Amigos, a propósito dos artigos de Ali Kamel e Martinho da Vila, ontem, no Globo, sobre BARACK OBAMA, acabo de enviar para o "maior jornal do país" o artigo abaixo, sobre o qual o editor me falou que vai publicar mas está "com problemas de espaço". Como já havia um outro lá, na fala, sobre "mestiçagem" que foi atroplelado, antecipo o texto pra vocês. Se gostarem, divulguem.
Abçs.
a) Nei
Segue o artigo na íntegra.
OBAMA, SUA ÉPOCA E O SONHO.
Nei Lopes
Contrariando expectativas que já duram mais de cem anos, no Brasil, “país com a maior população afro-descendente fora da África”, “negros e pardos vão superar o número de brancos neste ano” de 2008, conforme afirmações textuais do jornalista Ivan Martins, em reportagem publicada na edição do último 9 de junho da revista Época, publicação semanal da Editora Globo. As afirmações, acompanhadas da constatação de que o país “não tem um único político negro de projeção nacional”, vem a propósito da candidatura do senador Barack Obama à presidência dos Estados Unidos.
No momento em que o Congresso Nacional prepara a votação do Estatuto da Igualdade Racial e um grupo de intelectuais e artistas lidera a corrente contrária à aprovação do texto, colocando-se contra a “grave ameaça” de secessão da sociedade brasileira em “negros” (pretos e pardos) e “brancos” (louros e “morenos”), como se essa divisão, em termos de poder e capital, já não fosse a grande característica desta sociedade. Invocam, agora, esses arautos da “desracialização”, no calor da discussão sobre o problema social brasileiro, o suposto exemplo de Obama, o qual, em pura retórica de campanha, afirmou num discurso que “não existe uma América branca, uma negra, uma asiática, uma hispânica: e sim os Estados Unidos da América”. E os “desracializadores” invocam o candidato americano, nos apontando o dedo, como se dissessem: “Estão vendo? Ele não exibe a cor da pele como uma arma ou um escudo!”.
Para nós seria realmente ótimo se o Brasil fosse esse paraíso mestiço que os não-racialistas apregoam. Se além dos mulatos “no sentido lato”, como diz a canção, também aqueles no sentido estrito (com a indisfarçável fenotipia dos majoritariamente afro-descendentes), como o autor destas linhas se vê e considera, tivessem as possibilidades de poder e influência que tem o afro-americano Barack Obama. Mas esta, infelizmente, não é a nossa realidade.
Atrasados em pelo menos cinqüenta anos com relação às conquistas sociais do povo negro nos Estados Unidos, no Brasil, nós, herdeiros do mesmo brutal despojamento que plasmou a sociedade norte-americana (e do qual Obama, esclareça-se, não é vítima direta) vimos sendo, há mais de 120 anos forçados a acreditar que neste país “alegremente mestiço e desracializado”, nunca houve segregação nem ku-klux-klan, e que nossa inferioridade deve-se apenas a problemas econômicos e pode ser zerada com boas escolas e boas merendas para todos.
Mas aí, vem o jornalista Ivan Martins, da Época, e, depois de dar a palavra ao idealizador e diretor da paulista Universidade Zumbi dos Palmares, “gerida por negros, subsidiada e voltada para as classes mais pobres”, pergunta, na reportagem mencionada: “Quanto tempo, porém, será necessário para que se produza um líder como Obama no Brasil?”.
Enquanto isso não ocorre, meu amigo Martinho da Vila segue cantando seus belos sambas-enredo. Principalmente, o “Sonho de um sonho”, com que sua escola chegou em segundo lugar (empatada com mais duas) no disputado carnaval de 1980.
Nei Lopes é compositor e escritor, filiado à U.B.E.
No momento em que o Congresso Nacional prepara a votação do Estatuto da Igualdade Racial e um grupo de intelectuais e artistas lidera a corrente contrária à aprovação do texto, colocando-se contra a “grave ameaça” de secessão da sociedade brasileira em “negros” (pretos e pardos) e “brancos” (louros e “morenos”), como se essa divisão, em termos de poder e capital, já não fosse a grande característica desta sociedade. Invocam, agora, esses arautos da “desracialização”, no calor da discussão sobre o problema social brasileiro, o suposto exemplo de Obama, o qual, em pura retórica de campanha, afirmou num discurso que “não existe uma América branca, uma negra, uma asiática, uma hispânica: e sim os Estados Unidos da América”. E os “desracializadores” invocam o candidato americano, nos apontando o dedo, como se dissessem: “Estão vendo? Ele não exibe a cor da pele como uma arma ou um escudo!”.
Para nós seria realmente ótimo se o Brasil fosse esse paraíso mestiço que os não-racialistas apregoam. Se além dos mulatos “no sentido lato”, como diz a canção, também aqueles no sentido estrito (com a indisfarçável fenotipia dos majoritariamente afro-descendentes), como o autor destas linhas se vê e considera, tivessem as possibilidades de poder e influência que tem o afro-americano Barack Obama. Mas esta, infelizmente, não é a nossa realidade.
Atrasados em pelo menos cinqüenta anos com relação às conquistas sociais do povo negro nos Estados Unidos, no Brasil, nós, herdeiros do mesmo brutal despojamento que plasmou a sociedade norte-americana (e do qual Obama, esclareça-se, não é vítima direta) vimos sendo, há mais de 120 anos forçados a acreditar que neste país “alegremente mestiço e desracializado”, nunca houve segregação nem ku-klux-klan, e que nossa inferioridade deve-se apenas a problemas econômicos e pode ser zerada com boas escolas e boas merendas para todos.
Mas aí, vem o jornalista Ivan Martins, da Época, e, depois de dar a palavra ao idealizador e diretor da paulista Universidade Zumbi dos Palmares, “gerida por negros, subsidiada e voltada para as classes mais pobres”, pergunta, na reportagem mencionada: “Quanto tempo, porém, será necessário para que se produza um líder como Obama no Brasil?”.
Enquanto isso não ocorre, meu amigo Martinho da Vila segue cantando seus belos sambas-enredo. Principalmente, o “Sonho de um sonho”, com que sua escola chegou em segundo lugar (empatada com mais duas) no disputado carnaval de 1980.
Nei Lopes é compositor e escritor, filiado à U.B.E.
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