quinta-feira, dezembro 21, 2006

A MALDIÇÃO DO BOM VELHINHO

O Natal é uma festa cristã por excelência. O sentido da data está na celebração do nascimento do homem que dividiu a história da humanidade, ou pelo menos da sociedade ocidental, em antes e depois de sua vinda. Diria que em tempos de globalização tornou-se praticamente impossível não ser afetado direta ou indiretamente pelo calendário estabelecido em função de sua chegada.

Então, no Natal, as pessoas se aproximam, as famílias se reúnem repetindo uma tradição cuja origem se perde na noite escura dos séculos. E é nessa concepção original que reside o verdadeiro espírito natalino. É um momento de festa. Os cristãos felicitam-se por lembrar que neste dia o seu maior mensageiro fez-se presente neste orbe tornando completa a Sagrada Família. Exatamente por este motivo é que as reuniões de família são tradição no Natal. Às vezes, causa única para tal reunião.

Eu, que não sou cristão mas tenho profundo respeito e admiração pela sabedoria do Cristo, participo do Natal procurando manter em mente o seu sentido original. Fico embevecido (melhor dizer embasbacado, de queixo caído) com o espanto que minha postura causa na maioria das pessoas, pra não dizer em praticamente todas. Algumas parecendo ver lá longe, muito longe, o verdadeiro sentido do Natal no que faço, ou deixo de fazer, dizem:

- "É... Eu acho que ele está certo". – mas seguem cumprindo à risca tudo o que é determinado, imposto, pelo Natal dos dias menos interessantes em que vivemos.

Acredito que existem vários vilões, princípios causais da brusca transformação que o festejo natalino sofreu. Vilões sim, pois na minha opinião, o que temos hoje é muito pior do que aquilo que deveríamos ter nesta época. Mas nenhum deles pode ser pior do que o "Bom Velhinho".

A lenda diz que ele possui em sua própria casa, na Lapônia, uma fábrica gigantesca de brinquedos onde trabalha com sua senhora, a mamãe Noel, e uma enorme quantidade de empregados. Passa com precisão cirúrgica e de forma (obviamente) onipresente à meia-noite do dia 24 para o dia 25 de dezembro (reparem, exatamente no horário em que teria nascido o Cristo) nas casas de TODAS AS CRIANCINHAS DO MUNDO deixando-lhes presentes. Para receber o embrulho, basta que o anjinho tenha se comportado bem e respeitado os pais durante o ano. E ele sempre vem, diz a lenda.

Qual é a linguagem que envolve de forma mais sedutora o imaginário infantil? Aquela que pretende valorizar a vinda de um homem que morreu há séculos com o objetivo de salvar a humanidade (o que é difícil de compreender até mesmo para adultos) ou aquela que cria a perspectiva de que, dentro de instantes, o anjinho será agraciado com o presente tão desejado durante o ano inteiro, pelas mãos do bom velhinho que nunca se deixa ver mas sempre comparece?

Desde o surgimento da lenda do Papai Noel o sentido do natal tem sua distorção potencializada. Desde a mais tenra idade somos conduzidos pelo mito a dar maior importância aos presentes natalinos do que aos valores que originaram a festa.

Para o cristianismo, Cristo é um homem bom, sábio e que estimulou a prática da caridade. E o que é o "bom velhinho?" Bom, como diz o próprio nome, sábio, e sua sabedoria é inspirada pela idade mais avançada, e caridoso, afinal, um homem que passa o ano inteiro recebendo cartas e confeccionando presentes para todas as crianças do mundo em troca de boas ações é o exemplo mais perfeito de caridade de que se tem conhecimento. Ele alegra os corações infantis.

Somando-se a isso, ele é onipresente, como o Cristo nas orações dos fiéis, e faz-se presente no Natal, também como o Cristo, inclusive no mesmo horário, como já havia mencionado.

No entanto, sua presença transformou o Natal em um comércio! Excitadas pelo mito do nosso "Porco Capitalista", crianças berram com os pais exigindo presentes. Criou-se uma exigência absurda de que as pessoas devem presentear as outras sob a justificativa de se estar realizando comunhão. Famílias se reúnem, trocam presentes e, minutos após a Ceia, onde todos se fartam com comilanças execráveis (quase sempre se esquecendo do pão e do vinho originais), as mesmas famílias se dispersam comentando, em geral, os defeitos do encontro, de determinados parentes e, especialmente do anfitrião.

Noel é o espelho do Cristo. O contrário. E o reflexo de sua presença resulta na deturpação total do Natal e constitui a causa do esquecimento, completo em muitos casos, do princípio fundamental da tradição cristã.

Queria evitar, mas não posso. Pra mim, Noel é a personificação mais perfeita que existe do temido e demonizado Anti-Cristo!

Um Abraço Solidário!!!

quarta-feira, dezembro 20, 2006

SOBRE O ENSINO DE GEOGRAFIA FÍSICA

Abancado à escrivaninha na minha casa, de onde escrevo para este blog, faço uso de algumas das maravilhas tecnológicas produzidas pela revolução da informação para falar de um tema que, em princípio, não possui a menor relação com o surgimento do meio tecnocientífico-informacional: o ensino de geografia física. Pelo menos aparentemente esta relação não existe. Como veremos mais adiante, apenas aparentemente.

Trabalhando desde 2003 com o ensino da Geografia, tenho percebido algo que vem me deixando um tanto intrigado. Ao abordar os assuntos ligados a geografia física nas turmas de ensino fundamental, fica claro que é com entusiasmo que os alunos recebem as informações que sistematizamos para passarmos a eles. Tudo parece novo, mágico, instigante e somos bombardeados com milhões de perguntas (às vezes feitas ao mesmo tempo e aos berros, diga-se de passagem) e curiosidades que perturbam as almas dos nossos pequenos anjos/demônios.

No entanto, o mesmo recorte temático encontra receptividade bem diferente se o grupo a trabalhar pertence a turmas do ensino médio. Falar em receptividade é quase um exagero, pois em geral o que há é a execração total do assunto pela maior parte dos estudantes deste segmento. Nas turmas de pré-vestibular, tenho sorte de só trabalhar este assunto nas primeiras semanas do ano, quando o ânimo e a disposição deles é grande. Se estas fossem as últimas aulas do calendário, quando o cansaço daqueles que se dedicaram é nítido, provavelmente, as turmas seriam formadas por alguns desavisados que foram pra aula sem sequer saber previamente qual era o tema da semana. Eis, então, o que me incomoda profundamente: o que será que provoca esta transformação na visão geral dos alunos sobre a geografia física?

Este eixo temático, em comparação com os outros eixos abarcados pela ciência geográfica, parece ser aquele que possui a maior quantidade de explicações mecânicas, onde a dinâmica da natureza e seus princípios físico-químicos exercem predomínio. Processos como abalos sísmicos, subducção, diastrofismo e o mecanismo de aquecimento da atmosfera exigem ao professor uma grande aproximação com as ciências da natureza.

Não tenho resposta para tal questionamento e nem possuo tal pretensão, mas minha inquietação me conduz a buscar ao menos uma teoria, seja ela absurdamente descabida ou minimamente aceitável.

Creio que os pequenos pré-adolescentes do ensino fundamental, portadores de visão ainda bastante maniqueísta, buscam ansiosamente pela verdade absoluta, pelo que é certo e pelo que é definitivamente errado. Entendem que a ciência é a única capaz de fornecer-lhes esta verdade. Quando, então, nos apropriamos da linguagem científica para explicar os fenômenos fisiográficos, o professor transforma-se numa poderosa referência e eles desandam a perguntar tudo o que lhes vêm à mente. Geralmente a pergunta começa com um "é verdade que...", e assim vai.

Já os jovens do ensino médio parecem muito mais interessados em tramas e fatos do jogo político internacional. Guerras, informações especiais sobre guerra fria e espionagem industrial soam como música para seus ouvidos. Já a mecânica da geografia física soa como um ruído irritante. Acredito, neste caso, que a busca pelo amadurecimento intelectual, a possibilidade de ter recursos para discutir questões polêmicas, possuir visão e opinião política, podem ser agentes determinantes nesta transformação.

Neste ano de 2006, o uso de ferramentas tecnológicas no ensino de geografia física abriu uma outra perspectiva em minha experiência profissional. Percebi que com a tecnologia é possível provocar nos estudantes um novo encantamento com a dinâmica da natureza. A própria geografia física evoluiu muito a partir dessas novas tecnologias e acredito que esta pode ser uma solução para enfrentar a aversão claramente manifestada pelos alunos.

No mais, gosto é algo que não se discute. E você, leitor? Gosta de Geografia Física ou não?

Um Grande abraço!

domingo, dezembro 17, 2006

MUITO ALÉM DAS CORDAS DE AÇO.

Trago neste texto inicial algumas das poucas recordações que tenho do meu velho avô José Moreira. Dele mesmo me lembro muito pouco porque o velho partiu pra Aruanda quando eu tinha entre dois e três anos de idade. Para ser muito sincero só tenho uma lembrança viva que me acompanha. Malandro e implicante, o coroa gostava de atazanar, fazer um pequeno inferno nas pobres vidinhas dos netos apenas para testar nossos limites sem perder a obediência. Na minha criação, uma reclamação mais ostensiva sobre um gesto de uma pessoa com idade mais avançada, mesmo justa e bem fundamentada, significava um insulto, uma atitude desrespeitosa e que, desde cedo, era severamente repreendida por meus pais. Ficou na minha mente a imagem do velho tentando tomar das minhas pequenas mãos uma vassoura que eu estava usando para imitar minha avó, a digníssima Sra. Océlia Porto Moreira, em seus corriqueiros afazeres domésticos. Lembro-me dela saindo da cozinha com a blusa molhada de lavar a louça e um pano de prato no ombro, reclamando: "José! Deixa o garoto brincar quieto, Zé". A dificuldade que ele tinha para alcançar seu objetivo era mínima, mas ele se esmerava no intuito de simular uma luta entre iguais com um menino de dois anos.

Não me lembro de mais nada. Tudo o que sei veio de poucas fotografias e das histórias contadas pela minha avó, no velho estilo de nossos irmãos da diáspora.

Dessas histórias, eis algumas das mais marcantes.

Meu bisavô, empreendedor nascido no final do século XIX, ralava para fazer crescer sua empresa e sonhava com um futuro onde o filho varão (meu avô) administraria os negócios e cuidaria da família. Mas o velho José era malandro. Trocou a tradicionalíssima Faculdade Nacional de Direito pelo violão e pelas rodas de samba no centro e subúrbio do Rio de Janeiro. E tocou a vida sozinho, sem ajuda do pai. Casado duas vezes, teve sete filhos que criou, como se pode imaginar, com dificuldades.

Exímio motorista, aliás, talento herdado pelo meu pai, partiu pro Táxi como meio de vida. Fazia na praça o suficiente pra encher a geladeira. Depois caía no samba. Quando a situação apertava, caía na praça. Mas sempre pensando no samba.

A Praça Tiradentes da década de 50 era seu ponto. De táxi e de samba. Lá, conheceu o grande Nelson Cavaquinho, de quem virou amigo e parceiro de boemia. Minha avó conta que por volta de 1957 ou 1958, houve um período em que o poeta da morte subia religiosamente às três da tarde de todos os domingos a ladeira onde meu avô morava em Duque de Caxias. Lá eles bebiam e meu avô fazia um violão de centro pra que o Nelson pusesse letra nas suas músicas. Nem mesmo meu pai, que é de 1956, possui lembranças desses encontros, mas mesmo assim sempre me emociono quando ouço de minha avó esta história. Vou às lágrimas quando ela, lembrando, sussurra: "Se eu for pensar muito na vida, morro cedo, amor. Meu peito é forte. Nele tenho acumulado tanta dor. As rugas fizeram residência no meu rosto. Não choro pra ninguém me ver sofrer de desgosto".

Lembro e me emociono também com algo que minha mãe me confidenciou assim que comecei a tirar as primeiras notas no violão. Meu pai, parecendo estar orgulhoso do filho músico e claramente com saudades do pai, disse a ela: "o avô dele deve estar radiante lá em cima".
Hoje, quando pego o violão e toco algo de Nelson Cavaquinho, tenho a clara sensação de que estou estabelecendo um diálogo com minhas raízes, que vai além do que a música pode transmitir. Muito além das cordas de aço.

Um grande abraço!

MOJUBÁ ELEGBARA!


Não há nada que ganhe fluidez e movimento sem que se agrade primeiro a ele.
Mojubá Elegbara!