sexta-feira, agosto 22, 2008

BAR MANOLO - O RESGATE DO OPERÁRIO COMBALIDO

Deixei a portaria do meu prédio às seis e quarenta da manhã portando um celular sem carga no bolso da calça. Na mochila eu levaria os testes para aplicar em uma turma do turno da tarde. Levaria, se não a tivesse esquecido em casa. Então levava comigo apenas um objeto temporariamente imprestável, que não serviria nem pra controlar o tempo de minhas aulas naquela manhã.

Encarei três turmas durante quatro horas e meia de aulas distribuídas em seis tempos, das sete da manhã ao meio dia e quinze, com um intervalo de trinta minutos e outro de quinze entre as aulas. Acabei a jornada matinal cansado, me sentindo como se quem foi atropelado por vinte caminhões-cegonha, em seqüência e lentamente.

Voltei pra casa. Pus o celular para carregar a fim de usá-lo ao menos como relógio nos sete tempos de aula que ainda me restavam e fui, com fome, em busca de comida. Encontrei no fundo da geladeira uma quantidade insignificante de um macarrão com cara de que tinha sido feito antes da Laurásia se separar de Gondwana. E mais nada. Comi rápido. Afinal, não levou nenhum minuto pra comer aqueles cento e cinqüenta gramas de macarrão proterozóico. E além disso, eu estava com pressa.

Cutuquei o bolso da calça logo que pus os pés pra fora do portão do prédio movido pela certeza profunda de que tinha feito merda.

- Caralho, esqueci meu celular... Vou ficar sem relógio de novo...

Tinha visto as horas em casa, antes de sair. Estava muito atrasado. Não haveria tempo para voltar e buscá-lo. Pelo menos a mochila com os testes, desta vez eu não tinha esquecido.

Procurei economizar esforços nos três tempos de aula daquela tarde mas com crianças entre dez e treze anos é quase sempre impossível. Saí às cinco e meia da tarde do colégio com apenas uma moeda de vinte e cinco centavos no bolso, como um operário dramaticamente combalido após vender sua força de trabalho por sete horas e quinze minutos, ao longo de nove tempos de aula desde o início daquele dia. Entrei no banco e cumprimentei, mais uma vez, condoído - quase fúnebre - o meu cheque especial e segui pra Botafogo. Com fome.

Como um beduíno perdido no deserto, encontrei meu oásis momentâneo na esquina da Marquês de Olinda com a rua Bambina. Era o Bar Manolo. Entrei, encostando a portentosa barriga no balcão de aço e vidro, e pedi um sanduíche de pernil, no que fui atendido prontamente. Depois de partida, a peça foi levada para esquentar na chapa e servida no pão, com limão a gosto. Não pedi um chope porque em quinze minutos tinha que estar em sala de aula e, se eu pedisse o primeiro, tenho a mais absoluta convicção de que não sairia dali tão cedo.

Apesar do refrigerante pra acompanhar, o sanduíche bastou. Saí do Manolo novo. Pronto pra encarar com ânimo mais quatro horas de aula, entre seis e quinze e dez e meia da noite. Porque a atmosfera do bares, dos botequins, possui ares capazes de desconstruir a angústia do operário combalido pelo esforço diário, ainda que seja a fim de retomar a labuta depois de tragada a dose necessária de boemia. Hoje acabou. Amanhã tem mais.

6 comentários:

Pedro Angelo disse...

eu sempre quis ser professor, mas depois dessa, decidi pensar um pouco mais...

Diego Moreira disse...

Pedro, uma jornada dessas, com 13 tempos de aula, em plena sexta-feira, de fato é canina. Mas vale a pena quando às dez e meia da noite, no fim de tudo, um aluno bate no seu ombro e diz:

- Professor, essa foi a melhor aula de geografia que eu já tive na minha vida.

Pois foi exatamente isso o que me ocorreu nesta sexta-feira canina de 22 de agosto de 2008. Não há palavra que descreva nem dinheiro que pague o que se sente ao ouvir um troço desses, quando menos se espera.

Posso dizer, então, que ainda assim, vale a pena.

Um abraço.

Pedro Angelo disse...

claro, era só uma piada (não sobre ser professor, sobre pensar melhor)

claro que vale a pena

Diego Moreira disse...

Encontro-te, então, na docência, torcendo para que o ensino ganhe um grande professor.

Forte abraço!

Felipe Quintans disse...

Texto bacana, meu caro Diego. Uma dose de boemia, mesmo que seja pequena, faz com que uma guerra pareça uma simples batalha naval.

Abraço

Anônimo disse...

É isso, meu camarada! E é provável que eu precise de mais uma hoje. Seja sempre bem chegado.

Abraço!