O subúrbio carioca do Méier foi o berço de um malandro que tornou-se uma escola do violão brasileiro. Foi em maio de 1947 que nasceu por aquelas bandas o grande Hélio Delmiro. Aos cinco anos de idade o prodígio ganhou um cavaquinho do irmão Juca, e Carlos, seu irmão mais velho, que era pianista e professor de violão, trabalhou pra estimular no garoto o gosto pela música. Com apenas quatorze anos, o moleque já aprontava com um violão debaixo do braço mostrando sua arte para os bebuns dos botequins mais vagabundos do subúrbio da central.
Meu primeiro contato com a musicalidade do mestre foi em 2002, na rua Mendes de Aguiar, em Cascadura, onde morava meu sogro, o velho Mizoca. Meu cunhado Luis Henrique chegou por lá carregando o disco do Délcio Carvalho - A Lua e o Conhaque - em que a primeira música é "Fio de melodia". Eis a cena:
- Pai, escuta esse samba! - disse o Henrique.
- Quem é? perguntou, impaciente, o meu sogro.
- Calma, pai! Espera a música começar! Quero ver se o senhor adivinha...
Entra um violão fazendo um arpejo curto e bonito. Começa o canto.
- Ah!... Délcio Carvalho! Canta pra cacete, esse cara... - disse o velho.
- E de quem é esse violão, pai?
- Esse aí? Ah, Henrique! Tá achando que eu sou bobo, cacete! Esse crioulinho aí é o Hélio Delmiro!
Henrique tinha escondido o encarte do disco pra testar o pai. Pra ver se ele conhecia os caras mesmo. O velho sabia tudo, e mais!
- Eu conheci o Hélio quando ele tinha uns vinte anos e tocava no quarteto Fórmula 7 com o Marcio Montarroyos - grande trompete! -, o Cláudio Caribé e o Luizão Maia. Bebi muita cerveja com ele em Madureira, Henrique. Isso aí é uma fera!
Tinha razão, o velho. Delmiro tocava com o Fórmula 7 em bares e na zona. Nos intervalos das apresentações ele arriscava um jazz na guitarra, para as damas da noite e para os cavalheiros etílicos das madrugadas frias do cais. E com o fim do Fórmula, seus dedilhados precisos continuaram a correr os bares do Rio. Trabalhou com Victor Assis Brasil e Antônio Adolfo. Viajou pelo país e acabou sendo um dos violonistas mais requisitados para gravações e shows.
Tocou com Elizete, Miltinho, Marlene, Clara Nunes, e três anos com Elis, com quem fez viagens pela Europa e acabou mergulhando no mundo do Jazz. Foi convidado pra tocar com Sarah Vaughan, mas de tão requisitado, não pôde ir para os Estados Unidos e integrar a banda da cantora. Participou de apresentações com Luis Eça, Larry Corryell e Philip Catherine. Com Charlie Haden, Carla Bley, Paul Motion, Clare Fischer e o mestre Paulo Moura.
Gravou discos com César Camargo Mariano, Tom Jobim, Gato Barbieri, Clara Nunes e João Nogueira, além de participar brilhantemente do belo disco do Délcio Carvalho. Compositor, teve parceiros como Paulo César Pinheiro, em "Quando o Sol Raiar", gravada pelo saudoso Roberto Ribeiro.
Toque preciso, sonoridade com marca, com personalidade forte, que fez meu sogro reconhecer sua batida em menos de dez segundos. Estética fina, sofisticada, a serviço do povo do Subúrbio do Rio de Janeiro há mais de quarenta anos.
Em agosto de 2004, o mestre ficou preso por dois meses por não ter condições finaceiras de quitar uma dívida de pensão alimentícia de quase doze mil reais gerada por um logo período de desemprego. Na ocasião, o grande Moacyr Luz, violonista influenciado por Delmiro, organizou um show beneficente para ajudar a tirar o mestre da cadeia. O show teve a participação de Nana Caymmi, Guinga, Jards Macalé, Paulão Sete Cordas, Aldir Blanc, Wilson das Neves, João Lira, Victor Biglione, Wagner Tiso, Yamandú Costa, Leila Pinheiro, Cristóvão Bastos, Grupo Maogani, Trio Madeira Brasil, Zé Renato, Marco Pereira e Fátima Guedes. Toda a renda dos ingressos, vendidos a vinte reais, foi revertida a Hélio, para que ele quitasse seus débitos.
Todos esses músicos participaram desse show pois tem em Hélio Delmiro um mestre, pois elé é o que é. Uma escola do violão popular e da música brasileira.
6 comentários:
Diego,
A primeira vez que eu tomei conhecimento do Hélio Delmiro foi em 79 quando comprei o LP Quinteto do Victor Assis Brasil, no qual ele tocava guitarra. Fiquei maluco com o som que ele fazia e assim que saiu seu primeiro disco, chamado Emotiva, ele já começou a rodar na minha vitrola. Logo depois veio o disco Samambaia com Cesar Mariano. Tudo obra prima. Tudo absolutamente primoroso!
E um sujeito dessa categoria acaba preso por que não tem dinheiro pra pagar pensão alimentícia por conta de desemprego...
É revoltante termos uma mídia que não dá nenhum espaço pra um músico com a categoria do Hélio Delmiro, autor de uma obra primorosa, como você bem destacou, meu camarada.
É isso!
Em tempo: Os problemas que passamos nesse início de ano - você pode acompanhar o que postei por aqui - nos impediram de fazer a viagem programada pra São Paulo. Mas ela vai sair, com certeza!
Abraços!
Caro Diego,
Conheci Hélio Delmiro através do Arnaldo. Adorei! Emotiva n° 1 (Hélio Delmiro), do seu 1° CD, é, absolutamente, linda! Sua parceria com César Camargo Mariano também é exemplar. Do CD Samambaia, destaco Curumim (César Camargo Mariano). Obs.: pra ouvi-las, clique nos títulos.
Pronto, voltei pra cantar/tocar, um pouquinho, aqui!
Bjão,
Clé
Aguardamos a vinda de vocês por estas bandas!
Beleza, Clélia! A postagem ficou bem mais bacana agora!
Beijo!
Parabéns pela divulgação de artistas que não têm destaque na mídia.
Aproveito tb para mencionar o filme "Alma Suburbana" que tem tudo haver com o blog, não só pelo tema, mas também pela formação de um dos diretores do filme. Também sou geógrafo e tenho grande interesse de divulgar e debater a cultura suburbana.
Valeu por esse espaço. Espero que vc também visite o blog do alma suburbana.
Nós também organizamos o cineclube Subúrbio em transe. No próximo sábado será exibido Margem, de Maya Da-Rin, que faz a travessia do Rio Amazonas. Você está convidado. O endereço é: Rua Ponta Porã, 15. (CASARTI). Vista Alegre.
Um abraço.
Luiz Claudio.
Lembro do Hélio na varanda com violão, ainda garotão.
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