terça-feira, maio 27, 2008

A IMPRENSA E SEUS DESCUIDOS

Vira e mexe alguém na imprensa faz uma cagada. Algumas são menores e o cheiro da merda fica contido. Outras, principalmente as estampadas nas capas dos jornais e revistas, se alastram e espalham o cheiro da cagada pra todos os lados. Alguns exemplos antes de irmos aos erros da vez.

Faz um tempo que uma jornalista d`O Globo atribuiu ao capoeirista Besouro Magangá os versos de um samba do Noel Rosa. Outra, também n`O Globo, falou que um senador deixaria o cargo para disputar a prefeitura de Pernambuco. Diacho! Pernambuco é estado, não é cidade pra ter prefeito! Uma do JB conseguiu localizar a ilha de Cuba no Oceano Pacífico. Teria, Cuba, deixado o Atlântico e atravessado o ístmo da América Central? Não!

Pois é. E isso parece, pelo menos pra mim, cada vez mais comum. Não deu pra não registrar as burradas dessa semana pois elas estão estampadas nas capas de duas das revistas de maior circulação do país. Eis as preciosidades:




É, no mínimo, uma deseducação o que fazem esses editoriais. Vamos, primeiro, ao caso da ISTOÉ. Depois de uma bela expressão nacionalista em defesa da soberania nacional na Amazônia, a revista comete um erro clássico, escrevendo assim: "Como e por que o Brasil deve reagir de imediato à nova pressão da comunidade internacional que quer tomar o controle do Pulmão do Planeta".

Que vacilo! Parece o artilheiro que fez uma jogada perfeita limpando vários zagueiros e que, na hora do gol, pegou tão mal na bola que o chute saiu pela lateral...

Essa idéia de Amazônia como pulmão do mundo é uma lenda estranha. Primeiro por que supõe-se a Amazônia como pulmão por que ela produz grande quantidade de oxigênio. Mas pulmões não produzem oxigênio. Eles absorvem. Questão de lógica. Num segundo ponto, mais científico, podemos dizer que a Amazônia não abastece o planeta com oxigênio pois consome praticamente tudo o que produz. Se ela produzisse mais do que consome, as concentrações de oxigênio estariam aumentando progressivamente. E não é isso que os cientistas vêem em suas pesquisas. Tudo indica que nos últimos milhões de anos as concentrações desse gás fundamental para inúmeros seres vivos variaram muito pouco. Ou seja, bola fora da ISTOÉ!

A Veja também comete outro erro clássico: o de insistir na divisão dos países em primeiro e terceiro mundos. Em 1952, quando o demógrafo francês Alfred Sauvy usou pela primeira vez a expressão "Terceiro Mundo", tinha o objetivo de designar os países que não desfrutavam da primazia de influenciar as decisões políticas mundiais e que eram atrasados nos campos social, econômico, científico e tecnológico. E a expressão colou, sendo utilizada pelos 29 países que participaram, em 1955, da Conferência de Bandung, para definir-se como um grupo não-alinhado às ideologias capitalista, capitaneada pelos Estados Unidos da América, e socialista, propagada pela União Soviética naquele tempo.

E esses dois blocos, o capitalista e o socialista, passaram a representar o primeiro e o segundo mundo, respectivamente, disputando por áreas de influência pelo mundo todo. Mas a guerra fria acabou. O segundo mundo ruiu. Ficaram o primeiro e o terceiro mundos como símbolos de desenvolvimento e subdesenvolvimento, respectivamente. A ausência de um segundo mundo torna incoerente e fora de contexto a existência dos outros dois. Não bastasse isso, a expressão terceiro mundo é muito generalizante pois reúne em um mesmo grupo países com níveis de desenvolvimento muito diferentes. Coloca Brasil, Argentina e México no mesmo grupo de Burkina Fasso, Camboja e Belize, por exemplo.

A publicação de uma capa como essa da Veja estimula a continuidade desse um erro que vem sendo cometido há quase vinte anos, desde quando a guerra fria acabou. Enquanto professores de geografia como eu e outros colegas nos esforçamos para destruir a força do hábito, trabalhando as idéias de centro, periferias e semi-periferias, aluno por aluno, vem a Veja e estampa essa capa que vai chegar a mais de um milhão de casas esta semana. Torço pra que eles se lembrem do que eu disse e reparem esses erros. Sonho com o dia em que alguns comentarão comigo sobre tais asneiras, mencionando as velhas aulas como referência de aprendizado e espaço de reflexão, de crítica. Porque ver o seu trabalho ir pra vala, ninguém merece!

Inté!

4 comentários:

Larissa disse...

Manda um e-mail para as duas publicações! Eles merecem! Bjs!

Diego Moreira disse...

Já mandei, garota. Não perco tempo, não!

Beijo!

Henrique Eldinias disse...

É isso aí Dieguito!! Jornalista é tudo burro! abs.. rs

Diego Moreira disse...

Tem uma turma, meu caro Henrique, que ainda é capaz de fazer um jornalismo de excelente qualidade e são esses poucos que me fazem ter maiores pudores na hora de sacanear jornalistas. Tento evitar as generalizações, mas as vezes tenho vontade de dizer exatamente o que você colocou aí em cima.

Tem uns caras que, cacete, escrevem cada merda... ou então consultam apenas o Google - o oráculo pós-moderno - pra fazer suas matérias. Esses, pra mim, não são jornalistas.

Abraços!