SINAIS DE INSTABILIDADE POLÍTICA
Por Silvio Caccia Bava - em Le Monde Diplomatique Brasil - Maio de 2009.
Não demorou muito para que surgissem perguntas da parte de quem paga impostos. De onde saiu tanto dinheiro para socorrer o sistema financeiro, se os compromissos assumidos pelos governos dos países mais industrializados com a erradicação da pobreza, como os Objetivos do Milênio, não conseguiram mobilizar sequer uma pequena fração dos recursos destinados a socorrer os bancos?
A comparação de alguns números sustenta essa perplexidade. Segundo um recente estudo publicado pelo IPS - Institute for Policy Studies, de Washington, para socorrer os bancos e seguradoras foram destinados mais de US$ 4 trilhões. Esse valor é 40 vezes maior do que os recursos destinados a combater a pobreza e as mudanças climáticas no mundo. Os US$ 152,5 bilhões destinados a socorrer a seguradora AIG superam, de longe, os US$ 90,7 bilhões que os EUA e os europeus somados destinaram à ajuda para o desenvolvimento em 2007.
As grandes empresas capitalistas perderam algo como US$ 30 trilhões neste ano de 2009 com a desvalorização das ações nas bolsas de valores. Não tenham dúvidas que elas tentarão recuperar, ao menos em parte, essas enoremes perdas. E a mobilização dos recursos públicos por parte dos governos, recursos provenientes do pagamento de impostos, é parte da estratégia para salvar essas riquezas acumuladas, principalmente, por meio da especulação.
Associada a essa perplexidade está a angústia e o medo daqueles que se apercebem da extensão da crise. As previsões dos melhores especialistas não veem a luz no fim do túnel. E não se sabe quantos recursos mais terão de ser mobilizados para sustentar esses gigantes de pés de barro, que se aproveitaram da convência dos Estados para operar especulativamente num verdadeiro cassino mundial.
A crise tem um enorme custo social: o aumento da pobreza e do desemprego. A OIT estima que, só em 2009, mais de 50 milhões de trabalhadores perderão o emprego. Os recursos públicos destinados a salvar o sistema financeiro exigirão cortes no orçamento das políticas públicas e nas verbas destinadas a combater o aquecimento global. Nos países mais pobres, a fome ronda como uma ameaça cada vez mais assustadora. Os imigrantes passarão a ser ainda mais discriminados e perseguidos nos países que antes os acolhiam para fazer o "trabalho sujo" que seus cidadãos não valorizavam.
É preciso considerar que tudo isso ocorre em um cenário de intensa concentração de renda e crescente desigualdade. Os 20% mais ricos do mundo se apropriam de 82,7% da renda, enquanto os dois terços mais pobres ficam com apenas 6%. Nos últimos 30 anos a diferença entre ricos e pobres mais do que duplicou. Enquanto o Goldman Sachs paga 1% de impostos, o cidadão comum entrega ao Estado entre 30 e 40% da renda de seu trabalho.¹
Uma das novidades geradas pela crise é que ela coloca à mostra, para conhecimento público, as entranhas de um sistema que não consegue mais esconder nos paraísos fiscais e nos meandros burocráticos da administração o seu caráter de classe. Nunca ficou tão claro o papel do Estado no cenário neoliberal.
Obama reconhece, em seus últimos pronunciamentos, que o cidadão está ficando bravo. Que esta situação pode gerar instabilidade política e institucional. A Grécia emitiu os primeiros sinais de mobilização social contra essa apropriação dos recursos públicos pelo sistema financeiro. Na crise de 1929 foram preciso de dois a três anos para que a população saísse às ruas em defesa dos seus direitos. Hoje é de esperar que esse tempo seja substancialmente menor.
E assim se abre, outra vez, o campo das possibilidades históricas. O mais provável é que esta crise provoque uma ainda maior concentração de poder e de riqueza, uma vez que não há, no momento, atores políticos que possam contra-arrestar essa tendência. O que acaba por fortalecer ainda mais o poder dos EUA. Há indicações, que são congruentes com o comportamento de Obama nas últimas semanas, de que as elites econômicas tomam a dianteira e "começam a convergir para uma solução global, do tipo socialdemocrata", como sinaliza Waden Bello.²
José Luis Fiori nos alerta também que "se a crise se prolongar por muito tempo, deverão se multiplicar as rebeliões e as guerras civis, sobretudo nas zonas de fratura do sistema mundial. E não é impossível que algumas desta rebeliões se recoloquem objetivos socialistas"³.
1. Ladislau Dowbor. "A crise financeira sem mistérios: convergência dos dramas econômicos, sociais e ambientais"; www.cartamaior.com.br, 11/02/2009.
A comparação de alguns números sustenta essa perplexidade. Segundo um recente estudo publicado pelo IPS - Institute for Policy Studies, de Washington, para socorrer os bancos e seguradoras foram destinados mais de US$ 4 trilhões. Esse valor é 40 vezes maior do que os recursos destinados a combater a pobreza e as mudanças climáticas no mundo. Os US$ 152,5 bilhões destinados a socorrer a seguradora AIG superam, de longe, os US$ 90,7 bilhões que os EUA e os europeus somados destinaram à ajuda para o desenvolvimento em 2007.
As grandes empresas capitalistas perderam algo como US$ 30 trilhões neste ano de 2009 com a desvalorização das ações nas bolsas de valores. Não tenham dúvidas que elas tentarão recuperar, ao menos em parte, essas enoremes perdas. E a mobilização dos recursos públicos por parte dos governos, recursos provenientes do pagamento de impostos, é parte da estratégia para salvar essas riquezas acumuladas, principalmente, por meio da especulação.
Associada a essa perplexidade está a angústia e o medo daqueles que se apercebem da extensão da crise. As previsões dos melhores especialistas não veem a luz no fim do túnel. E não se sabe quantos recursos mais terão de ser mobilizados para sustentar esses gigantes de pés de barro, que se aproveitaram da convência dos Estados para operar especulativamente num verdadeiro cassino mundial.
A crise tem um enorme custo social: o aumento da pobreza e do desemprego. A OIT estima que, só em 2009, mais de 50 milhões de trabalhadores perderão o emprego. Os recursos públicos destinados a salvar o sistema financeiro exigirão cortes no orçamento das políticas públicas e nas verbas destinadas a combater o aquecimento global. Nos países mais pobres, a fome ronda como uma ameaça cada vez mais assustadora. Os imigrantes passarão a ser ainda mais discriminados e perseguidos nos países que antes os acolhiam para fazer o "trabalho sujo" que seus cidadãos não valorizavam.
É preciso considerar que tudo isso ocorre em um cenário de intensa concentração de renda e crescente desigualdade. Os 20% mais ricos do mundo se apropriam de 82,7% da renda, enquanto os dois terços mais pobres ficam com apenas 6%. Nos últimos 30 anos a diferença entre ricos e pobres mais do que duplicou. Enquanto o Goldman Sachs paga 1% de impostos, o cidadão comum entrega ao Estado entre 30 e 40% da renda de seu trabalho.¹
Uma das novidades geradas pela crise é que ela coloca à mostra, para conhecimento público, as entranhas de um sistema que não consegue mais esconder nos paraísos fiscais e nos meandros burocráticos da administração o seu caráter de classe. Nunca ficou tão claro o papel do Estado no cenário neoliberal.
Obama reconhece, em seus últimos pronunciamentos, que o cidadão está ficando bravo. Que esta situação pode gerar instabilidade política e institucional. A Grécia emitiu os primeiros sinais de mobilização social contra essa apropriação dos recursos públicos pelo sistema financeiro. Na crise de 1929 foram preciso de dois a três anos para que a população saísse às ruas em defesa dos seus direitos. Hoje é de esperar que esse tempo seja substancialmente menor.
E assim se abre, outra vez, o campo das possibilidades históricas. O mais provável é que esta crise provoque uma ainda maior concentração de poder e de riqueza, uma vez que não há, no momento, atores políticos que possam contra-arrestar essa tendência. O que acaba por fortalecer ainda mais o poder dos EUA. Há indicações, que são congruentes com o comportamento de Obama nas últimas semanas, de que as elites econômicas tomam a dianteira e "começam a convergir para uma solução global, do tipo socialdemocrata", como sinaliza Waden Bello.²
José Luis Fiori nos alerta também que "se a crise se prolongar por muito tempo, deverão se multiplicar as rebeliões e as guerras civis, sobretudo nas zonas de fratura do sistema mundial. E não é impossível que algumas desta rebeliões se recoloquem objetivos socialistas"³.
1. Ladislau Dowbor. "A crise financeira sem mistérios: convergência dos dramas econômicos, sociais e ambientais"; www.cartamaior.com.br, 11/02/2009.
2. Walden Bello. "Novo consenso capitalista está em gestação"; em Sin Permisso, 13/01/2009.
3. José Luis Fiori. "Crise longa e profunda atuará como "tsunami darwinista", em www.cartamaior.com.br, 03/03/2009.
10 comentários:
Bem-vindo ao CAPITALISMO!
Anônimo, fui recebido por ele (o capitalismo) antes de nascer e nada mais me espanta. Caccia Bava disse apenas o que eu queria dizer sobre essa postura do Estado diante da crise.
Enquanto não tenho a cara-de-pau de sonegar meus impostos, pago a conta da merda feita pela elite.
Mas a rua me espera. Quando os primeiros movimentos por aqui surgirem contra essa ordem insana, estarei por lá.
À rua ou ao boteco, bravos...!!! Na cara limpa ou sem revolta não dá pra segurar essa não, malandro!
Texto muito bem selecionado, queridão!
O boteco é a nascente onde brotam as águas da nossa resistência, meu velho. E outras águas, que irrigam e fertilizam as nossas teorias, também.
Abraço!
Diego, perdoe-me pelo "anônimo" do primeiro comentário. Sou empresário, pago taxas elevadíssimas de impostos, sou fiscalizado diariamente por não dar propinas aos fiscais, cada funcionário meu custa o dobro do salário que eles recebem, compro mercadoria pagando a vista e tenho que vender a prazo, entretanto os impostos são pagos no mês seguinte a venda e etc. e tal.
Além dessa choradeira, ainda sou formado em engenharia e economia, além de outras coisas.
Sensacional !!!
Poucos enxergam a "coisa" conforme colocado.
Abraço
É isso, Rodrigo. Tenho certeza de que estamos no mesmo barco. Permita-me agradecer pela identificação e por contribuir com uma sociedade menos escrota. Eu, você e os que fazem o que fazemos, temos autoridade moral para criticar mensalão e mensaleiros. Conheço um bocado de gente que não tem essa moral não.
Abraço!
Sinceramente, de uma sagacidade estonteante... É o tipo de questionamento que tanto gostaria que saltasse aos borbotões de todos os rincões deste mundo véio sem porteira! Sendo assim, fico imensamente agradecida pela leitura.
Moema, foi exatamente isso o que eu senti e por isso dei-me o trabalho de digitar cada palavra para reproduzir esse texto aqui.
Seja sempre bem-vinda.
Abraços!
Olha, Diego...
Confesso que nestes espaços virtuais eu ainda estou engatinhando. Sempre vou tateando às cegas pelas estradas e vias da grande rede. Felizmente, a sorte tem sido minha companheira e me presenteia com verdadeiros "achados"... É muito reconfortante saber que existem pessoas que doam parte de seu tempo para que o outro tenha "oportunidades", como as que eu venho tendo. Topar com post's que me são imprescindíveis. Sou geógrafa, e também leciono geografia e me intriga muitíssimo ver o tempo que tem se perdido em frente ao pc sem tirar se proveito. Questiono muito meus alunos quanto a isso. E, faço sempre minhas sugestões de leituras, de sítios, de novidades. Enfim, espero que tenhamos sempre boas "ondas" por estas bandas...
E que legal, rola ainda por cima interatividade!
Maneiro!!!
Fica na paz!!!
A internet tem tudo pra fazer um sujeito se alienar, Moema. Mas pode ser um poderoso instrumento de insurgência contra a ordem social, política e econômica instaurada.
Eu não abro mais mão dela. Venha você também!
Forte abraço, colega!
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