segunda-feira, abril 23, 2007

23 DE ABRIL - OGUNHÊ!

Ogunhê! - Grito de Saudação a Ogum. Do yorubá ye, "está vivo", certamente correspondente ao português "Viva!".(1)

Maleme, guerreiro, pelos erros de outrora. Que sua bandeira continue me cobrindo de luz e me enchendo de axé!

Saravá Ogum Matinata!
Saravá Ogum Rompe Mato!
Saravá Ogum Beira Mar!
Saravá Ogum Naruê!
Saravá Ogum Mejê!
Saravá Ogum de Malê!
Saravá Ogum Sete Espadas!
Saravá Ogum Sete Ondas!
Saravá Ogum Yara!
Saravá Ogum Oiá!


Saravá sua banda! Saravá! Saravá!


(1)LOPES, Nei, Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.

sábado, abril 21, 2007

GETÚLIO, TIRADENTES E SÃO JORGE.

Por razões óbvias eu não vivi o tempo em que o comandante-em-chefe do Brasil era o Getúlio Vargas. Não tenho lembrança alguma. Só alguns poucos conhecimentos históricos. Minha tia-avó Euvira Porto Moreira, a tia Vivi, possui lembranças. Nascida em 1916, ela lembra da queima do café ordenada após a crise de 29; lembra do rádio anunciando a visita do Zeppelin, que passou por Recife em maio de 1930; lembra do Estado Novo.

Meu avô José Dutra de Moraes, pra mim o Zequinha, mineiro nascido no ano de 1918, em Angustura, distrito de Além-Paraíba, foi ainda bebê, pra outra região mineira, cidade de Tombos do Carangola. Atualmente, Tombos e Carangola são cidades separadas. Morando em Itaperuna aos 18 anos de idade, Zequinha deixou o Noroeste Fluminense e veio pro Distrito Federal tentar uma vida melhor. Tudo isso antes do Estado Novo.

Tia Vivi e vô Zequinha lembram de muita coisa dos tempos do Getulio. Uma das recordações é que no dia do aniversário do presidente era feriado nacional. Um gesto fascista e escroto, mas que, às vezes, dava um descanso pra rapaziada. Aliás, no último dia 19 de abril, completou-se 125 anos do nascimento de Vargas. De presente, seu busto, no bairro da Glória, aqui no Rio, apareceu com o nariz pintado de vermelho e a inscrição "Ditador", assinada pelo Barão de Itararé, um jornalista humorístico que foi preso no governo de Getúlio. O Barão morreu em 1971, com 76 anos de idade.

E é do fato de ser feriado no aniversário de sua excelência que me bate uma saudade desse tempo que não vivi. Explico. A proximidade entre 19 e 21 de abril (feriado de Tiradentes) criou uma situação inusitada. Dois feriados com um dia útil no meio. Não há dúvidas que a galera jogava o dia 20 pra escanteio. Passava batido. Enforcava o feriado. E a expressão "enforcar" vem, exatamente daí. Dizia-se na época:

- Vai enforcar Tiradentes?

Sem essa historinha a expressão "enforcar" não teria sentido algum. Pausa

Aprendi essa historinha com o Simas numa aula que demos juntos no ano passado. Vépera de prova pra UERJ rolam aulas interdisciplinares com mais de um professor em sala debatendo temas frequentes na prova. Foi numa dessas que ele me ensinou essa historia.

Sempre adorei os feriadões e por isso, só por isso, tenho saudades sim. E estava aqui imaginando... 23 de abril é São Jorge! O santo mais popular na minha cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O cavaleiro que impera absolutamente soberano nos botequins de verdade, às vezes luxuosamente acompanhado pela Senhora de Aparecida ou pelo velho barbudo que escreve ao lado do leão. Dizem que no tempo do Getúlio e até antes dele, o guerreiro tinha lugar certo nas boas casas de safadeza. Aqui no Rio, dia de São Jorge é feriado. Aliás, minha opinião, Jorge é o único dos três heróis que merece o festejo.

Estava imaginando como seria esse próximo feriado se o Vargas ainda fosse o cara por aqui. Saca só, que beleza de feriadão.

19 de abril, baita quinta-feira. Aniversário do comandante. Feriado na certa.

20 de abril, sexta-feira. Devidamente enforcada por todos! Não se quebra uma tradição sem pagar um preço alto.

21 de abril, sábado e dia de Tiradentes. Feriado. Há quem trabalhe todos os sábados ou em alguns sábados, como eu. Nesse, quase ninguém trabalharia.

22 de abril, domingo. Já é o suficiente. Um dia tradicional de descanso. Soa como bônus pra quem já está no quarto dia do feriadão.

23 de abril, a execrada segunda-feira. Quando todos estariam voltando às atividades normais, nós, cariocas, abriríamos nossas cervejas pra brindar mais um dia de folga. E ai de quem não der uma cerveja pra Ogum! Saravá, vencedor de demandas!

Imagina... Um feriadão de cinco dias... Quanto tempo não vejo isso... Deu até saudades do Getúlio...

Um Abraço Solidário!

quinta-feira, abril 19, 2007

UMA CERVEJA DE RESPEITO

Fugindo brevemente da série sobre os investimentos pelo Brasil, escrevo esse texto tomando cuidado pra não repetir o que já li por aí na blogosfera sobre o assunto que me fez mudar o rumo por hora. E o papo de hoje é sobre uma cerveja que até bem pouco tempo atrás eu nunca tinha ouvido falar. Therezópolis Gold é o nome dela. Mas vamos, primeiro, pelas beiradas, e, de pouco em pouco, chegaremos ao cerne da questão.

É fato que eu não sou um bebedor assíduo de cerveja. Prefiro a cana, maravilha desta terra, que consumo, também, com moderação. Mas a cerveja não me cai mal de jeito algum pois sou, já faz tempo, familiarizado, digamos, com o líquido.

Lembro-me da infância quando íamos, eu e minha família, pro pequeno sítio do meu tio Luiz Carlos, em Magé, Praia de Mauá. Passava os dias perdido em brincadeiras, de esconder, com brinquedos variados, e no contato com a terra. Lá, aprendi a capinar uma grama e a cortar e descascar cana pra depois mastigar e conhecer sua doçura.

Mas nem tudo eram flores. Meu pai, meu avô materno, e meu tio (muitas saudades, que ele já foi pra melhor) faziam um trio que bebia bem. Mas sabe como é essa turma, né?

- Garoto, vem cá! Traz meia dúzia de Antarctica! Mas, ó! Antarctica, hein!!!

Era essa merda cortando o barato da brincadeira de meia em meia hora.

Eu, pequenino, experimentava uma relação de amor e ódio com o botequim. O ódio era mais intenso, pois eu ia muitas vezes comprar cerveja pros caras ficarem beliscando e bebendo. O amor aparecia quando rolava um qualquer pra comprar bala e chiclete. Geralmente era só na primeira ou segunda leva que a grana pintava. Da terceira em diante, ninguém ligava pro fato de eu ficar puto por ir mais umas dez vezes ao botequim sem ganhar nada em troca. Mas isso foi só depois dos sete anos de idade. Tenho memórias mais antigas ligadas à cerveja.

O trio só bebia Antarctica. Como isso faz quase vinte anos, a cerveja não era nada parecida com a atual. Essa versão da Antarctica Original lembra mais a que eles bebiam. Como sei? Ainda com uns cinco anos, eu me lembro, depois que a turma matava uma caixa, meu velho molhava minha chupeta (que eu troquei tempos depois por um tênis do Rambo) no copo da geladíssima dele.

- Vem cá, filhão! Só o papai pode fazer isso, hein! Sozinho tu não pode não.

Depois dessa, a turma levantava e ia roncar (alto! muito alto! – diga-se de passagem), meu tio no quarto, meu pai no chão da sala e meu avô, como faz até hoje, na esteira de vime, jogado na varanda, ou em qualquer outro canto mesmo.

Como disse, bebo pouca cerveja. E quando bebo, mato a ampola rapidinho. Detesto ficar com a criança esquentando no copo. Faz uns quinze dias que eu esbarrei pela primeira vez com a Antarctica Original. Foi aqui pertinho de casa, no Bar Twistinho, pé-sujo que fica ali na rua Uruguai, entre a Maracanã e a Guaxupé, porém do outro lado da calçada. Deu saudade da infância. Na Páscoa, tomei umas com meu pai, aqui em casa.

Nessa última quarta-feira voltei ao Twistinho na intenção de recarregar os estoques de Original, aqui de casa. Compro de seis em seis. Cada lote dura, mais ou menos, uma semana. Entrei no bar, entreguei os cascos, paguei e, quando ia saindo, dei de cara com a Therezópolis Gold, cerveja sobre a qual já tinha lido no blog do SIMAS, nesse texto divertidíssimo, aqui. Quem não leu, leia! Perguntei pro camarada no balcão:

- Aquela ali é a Therezópolis Gold?

Já tinha encontrado essa cerveja na Nygri, uma Delicatessen que fica a uns cem metros do Twistinho, também aqui na rua Uruguai, tudo colado na minha rua, cujo nome homenageia, desde 1925, o município mineiro acima mencionado. Preço: R$ 4,50. Mas como não gosto de entrar em Delicatessen, lojinhas afrescalhadas ao meu ver, muito menos deixar meu dinheiro suado nelas, não comprei. E fiz bem. A cerveja no Twistinho era a Therezópolis Gold e o preço dela, gelada, é de R$ 4,40.

O cara do balcão devolveu minha pergunta com outra:

- Você já bebeu dela?

- Não – respondi sinceramente.

- Então eu te recomendo levar.

- Sério? Qual a razão?

- É muito boa, rapaz! E tem mais. Aconselho não misturar com outra. Bebe essa sozinha.

Não tive dúvida. Levei, e fui pensando: vou provar a danada.

Pra acompanhar, fiz uma lingüiça calabresa fininha com queijo provolone partido em cubos. Montei meu botequim em casa pra tomar essa cerveja.
E todos estavam cobertos pelo mais espesso manto da razão. A Therezópolis Gold é um espetáculo!

Um Abraço Solidário!

segunda-feira, abril 16, 2007

SOBRE A CARTILHA PALOCCI: UM DESABAFO

Ninguém em sã consciência pode aprovar um modelo político que protege e premia um escrete de mensaleiros, cuecas e caseiros, enfiando a poeira grossa das politicagens escrotas pra debaixo dos panos, a não ser que esteja com o bolso abarrotado de grana, no esquema do 'cala a boca' ou no esquema do 'Valério-propinoduto'.

Não. Quem rala pra ter o seu de cada dia, pagando tudo o que deve e o que não deve (olha a CPMF aí gente! Agora é pra sempre!), não pode se conformar com tanta sujeira. É verdade.

Se essas palavras deram-lhe a impressão de "já ouvi essa história", consegui o que queria. Passado o período eleitoral, esse discurso, que ecoou forte em todos os cantos do país em 2006 e que percorreu as vísceras da classe média, hoje sumiu. Esvaziou-se. Claro! É Lula-lá! De novo.

Re-eleito o Barbudo, não há mais razão para histeria. O que se pretendia (evitar a re-eleição) não tem mais volta. O esforço midiático, multiplicador do discurso da ética, ou melhor, da falta de ética do governo, não produziu os resultados esperados. Resta saber quais serão os caminhos a percorrer por essa imprensa que se esmera na arte de manipular a opinião pública.

Aliás, a imprensa já perdeu a vergonha de dizer que é formadora de opinião, e não multiplicadora da informação. As propagandas dos produtos jornalísticos já vêm com a mensagem “tenha opinião”. Como se lendo tais jornais ou revistas, formaremos nossa opinião a partir do que eles escrevem e não de nossas interpretações sobre os textos.

Mas já que nada ficou às claras com as CPIdiotas, como diria Aldyr Blanc, porque diabos o discurso da classe média não encontra mais abrigo no seio da imprensa nacional? Sim! É Lula de novo, como já disse, mas tem mais coisa por aí.

É daqui em diante, depois desse longo início de conversa, que falarei sobre o que me fez vir até aqui pra escrever. Nas próximas linhas estarei escancarando minha opinião, na forma de desabafo, sobre a cartilha do ex-ministro Antônio Palocci para a política econômica do Brasil.

Quatro anos depois de sair de uma forte crise econômica ocorrida no início do segundo governo FHC e qualificada como ‘de alto risco’ para os investidores, a economia brasileira passa a ser regida pelo maestro Palocci. Fazendo coro com Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, e com um Comitê de Política Monetária , o Copom, o ministro da fazenda põe em prática seu plano para recuperar a estabilidade e a segurança da economia brasileira.

Com uma política extremamente conservadora em curso, Palocci jogou a taxa Selic pra estratosfera, visando atração de capital especulativo. Com isso, capitalizou o país para enfrentar os reflexos das crises econômicas mundo afora e o mau humor do mercado financeiro sem causar grandes abalos na estrutura econômica do país, principalmente estabelecendo um rígido controle inflacionário.

Garantiu apoio e suporte à estatal do petróleo no contexto de alta dos preços do ouro negro após a invasão Anglo-Americana ao Iraque, fato que fez o valor do barril de petróleo saltar de 25 dólares pra 75 dólares num período de seis meses, mantendo estáveis os preços dos combustíveis a base de petróleo aqui no Brasil.

Com os elevadíssimos superávits primários, reduziu brutalmente a dívida externa, amenizando a dependência econômica do país e a suscetibilidade às crises financeiras externas. Uma opção política foi zerar a dívida com o FMI, o que deu moral à equipe econômica do maestro Palocci. O problema da dívida interna ficou pra agenda do segundo governo.

Em praticamente todos esses aspectos Palocci foi incompreendido pela classe média. A Confederação Nacional das Indústrias, que ‘tacou pedra’ na política economica durante os quatro anos do primeiro governo, compreendia o ministro, mas não admitia os juros tão altos, que desestimulam o consumo de longo prazo, e a carga tributária elevadíssima, que reduz os lucros e dificulta os novos investimentos.

Mas o caseiro, que apareceu com inexplicáveis R$ 25.000,00 em sua conta, demitiu o ministro. E o que mudou? Nada! Mantega continua seguindo a velha cartilha de Palocci, como se nada tivesse acontecido. E vejamos os resultados:

Atualmente, o que se vê é que a inflação está controlada. Não passa de 4% ao ano. O sonho de todo brasileiro que viveu com mais de 800% de inflação ao ano no governo Sarney. Naquela época os preços mudavam no mesmo dia. A dívida externa, que ainda existe e deve ser paga, já não é mais um estorvo e permite um superávit primário menor, garantindo mais recursos para serem investidos internamente.

O Risco-País, índice definido pelas agências americanas de 'rating', caiu de mais de 2000 pontos para 165, atingindo seu piso histórico nessa última semana. E a solidez da economia permite que caia ainda mais. A taxa Selic, que destrói o poder de consumo quando muito alta, caiu de 26,5% para 12,75%, o menor índice dos últimos 50 anos, e deve cair mais nessa semana. Isso significa que estamos pagando menos juros, mas ainda há um porém.

A Selic é a taxa básica de juros do país. Significa, grosso modo, o tanto de juros que o governo paga para quem compra seus papéis, os títulos de dívida pública. Se essa taxa é muito alta, significa, para o investidor que é um bom investimento comprar títulos de dívida pública daquele país. Por exemplo. Se eu empresto R$ 1.000.000,00 ao governo através de compra de títulos e a taxa básica (selic) é de 20% ao ano, em um ano o governo me devolverá o dinheiro com juros. Receberei R$ 1.200.000,00. O capital especulativo vê as taxas altas como oportunidade de reprodução em larga escala. Então, quem tem dinheiro prefere esse investimento a outras formas de investimento comum.

Pra facilitar o entendimento das conseqüências disso para o mercado consumidor. Se uma pessoa vai ao banco pedir um empréstimo, o banco só libera o dinheiro se o retorno for o mais interessante possível. Se a Selic é de 20% ao ano, o banco só empresta dinheiro às pessoas se for pra ganhar mais do que isso. Caso contrário, ele investe nos papéis públicos. Portanto, com Selic alta, os bancos cobram mais, e com Selic baixa os bancos cobram menos. No contexto atual, perceberemos uma aceleração do consumo devido à redução da taxa básica,que facilitará o acesso ao crédito.

No entanto, pra quem guarda dinheiro no banco, o efeito é o contrário. Quando depositamos nosso dinheiro em uma conta de investimento (poupança, renda fixa, DI etc.) o banco usa nossa grana pra comprar aqueles títulos do governo e ganhar dinheiro. Dos juros que ganha com nosso investimento, ele nos paga uma parte, ficando com a maior fatia para si, é claro! Pois são bancos e não jogam pra perder. Se a taxa básica for alta eles ganham muito dinheiro e nos pagam juros mais altos. Com a queda das taxas, cai também a rentabilidade dos investimentos pessoais. Ultimamente, a caderneta de poupança, que era considerada a última e mais conservadora hipótese de um pequeno investidor, já não é tão mal vista assim.

Por isso a Selic nunca vai agradar a todos. Pra quem quer comprar, os rumos atuais da taxa básica sopram como leve e agradável brisa num rosto cansado de tanto se arrastar em juros de dívidas, mas pra quem quer guardar dinheiro, o momento atual mais se assemelha à tempestade que desestabiliza a embarcação segura do planejamento financeiro pessoal de médio e longo prazo.

Por essas razões, afirmo, num desabafo, que não gostei do enredo da novela do caseiro, mas defendo veementemente a estratégia econômica arquitetada por Palocci, e mantida por Mantega, não só pela sua consistência, mas pelo fato dela não ter preocupação com os resultados de curto prazo, típicos de quem usa a economia pra fazer politicagem barata. A cartilha de Palocci foi elaborada pra, no mínimo, oito anos de governo e começa a dar os resultados mais claros agora, depois da re-eleição. Falta crescimento econômico, é claro. Mas está aí o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) pra isso. Ainda é tímido, mas tudo tem um começo.

O que espero desses próximos quatro anos é que paguemos da dívida externa só o necessário, e que se direcionem os investimentos para equipar o território, para que ele seja inserido de maneira cada vez mais competitiva no comércio mundial. Que se faça isso com infra-estrutura (portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, hidrovias); qualificação de mão-de-obra, através de investimentos pesados na área de educação; e tecnologia, incentivando a produção científica de ponta no Brasil. Assim, acredito que podemos sair do buraco em que fomos jogados nos últimos 500 anos.

Vamo que Vamo!

Um Abraço Solidário!

quarta-feira, abril 04, 2007

DIREITO DE RESPOSTA DE NEI LOPES

Na quinta-feira, dia 22 de março de 2007, o sociólogo da USP, Demétrio Magnoli publicou um artigo no Jornal O Globo no qual ele destacava a influência inglesa no processo abolicionista e no fim do tráfico de escravos. Não. Ele não destacava. Demétrio atribuiu a Thomas Clarkson e William Wilberforce o título de pioneiros do movimento abolicionista e os colocou como homens incansáveis na luta por descerrar "o véu da hipocrisia sob o qual se ocultava o horror".

Afirmando que as próprias hierarquias africanas, e apenas elas, foram as responsáveis pela escravização de negros na África, Demétrio cita um conceito de um intelectual africano, Yaw Bedwa, que faz alusão a um processo de "amnésia geral sobre escravidão". E inclui intelectuais ativos do movimento negro do Brasil, entre eles Nei Lopes e Kabenguele Munanga, como membros dessa turma de "esquecidos".

Solicitado o direito de resposta por Nei Lopes, ele teria sido atendido. Porém a declaração da Ministra Matilde Ribeiro sobre a convivência entre brancos e negros fez com que Nei perdesse o espaço no Jornal para publicar seu artigo de resposta. Então ele publicou o artigo no seu Lote, que eu leio sempre que posso.

Então, para multiplicar a resposta e, humildemente, ajudar a dar visibilidade ao texto do Mestre, transcrevo aqui, na íntegra o artigo publicado no blog de Nei Lopes.

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ABOLICIONISMO, INGLATERRA E CARIDADE
por Nei Lopes

Há muito tempo nós afro-descendentes sabíamos que no dia em que saíssemos do nosso "lugar de negro" para assumirmos o protagonismo de nossa História, sem necessidade de intérpretes ou porta-vozes, o racismo brasileiro tentaria desautorizar e desqualificar nosso esforço e nosso saber.

O dia finalmente chegou! E, hoje, com a pontualidade de um relógio, volta e meia vozes autoritárias vêm lançar a responsabilidade de nossa tragédia histórica sobre os ombros de nossos ancestrais. Como se, num extremo absurdo, culpassem os judeus pelos horrores do Holocausto.

Agora, por exemplo, ainda ecoando em nossas mentes as vibrantes comemorações pelo Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, somos surpreendidos com a publicação na página de Opinião de O Globo (22.03.07) de um artigo sobre escravidão e abolicionismo, assinado pelo Sr. Demétrio Magnoli; artigo no qual ele junta o nosso modesto nome ao dos veneráveis W.E.B. Dubois, Marcus Garvey e ao do ilustre professor Kabengele Munanga, rotulando-nos como propagadores da idéia de "vitimização dos africanos", estes, segundo ele, os únicos responsáveis pelo tráfico atlântico de escravos, pelo genocídio que se abateu sobre o continente e pelo conseqüente subdesenvolvimento que solapou a África.

A honra foi toda nossa por tão venerável e ilustre companhia, apesar da desagradável circunstância! Porque, a pretexto do bicentenário do ato que, a 25 de março de 1807, aboliu o tráfico de escravos no império britânico, o autor do texto, deixando de lado todas as implicações econômicas e políticas do referido ato, resolveu canonizar o "cristão evangélico William Wilberforce" e o escritor político Thomas Clarkson, tidos como os grandes responsáveis por esse ato de caridade. E isto quando todos sabemos que o Ato da Abolição foi assinado, entre outras razões, pelo fato de que os plantadores indianos e chineses protestavam contra o monopólio do açúcar concedido aos seus concorrentes antilhanos e forçavam a abolição da escravatura nas zonas de influência inglesa; e porque as sucessivas rebeliões de escravos levavam a instabilidade principalmente à região do Caribe. Sabendo disso, então, habilmente, o articulista trouxe também, para o foco de seus elogios, a figura afro-descendente de Toussaint L'Ouverture, líder da independência do Haiti.

No que toca à responsabilidade no tráfico, escreveu o articulista que "os europeus, como regra, não caçavam africanos, mas os adquiriam na segurança de suas fortalezas costeiras". E esse argumento é destruído segundo várias fontes. Primeiro, em História do colonialismo português em África, de Pedro Ramos de Almeida, vamos ver, nos primórdios dessa prática nefanda: homens do navegador Gil Eanes "cativando" mouros e "alarves", nômades muçulmanos, no Rio do Ouro em 1436; a chegada, cinco anos depois, a Portugal dos primeiros cativos seqüestrados no Saara; Nuno Tristão em 1442 "filhando" cerca de trinta cativos no golfo de Arguim; Diogo Cão, em 1483, apoderando-se, no Congo, de quatro africanos sob promessa de restituí-los em quinze meses.

Em Os magnatas do tráfico negreiro, de José Gonçalves Salvador lê-se que, nos séculos XVI e XVII, caçadores de escravos por excelência eram os "tangos-maus", os "lançados" e os "jagas", sendo que as duas primeiras denominações aplicavam-se a portugueses adaptados aos sertões e aos usos e costumes africanos. Segundo Robert Conrad em Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil, os "tangos-maus" ou "tangosmãos" (o Dicionário Houaiss registra "tangomão" e "tangomau") "adquiriam escravos em ataques e expedições a lugares remotos recolhendo tantas "peças" quanto possível através da fraude, violência e emboscada".

Quanto à corrupção de africanos por europeus na gênese do tráfico de escravos, voltemos a José Gonçalves Salvador: "... os representantes da Coroa e os contratadores do monopólio " - escreveu ele - "ao chegarem às respectivas áreas de atuação, providenciavam logo o envio de presentes aos conspícuos senhores [os governantes africanos], ofertando-lhes tecidos finos, objetos de adorno, algumas cartolas de vinho e até espadas, que eles muito apreciavam". E mais: "O conquistador luso no princípio se limitava a solicitar-lhes auxílios em comestíveis, mas, depois, o de recursos humanos para as guerras e por fim o pagamento de tributos". Mais ainda: "Esses chefes indígenas acabaram aderindo também aos resgates, de modo que vieram a converter-se nos principais traficantes dos ínvios sertões". Essa mesma linha de raciocínio é sustentada no livro Mãe África por Basil Davidson, segundo o qual os africanos aprenderam com os europeus a transformar gradualmente o tráfico de escravos numa impiedosa caça ao homem.

Sobre a compreensível associação, no texto ora comentado, do nome de Toussaint L'Ouverture ao dos abolicionistas ingleses, é bom lembrar que em 1807, o líder haitiano (cuja trajetória foi bastante diferente da vivenciada por outros heróis da Revolução) já havia morrido em circunstâncias suspeitas numa prisão francesa. E que a consolidação da Revolução Haitiana veio foi com Dessalines e Pétion (este, sendo inclusive um dos grandes financiadores da obra de Simon Bolívar), os dois certamente inspirados pelos espíritos africanos - nossos voduns, guedês e orixás - que, segundo O. Mennesson Rigaud, em Le rôle du vaudou dans l'indépendance d'Haiti ( Présence africaine, fev-maio, 1958, págs. 43-67) manifestaram-se em Bois Caïman, na noite de 14 de agosto de 1791, no grande ritual religioso e guerreiro, conduzido por Dutty Boukman, que deflagrou a luta armada, vitoriosa em 1º de janeiro de 1804.

Que nos desculpem Wilberforce, Clarkson e o Sr. Demétrio Magnoli... mas a data a ser comemorada é outra!

PS: O presente artigo estava na pauta para publicação em O Globo, em atenção ao princípio do "direito de resposta", quando a polêmica envolvendo a ministra Matilde Ribeiro tirou sua atualidade e oportunidade. Mas ele é postado aqui, ad perpetuam rei memoriam, como dizem os juristas

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Eu, Diego, transcrevo agora o meu comentário lá no Lote para o Nei:

"Bela resposta, Nei.

O artigo do Demétrio é um enlatado feito pra bobo engolir seco. Se você não raciocinar, acaba acreditando no que ele escreve, pois ele tenta, o tempo todo, mostrar que é grande conhecedor do assunto. Enrola o leitor que acaba sendo manipulado pelas informações que ele vomita no texto.

Todo mundo que leu o artigo dele tinha o direito de ler essa sua resposta. Uma pena não ter sido publicado no jornal... Mas valeu ler isso por aqui.

Um abraço!"

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E agora, a resposta do Nei ao meu comentário:

"Diego, se quiser, pode baixar e divulgar entre o seu pessoal. É um favor que vc faz ao Lote. Vc e todos os nossos visitantes.
Abraços!!!"

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Então, está aí, mestre. Minha parte feita.
Parabéns pela bela luta na resistência pela dignidade dos afro-brasileiros, do samba e da cultura popular.
Um abraço!