- Vamos?
Era quase uma e meia da manhã. Se o samba não estivesse excepcional, ela certamente teria me chamado pra ir embora às onze. Mas antes das despedidas, tive tempo de gravar o Tito cantando um samba do Arlindo Cruz, O meu lugar.
Antes que digam que o malandro se vendeu fazendo sambinhas pra globo e outras coisas, quero dizer que nesse samba ele foi extremamente feliz, não só pelo conjunto letra e melodia mas principalmente porque seu título se adéqua perfeitamente ao conceito de lugar na visão da geografia humanística.
Há poucos dias escrevi o seguinte em meu outro blog (conceitosetemas.blogspot.com): "muito além de um espaço físico, de uma paisagem repleta de elementos e de referências peculiares passíveis de descrições objetivas e racionalizadas, o lugar, na visão humanística, constitui-se como uma paisagem cultural, campo da materialização das experiências vividas que ligam o homem ao mundo e às pessoas, e que despertam os sentimentos de identidade e de pertencimento no indivíduo. É, portanto, fruto da construção de um elo afetivo entre o sujeito e o ambiente em que vive”.
É exatamente essa relação de identidade e de pertencimento que o samba apresenta. E isso traduz o sentimento das pessoas que amam o lugar onde vivem, seu bairro, sua rua, sua cidade, ou seja, o lugar onde as pessoas se sentem em casa.
E isso é algo que me emociona profundamente, porque o lugar do Arlindo, que é Madureira, "com seus mitos e seres de luz, é bem perto de Oswaldo Cruz, Cascadura, Vaz Lobo e Irajá". E Irajá é a terra do nosso samba familiar, o que nos faz construir elos afetivos cada vez mais profundos com o subúrbio do Rio.
Abaixem o volume dos alto-falantes. O Tito tem um gogó poderoso, fortíssimo. Fosse ogan, seria capaz de fazer até ateu receber caboclo e preto-velho em terreiro de Umbanda, puxando só na palma, dispensando até o rufar dos atabaques. Reparem que a Márcia Viegas, vai embora do Doce Refúgio enquanto o samba rola. A vontade era de ficar - no início do vídeo ela ainda está batucando - mas a viagem pra tocar com o Jorge Aragão, e eu acho que o show era no Nordeste, não podia mais esperar.
Na despedida ainda pude ouvir a rapaziada tocar o Samba do Irajá, composto pelo tio Nei, numa lembrança do velho Luiz - seu pai - que chegou naquela freguesia no início do século XX. E bateu uma saudade agúda do velho Mizoca. E com a saudade, uma lágrima, expressão maior das nossas humanas emoções.
Tenho impressa no meu rosto
E no peito, lado oposto ao direito
Uma saudade – que saudade!
Sensação de na verdade
Não ter sido nem metade
Daquilo que você sonhou
São caminhos, são esquemas
Descaminhos e problemas
É o rochedo contra o mar
É isso aí, ê Irajá
Meu samba é a única coisa que eu posso te dar
Saudade veio à sombra da mangueira
Sentou na espreguiçadeira
E pegou um violão
Cantou á moda do caranguejo
Estendeu a mão pra um beijo
E me deu opinião
Depois tomou um gole de abrideira
Foi sumindo na poeira
Para nunca mais voltar
É isso aí, ê Irajá
Meu samba é a única coisa que eu posso te dar.
3 comentários:
Minhas palmas e meu eterno agradecimento são as únicas coisas que posso dar ao samba do Irajá e àquela gente simples, Tito, Neném, D. Glória, que nos recebe com o coração.
Caro,
além do belíssimo "Meu lugar", você cita um outro samba espetacular, o "Samba do Irajá":
"Sensação de na verdade
Não ter sido nem metade
Daquilo que você sonhou".
Isso é bom demais, grande Nei Lopes.
Abração.
Grande Nei Lopes, Molica. Grande tio Nei, como chamamos ele lá no Irajá. O samba do mestre nos emociona profundamente.
Abração!
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