segunda-feira, maio 03, 2010

NÓS, OS ROMÂNTICOS MISERICORDIOSOS

Ao ver o time do Santos jogar esse Campeonato Paulista de 2010, nós, os românticos, os nostálgicos, os órfãos do futebol-arte, nos animamos, sorrimos, filosofamos.

Inflamamos o espírito e derramamos impropérios contra o homem que tem (e não tem, ao menos só) o poder de decidir quem entra e quem sai de uma lista que ficará pra história. Atribuímos caráter cívico à defesa da presença de certos nomes no escrete canarinho.

Como somos misericordiósos, nós outros! Sim! Porque sabemos que a turma da pelota de hoje sofre de um mal irreversível: não são jogadores, são produtos. São mercadorias cujo valor está atrelado mais ao aparato midiático do que ao bom rendimento que têm dentro das quatro linhas.

Correndo por fora do discurso dos comunas histéricos, não acho que o futebol-arte morreu. Ele apenas se encantou. E de vez em quando vem nos visitar.

Porém a grita para a convocação de patos, gansos, calopsitas e outras espécies só acelera a pesada locomotiva da especulação que corre perene sobre os trilhos do esporte bretão. Duvido que a maioria dos Meninos da Vila jogue o Brasileirão 2010 inteiro.

E Meninos da Vila é um cartaz e tanto, hein?! Jogo fora a máscara da hipocrisia e reconheço que há ali um excelente futebol. Mas daí para a bajulação das tais espécies há um portal, ao menos para mim, intransponível.

Porque sou o maior dos pessimistas. Tenho que ser. Porque sou também um romântico. Daqueles que sofrem profundamente as dores de uma decepção.

E seu acreditar que os Meninos da Vila trouxeram o futebol-arte de volta do mundo dos encantados para cá, essa decepção não tardará.

sábado, maio 01, 2010

UMA VIAGEM À TERRA DE MEUS ANTEPASSADOS

Os mais chegados sabem que no feriadão de 21 e 23 de abril eu viajei com minha família para Minas Gerais, mais precisamente para Além Paraíba, terra onde meu avô nasceu.

Desejada há muito mas programada em cima da hora, a viagem não foi das mais confortáveis pois foi difícil encontrar boa hospedagem disponível para 4 adultos e um bebê. Sim. Daniel foi conosco, é claro.

No entanto foi extremamente emocionante.

Já tinha dito aqui que meu avô Zequinha foi o maior exemplo de integridade e caráter que eu tive na vida. Tudo o que diz respeito a ele, a sua família - que é minha família, ora! - e sua história, me interessa. Muito.

Por isso que a tal viagem era desejada há muito tempo.

Pelo menos desde meados do ano passado eu venho investigando informações sobre meu avô e seus ancestrais. O ponto de partida foi o cartório de Angustura, pequeno distrito do município mineiro de Além Paraíba.

Angustura foi, no final do século XIX, um lugar mais importante do que Além Paraíba. Ainda está de pé a casa onde Silva Jardim fez seu discurso republicano em março de 1889.

Naquela ocasião, fazendeiros defensores da monarquia armaram um atentado contra o homem dizendo a ex-escravos que Silva Jardim estava defendendo o retorno da escravidão. Foi então que cinco ex-escravos tentaram atacar o político que, dizem, desceu do palanque e foi falar pessoalmente com os homens. A força de Angustura estava, evidentemente, no café.

No cartório, encontrei a certidão de nascimento do meu avô, José Dutra de Moraes. Olhar aquele livro e ler seus dizeres foi emocionante. Diz o livro, sobre o nascimento dele, assim:

"Aos trinta dias do mês de junho, do ano de mil novecentos e dezoito, neste distrito de Angustura, município de São José do Além Paraíba, estado de Minas Gerais, compareceu em meu cartório Argemiro Dutra de Moraes e declarou que no dia vinte e oito do corrente, às vinte e duas horas, no Bom Jardim, nasceu uma criança do sexo masculino, filho legítimo dele participante e Dona Maria Luiza de Rezende, brasileiros, sendo o nome da criança José, sendo seus avós paternos Eduardo Dutra de Moraes e Dona Francelina de Souza Moraes, e sendo avós maternos José Ferreira de Rezende e Dona Joaquina Alves de Rezende, do que para constar nesse livro..."

Fotografei o livro. Não podia perder esta oportunidade. E fui conhecer a Fazenda Bom Jardim, que o livro indica como local de nascimento do meu avô. Sério, não podia haver coisa mais emocionante nessa viagem.

E encontrei bem mais do que isso. Naquele mesmo cartório encontrei a certidão de nascimento de minha bisavó, mãe do velho Zequinha; encontrei a certidão de casamento de minha bisavó com meu bisavô; encontrei a certidão de casamento dos meus tataravós - os pais de minha bisavó (avós maternos do Zequinha); encontrei certidões de nascimento de irmãos e primos de minha bisavó... enfim, muita coisa.

Descobri que tanto o lado Rezende quanto o lado Dutra de Moraes dos pais do Zequinha vêm de Santo Antônio do Aventureiro, uma bela cidadezinha a menos de 20 km de Angustura. Fomos lá.

Visitamos a Igreja e fomos muito bem recebidos pela dona Zete e o sr. Álvaro, que cuidam dos livros da Igreja. Olhamos os livros e achamos informações bem bacanas. Anotamos tudo o que foi possível. Faltou foi tempo. Aventureiro que me espere para uma viagem em breve.

Do eixo Além Paraíba-Angustura-Aventureiro partimos para Natividade, pequena cidade do Noroeste Fluminense. Foi prá lá que meu avô se mudou ainda menino e foi lá que ele conheceu minha avó, mãe de minha mãe - a avó que eu não conheci.

Isso porque minha avó, que veio pro Rio com meu avô em 1943, deixou meu avô e os dois filhos para viver com outro homem, que, segundo consta, foi o grande amor da sua vida. Com ele, ela teve mais de dez filhos e o acompanhou até a morte.

Meu tio, abandonado ainda em amamentação, nunca quis saber da mãe. Passava mal só de ouvir falar. Mamãe, que tinha menos de três anos quando viu a mãe ir embora, deixou isso para trás e manteve algum contato com a mãe. Pouco, em respeito a meu avô, que também não queria saber nem de ouvir seu nome.

Quando minha irmã, Larissa, nasceu, mamãe levou-a para que a avó conhecesse a neta. A preta-velha - minha avó era negra e mãe-de-santo - teve orgulho da "neta loura". Larissa nasceu russa fazendo jus a origem do nome.

O casamento de minha avó com meu avô foi um desafio às tradições da família dele. O sr. Eduardo Dutra de Moraes, avô de meu avô, não era só um sujeito racista. Era um escravocrata. Quem sabe um dos monarquistas que conspiraram contra o Silva Jardim.

O irmão de Eduardo, o fazendeiro de Mar de Hespanha Belchior Dutra de Moraes, era mais um escravocrata. Há registros de que um grupo de escravos de Belchior assassinou o feitor de sua fazenda em reação à violência dos castigos recebidos.

Então, o meu avô casar-se com uma mulher negra parecia ser uma afronta. Ele não ligou. Passou por cima disso e veio com ela para cá. Teve dois filhos até ser abandonando. Ela não levou os filhos pois sabia que, com um novo homem e numa sociedade onde a mulher era - e às vezes ainda é - submissa, eles correriam o risco de serem agredidos e rejeitados pelo padrasto. Risco que eles não corriam com o pai.

Há quem possa julgar sua atitude - abandonar filhos e marido para viver com outro homem - leviana. Eu não. Principalmente porque este homem foi verdadeiramente o homem a quem ela amou e quis viver até morrer. Mas dizem que ela se escondia atrás das árvores para ver minha mãe e meu tio entrando e saindo da escola.

Minha avó já morreu faz muito tempo. Incomodava-me não conhecer seu rosto. Em Natividade encontramos a casa de Tia Nair, a única irmã viva de minha avó. Com mal de Alzheimer, ela não lembrou de minha mãe, muito menos de nós, a queM ela conhecia agora. Sentamos e tomamos um café, ouvindo o barulho das águas do rio Muriaé.

Não resisti e perguntei se havia uma foto de minha avó. Havia. Uma só. E de repente um mundo inteiro de subjetividades se destrói e se reconstrói. Havia um rosto. A foto foi tirada no casamento da filha de Tia Nair. O vestido foi enviado por minha mãe. Porque mamãe soube que ela não ía à festa pois não tinha roupa. Ainda bem.


Ainda há muito pra contar sobre tudo o que nos emocionou nessa viagem. Mas sei, também, o quanto isso seria enfadonho para os que me lêem. Fico por aqui.

Abraços e até!