraços!
Diego, o Subúrbio carioca não pode crescer em função do transbordamento da ZS e sim pelas vocações inatas desse território, com os trilhos da Central costurando cada quinhão. Veja discurso proferido sobre "150 anos da Central do Brasil" em http://www.ongtrem.org.br/
Postar um comentário