Meus colegas de profissão devem achar absolutamente fora de hora discutir o valor da arte que exercemos diariamente. Isso porque estamos em dezembro, exatamente no final de mais um ano letivo, quando o que realmente reina em nossos pensamentos se expressa por apenas uma palavra: férias!
Mas ontem eu vivi uma situação que me fez pensar sobre o real valor do que fazemos e refletir sobre a educação como uma atividade transformadora e determinante na formação da sociedade, do caráter das pessoas, e sobre como as experiências educativas podem nos marcar profundamente e pra sempre.
Fui ao centro do Rio, na tarde de ontem, numa roda de samba organizada pelo Rodrigo Ferrari, da Livraria Folha Seca, em homenagem ao centenário de Noel Rosa. Estive, portanto, entre muitos amigos, com cerveja gelada - que o dia foi bonito demais, com sol e brisa - e os melhores papos possíveis.
E foi de um breve papo, nem por isso superficial, com o Leo Boechat que eu tirei o mote pra esse texto - eu que fiquei bastante calado esse ano, não passei nem perto da média de textos dos anos anteriores.
Ocorre que o Leo Boechat contava que foi aluno do CAp UFRJ e que pra ele era indiscutível que as aulas de Geografia eram as melhores, as mais interessantes, as mais instigantes e provocativas do seu ensino médio.
Eu, que não tive a felicidade de ter, no ensino médio, bons professores de Geografia, fiquei feliz com a declaração dele. E conhecendo um pouco do time que fazia o front da minha ciência na escola onde ele estudou, perguntei:
- Você foi aluno do
João Rua?
Ele devolveu:
- Meu ídolo!
E deu de falar maravilhas do mestre que marcou sua vida. E deu de chorar ao lembrar que o professor João Rua convocou a turma do Léo para um trabalho de campo em Engenheiro Pedreira, para onde os garotos foram com ele. De trem.
Garotos da Zona Sul, no final dos anos 80, pegando o trem, observando as mudanças da paisagem de um ambiente urbano para o peri-urbano e para o rural, e desembarcando em Engenheiro Pedreira. Andando pelas ruas do lugar a entrevistar os moradores etc. Pode haver algo mais inusitado e mais genial? Produzir um choque de realidades dentro do laboratório da ciência geográfica: o espaço em si?
Rousseau recomendava: ensine utilizando os mais variados recursos, e só recorra às palavras quando não houver outra alternativa.
Parece que o mestre sabia o valor e o significado dessa recomendação para aplicá-la ao desenvolvimento dos seus alunos. Das aulas que tive enquanto aluno, lembro melhor das que se diferenciavam por experiências como esta proposta pelo João Rua à turma do Léo.
Aprendi um bocado sobre o lixão de Gramacho quando meu professor de programas de saúde, Maurício Monken - que, vejam só, é doutor em saúde pública mas geógrafo por graduação - levou minha turma ao local, para observação e palestra da direção do local. Esse tipo de experiência é rica, edificante e, certamente, muito marcante na vida dos alunos.
Não tive a oportunidade de ser aluno do João Rua na UERJ pois quando entrei ele já estava de saída. Mas pude fazer pelo menos um trabalho de campo - de geografia agrária, em Teresópolis - estruturado pelo velho mestre. Imagino que ainda hoje os alunos façam o mesmo campo, sem grandes alterações. Mais uma aula que não me esqueço.
Pois eu imagino que deve ser gratificante demais, emocionante demais, saber que, depois de 20 anos, seu trabalho é capaz de emocionar alguém que reconhece como fundamental o conjunto de conhecimentos, experiências e valores que você transmitiu como professor.
Se um dia eu viver algo meramente parecido com isso, estarei gratificado pelo ofício que escolhi.
3 comentários:
É isso aí! Fortes emoções nessas lembranças. Melhor nem começar a falar muito… Grande abraço!
Mano, (permite te chamar assim), já que sou paulista. Belo texto, cara! No meio de tantos professores que tive na minha vida, me recordo de apenas um, que me fez ou me mostrou o mundo conforme é. Lendo seu texto me lembrei dele, hoje tenho outra visão do que é ser professor no Brasil, e vocês são guerreiros, passam por cima de tudo para continuar lecionando, educando, para um Brasil melhor, assim como sonhamos que essa pátria deve ser e como diria o Dary Ribeiro: Será!
Forte abraço,
RODRIGO MEDINA
Ser professor no Brasil é complexo e desgastante para a maioria.
Nem todos, trabalham em locais que possuem estrutura digna e alunos interessados - famintos pelo saber.
Porém, apesar de tudo continuo lecionando por acreditar "em algo a mais". Algo que transcende a tudo. Algo que existe no olhar daquele aluno que te respeita e se encanta com as suas palestras.
Enquanto existir luz no olhar de um "único" aluno...eu continuarei a lecionar.
Luciana de Oliveira.
Port/Literatura
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