Os mais chegados sabem que no feriadão de 21 e 23 de abril eu viajei com minha família para Minas Gerais, mais precisamente para Além Paraíba, terra onde meu avô nasceu.
Desejada há muito mas programada em cima da hora, a viagem não foi das mais confortáveis pois foi difícil encontrar boa hospedagem disponível para 4 adultos e um bebê. Sim. Daniel foi conosco, é claro.
No entanto foi extremamente emocionante.
Já tinha dito aqui que meu avô Zequinha foi o maior exemplo de integridade e caráter que eu tive na vida. Tudo o que diz respeito a ele, a sua família - que é minha família, ora! - e sua história, me interessa. Muito.
Por isso que a tal viagem era desejada há muito tempo.
Pelo menos desde meados do ano passado eu venho investigando informações sobre meu avô e seus ancestrais. O ponto de partida foi o cartório de Angustura, pequeno distrito do município mineiro de Além Paraíba.
Angustura foi, no final do século XIX, um lugar mais importante do que Além Paraíba. Ainda está de pé a casa onde Silva Jardim fez seu discurso republicano em março de 1889.
Naquela ocasião, fazendeiros defensores da monarquia armaram um atentado contra o homem dizendo a ex-escravos que Silva Jardim estava defendendo o retorno da escravidão. Foi então que cinco ex-escravos tentaram atacar o político que, dizem, desceu do palanque e foi falar pessoalmente com os homens. A força de Angustura estava, evidentemente, no café.
No cartório, encontrei a certidão de nascimento do meu avô, José Dutra de Moraes. Olhar aquele livro e ler seus dizeres foi emocionante. Diz o livro, sobre o nascimento dele, assim:
"Aos trinta dias do mês de junho, do ano de mil novecentos e dezoito, neste distrito de Angustura, município de São José do Além Paraíba, estado de Minas Gerais, compareceu em meu cartório Argemiro Dutra de Moraes e declarou que no dia vinte e oito do corrente, às vinte e duas horas, no Bom Jardim, nasceu uma criança do sexo masculino, filho legítimo dele participante e Dona Maria Luiza de Rezende, brasileiros, sendo o nome da criança José, sendo seus avós paternos Eduardo Dutra de Moraes e Dona Francelina de Souza Moraes, e sendo avós maternos José Ferreira de Rezende e Dona Joaquina Alves de Rezende, do que para constar nesse livro..."
Fotografei o livro. Não podia perder esta oportunidade. E fui conhecer a Fazenda Bom Jardim, que o livro indica como local de nascimento do meu avô. Sério, não podia haver coisa mais emocionante nessa viagem.
E encontrei bem mais do que isso. Naquele mesmo cartório encontrei a certidão de nascimento de minha bisavó, mãe do velho Zequinha; encontrei a certidão de casamento de minha bisavó com meu bisavô; encontrei a certidão de casamento dos meus tataravós - os pais de minha bisavó (avós maternos do Zequinha); encontrei certidões de nascimento de irmãos e primos de minha bisavó... enfim, muita coisa.
Descobri que tanto o lado Rezende quanto o lado Dutra de Moraes dos pais do Zequinha vêm de Santo Antônio do Aventureiro, uma bela cidadezinha a menos de 20 km de Angustura. Fomos lá.
Visitamos a Igreja e fomos muito bem recebidos pela dona Zete e o sr. Álvaro, que cuidam dos livros da Igreja. Olhamos os livros e achamos informações bem bacanas. Anotamos tudo o que foi possível. Faltou foi tempo. Aventureiro que me espere para uma viagem em breve.
Do eixo Além Paraíba-Angustura-Aventureiro partimos para Natividade, pequena cidade do Noroeste Fluminense. Foi prá lá que meu avô se mudou ainda menino e foi lá que ele conheceu minha avó, mãe de minha mãe - a avó que eu não conheci.
Isso porque minha avó, que veio pro Rio com meu avô em 1943, deixou meu avô e os dois filhos para viver com outro homem, que, segundo consta, foi o grande amor da sua vida. Com ele, ela teve mais de dez filhos e o acompanhou até a morte.
Meu tio, abandonado ainda em amamentação, nunca quis saber da mãe. Passava mal só de ouvir falar. Mamãe, que tinha menos de três anos quando viu a mãe ir embora, deixou isso para trás e manteve algum contato com a mãe. Pouco, em respeito a meu avô, que também não queria saber nem de ouvir seu nome.
Quando minha irmã, Larissa, nasceu, mamãe levou-a para que a avó conhecesse a neta. A preta-velha - minha avó era negra e mãe-de-santo - teve orgulho da "neta loura". Larissa nasceu russa fazendo jus a origem do nome.
O casamento de minha avó com meu avô foi um desafio às tradições da família dele. O sr. Eduardo Dutra de Moraes, avô de meu avô, não era só um sujeito racista. Era um escravocrata. Quem sabe um dos monarquistas que conspiraram contra o Silva Jardim.
O irmão de Eduardo, o fazendeiro de Mar de Hespanha Belchior Dutra de Moraes, era mais um escravocrata. Há registros de que um grupo de escravos de Belchior assassinou o feitor de sua fazenda em reação à violência dos castigos recebidos.
Então, o meu avô casar-se com uma mulher negra parecia ser uma afronta. Ele não ligou. Passou por cima disso e veio com ela para cá. Teve dois filhos até ser abandonando. Ela não levou os filhos pois sabia que, com um novo homem e numa sociedade onde a mulher era - e às vezes ainda é - submissa, eles correriam o risco de serem agredidos e rejeitados pelo padrasto. Risco que eles não corriam com o pai.
Há quem possa julgar sua atitude - abandonar filhos e marido para viver com outro homem - leviana. Eu não. Principalmente porque este homem foi verdadeiramente o homem a quem ela amou e quis viver até morrer. Mas dizem que ela se escondia atrás das árvores para ver minha mãe e meu tio entrando e saindo da escola.
Minha avó já morreu faz muito tempo. Incomodava-me não conhecer seu rosto. Em Natividade encontramos a casa de Tia Nair, a única irmã viva de minha avó. Com mal de Alzheimer, ela não lembrou de minha mãe, muito menos de nós, a queM ela conhecia agora. Sentamos e tomamos um café, ouvindo o barulho das águas do rio Muriaé.
Não resisti e perguntei se havia uma foto de minha avó. Havia. Uma só. E de repente um mundo inteiro de subjetividades se destrói e se reconstrói. Havia um rosto. A foto foi tirada no casamento da filha de Tia Nair. O vestido foi enviado por minha mãe. Porque mamãe soube que ela não ía à festa pois não tinha roupa. Ainda bem.
Ainda há muito pra contar sobre tudo o que nos emocionou nessa viagem. Mas sei, também, o quanto isso seria enfadonho para os que me lêem. Fico por aqui.
Abraços e até!
10 comentários:
Nossa, que impressionante tudo isso!! Parece até história de filme, dos bons. (:
Beijos.
nossa coincidentemente minha esposa é de Além Paraiba !!! e em um carnaval que passamos a anos atras, um amigo conheceu uma além paraibana e hoje está casado com ela !!
Pri, como o cinema está para mim mais ou menos como está também para o amigo Luiz Antonio Simas, certamente eu não produziria um filme sobre essa história. Mas o livro já está em fase adiantada de pesquisa. Bjo.
Paulo Rogério, esse mundo é minúsculo. Abraço!
Diego, o troço é emocionante mesmo e , além disso, muito intrigante.
Parabéns pelo interesse.
Forte abraço!
Que ótimo saber disso! Tem todo o meu apoio!!
Nego, foi uma bela viagem sim. Também não tenho olhos tortos para a escolha da Vovó Ana.
Uma mulata casar-se com um branco e pedir a separação, em 1947, foi de uma tremenda ousadia. Um escândalo para aquele tempo, já que mulher era criada para casar-se e obedecer ao marido, contentando-se com uniões infelizes em nome dos filhos.
Separação era para as menos dignas. Vovó rompeu com isso ao escolher viver com o homem com o qual casou-se e viveu até o fim de sua vida. E dizem que eles se amavam muito.
Agora, contam que ela não queria abrir mão dos filhos, mas que o vovô disse à ela que, se ela quisesse ir, a porta da rua era serventia, mas que os filhos ficariam com ele. Ela teria escolha naqueles tempos? Pobres, pouco letrados, numa sociedade onde o homem detinha o poder sobre os lares, como conseguir a guarda dos filhos em 1947?
Imagino o que deve ter sentido essa mulher por aquele homem para deixar dois filhos para trás e seguir com ele. E hoje sabemos que era amor de verdade, que frutifcou em tios que ainda não conhecemos. Falta-nos essa busca, numa viagem bem mais próxima.
beijos
Diego os comentários não cabem aqui... isso é uma história muito sensível para a artificialidade desses tempos modernos. Olhos nos olhos, falo sobre o que eu li. Abraço. LH
pow essa senhora se pareçe com minha avó sendo que ela é mais morena que minha vó pow muito parecida principalmente os olhos.
Alana, por causa do próprio enredo que narrei, eu não conheço vários dos netos de minha avó. Quem sabe?..
o eduardo dutra de moraes tinha uma outra mulher custodia dutra de moraes onde era casado e perdeu a fazenda num jogo em 1892 essa fazenda chamava corrego hoje e maripa de minas , minha bisavo ficou no relento vendo cidade surgir
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