domingo, janeiro 27, 2008

MINEIROS MISTÉRIOS

Todo mundo sabe que o som do sotaque mineiro é daquelas coisas que fazem o Brasil ser mais Brasil. E o chão de Minas tem mistérios que brotam em meio a panelas de barro e pedra, emoldurados por igrejas monumentais, profetas, coroinhas, reizados, congadas...

Cafezais, vaquinhas, hortas, canaviais, vendinhas, butecos, alambiques, e mais, ditando o ritmo do passo cadenciado do povo. Fazendo a vez de trilha sonora, ao fundo, o sotaque mineirin vive e se mantém, passando de geração em geração.

Vai que é daí que florescem vários mistérios forjados na simplicidade do dia-a-dia, dificílimos de serem desvendados, mesmo para nativos daquele solo. Trago um deles, troço fácil de se ouvir pelas ruas de Belzonte - alô, Maíra! - pra vocês se divertirem e quebrarem a cuca tentando desvendá-lo.

"Êspensquiuônsédês"

Assim mesmo. Tudo junto - que é como se ouve isso por lá. O que será que significa isso? Responde aí! Alô, Minas! Fica quieto, sô!

Inté!

domingo, janeiro 20, 2008

SILÊNCIO DE UM BAMBA

Pois é. A vida nos surpreende todos os dias. Às vezes nos alegramos com o que ela nos trás mas, às vezes, nos entristecemos com surpresas indesejáveis como a que nos acometeu ontem, 19 de janeiro de 2008, o dia em que o velho Mizoca, meu sogro, partiu pra Aruanda deixando saudades em muita gente por aqui.

O velho, a quem assumi como um pai, um conselheiro, um capitão, foi desses sujeitos que deixam marcas profundas na memória e no caráter de muitas pessoas. Pedagogo dos melhores, cativou seus alunos por toda vida e lecionou até o último momento que a saúde permitiu o desgaste físico das aulas. Sua vocação foi tão profunda que mesmo os amigos de bar, como o Elói e o Seu Baleia, o chamavam de professor.

Serviu o exército com dignidade, sem deixar-se alienar pela ditadura, adquirindo o que há de melhor no militarismo. A organização, a disciplina e a independência como homem. Atuou na Amazônia, aprendendo dos mistérios dos caboclos daquela terra, reconhecendo o valor do saber informal, o valor da experiência humana.

Foi pai. E amou seus filhos, incondicionalmente.

Além disso, como já tinha registrado por aqui, o velho entendia mais de boemia do que o Papa de missa. Bebeu cerveja na mesma mesa com grandes bambas. Mas bebeu, também, com homens do povo, gente que ela achava na rua. Alguns de seus amigos mais fiéis eram homens sem lar, gente jogada pelos cantos do subúrbio do Rio, a quem ele abrigou em sua própria casa, alimentou, vestiu e encaminhou, empregando-os, descobrindo seus talentos.

Amou o samba e as artes. Sua casa sempre foi um templo de louvação aos deuses do samba. Violão, cavaquinho, tamborim, pandeiro, surdo, tan-tan e repique - de mão e de anel - davam o tom no seu terreiro. Apadrinhou o filho do mestre Nei Lopes, seu primo direto e grande amigo.

E as palavras que compõem a arte do compadre Nei, numa parceria com Wilson Moreira, cabem perfeitamente para a triste ocasião.


SILÊNCIO DE BAMBA

"A emoção foi geral.
Faltava pouco para o Carnaval.
No meio de toda euforia.
Nossa Escola chorava.
Obedecendo a harmonia

A batucada calava.
Instrumentos em funeral.
Enrolavam a bandeira do samba.
Era Silêncio de um Bamba.

Foi poeta e foi guerreiro.
Foi um Negro verdadeiro
Assentado em seu trono de Rei
Fez do samba a sua lei.

Agora está na eternidade
Na avenida da saudade.
Esperando a comissão do Astral.
Pro julgamento final.

A emoção foi geral."

E o Irajá chorou. Chorou doído.

sábado, janeiro 05, 2008

E MAMÃE FEZ ANIVERSÁRIO

Mamãe fez aniversário nesse último dia quatro de janeiro. Depois de um 2007 dificílimo, em que cumpriu a tarefa de entregar seu pai, no dia dos pais, ao verdadeiro Dono, 2008 chegou trazendo alegrias. Entramos juntos no novo ano e foi aqui em casa que ela passou os primeiros dias.

Na quarta-feira, dia 2, enquanto eu ia a Niterói, pra trabalhar, a Dona Maria Luiza saiu com a minha digníssima esposa pra um passeio no Centro do Rio. Aula marcada para as 3 horas, mas ninguém apareceu. Esperei até três e meia e pulei fora.

Ligo pra patroa:

- Já estou saindo. Onde vocês estão?
- Aqui no (Museu) Histórico Nacional. Vem de Barca que a gente te encontra aqui na Praça Quinze.
- Então tá.

Cinco minutos depois a patroa me liga - incrível como ela não consegue falar tudo de uma vez...

- Já tá chegando?
- Como assim? Ainda nem cheguei nas barcas...
- Eu tava pensando...
- Ahn...
- Ali na saída das barcas é meio confuso... A gente pode se encontrar em frente ao Paço Imperial?
- Não. É melhor vocês me esperarem ali no Arco do Telles.
- Tá bom. Beijo.

Apenas cinco minutos depois...
- Já tá chegando?
- Não. A barca vai sair às quatro horas. Quatro e quinze eu estou aí.
- Tá bom. Beijo.

Em menos de cinco minutos...

- Já tá chegando?
- Não! Quatro e quinze eu estou aí! Tá bom?
- É que...
- Tá bom?
- Ah, tá bom. Beijo.

Desço da Barca e caminho em direção ao ponto de encontro e dou de cara com as minhas senhoras fazendo uma fezinha no bicho, um hábito que minha mãe cultiva desde o tempo da quinta coluna...


Jogo cercado pelos sete lados, partimos. Entramos pelo arco do Telles e saimos na Ouvidor. Mamãe ficou tentada em sentar no bar do Santos mas já passava das quatro e ninguém tinha almoçado. A fome estava violenta. Ao passar em frente a Livraria Folha Seca, apontei-a pra minha mãe qualificando-a como a mais carioca de todas as livrarias, o que não é novidade pra quem conhece o lugar.

Lá de dentro, Rodrigo Ferrari, dono da livraria, fez um sinal. Entrei. Apresentei a Mamãe e a digníssima e, num papo rápido - a fome continuava violenta - o Digão, como é conhecido, recomendou um almoço no Restaurante Antigamente, bem próximo à livraria. E Fomos.

Mamãe ficou encantada. Pra mim, uma alegria. E a sensibilidade da minha patroa captou algo que gostamos muito no lugar. A presença do guerreiro, como nos bons bares e restaurantes de antigamente...

Caimos dentro, os três, do Filet à Rua do Ouvidor. Quem pode negar Arroz, Feijão, Farofa, batata frita, um belo bifão e ovo frito? Alguns chopps e refrigerantes, um papo com o pessoal da casa, que é de uma simpatia enorme, a conta e saimos. Levando um galhinho de arruda atrás da orelha, mais uma gentileza do pessoal da casa, pra depois ir dar uma olhadinha na igreja da santa cruz dos militares.


Mas foi no dia quatro que ela teve sua maior alegria. Receber os amigos em casa pra comemorar o seu aniversário. E como excelente anfitriã que sempre foi, recebeu os amigos que apareceram com um rodízio de pizza histórico.

Um sufoco pra sair o primeiro tabuleiro. Vinte e duas pessoas na sala com 18 metros quadrados, num calor que é a expressão mais fiel do verão clássico que se apresenta ao carioca nesses dias, somado ao calor do forno ligado e, mesmo assim, ninguém, rigorosamente ninguém, sequer ameaçou ir embora antes de provar (ou devorar?) as pizzas, que quando começaram a sair, vieram aos montes.

Todo mundo em cima dos tabuleiros, gente se estapeando pelo maior pedaço e teve até quem brigasse por uma rodela a mais de linguiça calabresa. A de carne seca sumiu. Foi eliminada em centésimos de segundos por selvagens famintos. E nada disso era para inesperado. A massa preparada pela minha velha é de respeito e já tem fama, não só na família, bem como internacional, sendo admirada na Sicília, na Calábria e em Puglia. Saca só!

No meio da festa, exibi o filme que eu produzi com a ajuda da patroa e da minha irmã, contando a história da vida de minha mãe. Usei fotos antigas, dela e da família, pra compor um roteiro cronológico, desde sua infância, passando pela adolescência, a juventude e a maternidade até os dias atuais. Ela ficou emocionadíssima, e eu, que trabalhei madrugada a dentro nesse projeto, fiquei ainda mais emocionado com a satisfação dela. Aqui, deixo a foto da juventude da minha digníssima mãe. De todas, a que mais gosto.

Um abraço!