Minha mulher adora crianças. Adora, não. Ela é louca por qualquer ser humano com menos de 12 anos de idade. Quanto menor a idade, maior a sua loucura. Fizemos recentemente dois anos de casados e comemoramos o fato em família. E completar dois anos de casamento, pra maioria das pessoas, significa que está mais do que na hora de virem os filhos. No plural.
- Um só é muito sem graça! - ouço ao tentar argumentar o contrário.
Raros são aqueles que acham que ainda está cedo. Mas, pior ainda, é que há aqueles que acham que já está tarde. Lembro-me perfeitamente do dia em que, poucas semanas depois do casamento, a vovó Eva reclamava veementemente para que todos se mobilizassem a fim de que Lucimar não pegasse nenhum tipo de peso. Carolina, nossa prima-irmã, levou vários esporros da vovó até que a velhinha entendesse que a Lucimar não engravidou imediatamente após o casamento.
Preocupada com tal lentidão (como assim, vovó? Pô!), ela chamou minha esposa e, com expressão grave, indagou:
- Minha filha, vocês não vão ter filhos?
- Vamos, vó! Mas não agora...
Lucimar respondia fazendo intensa articulação labial para que a vovó entendesse, já que ela era completamente surda e enxergava mal. Ela fazia uma precária leitura labial. Só não entendo porque é que minha mulher falava tão alto, muito alto, irritantemente alto, mesmo sabendo que a velhinha não escutava xongas.
Desde então vovó Eva passou a dizer pra minha mulher que nós deveríamos ter ao menos cinco crianças. Muito pouco, quase nada, na sua concepção de quem foi mãe de dez filhos, cinco homens e cinco mulheres, dentre as quais surge minha sogra, a querida dona Teresinha, que no início do ano passado, recebeu ao lado do Pai, o Sr. Armando, a nossa vovó Eva, no Reino de Aruanda.
Só de pensar em cinco crianças correndo pela minha casa eu tenho náuseas. Passo mal como um rubro-negro ao ver o Flamengo perdendo de 4X0 para o Vasco, faltando 25 minutos pra terminar o primeiro tempo. A pressão sobe, os olhos incham, baixo hospital com pane generalizada. Com saudades da avó e sentindo falta de crianças, dia desses a patroa quase me mata com essa:
- Ai! A gente devia ter uns cinco filhos, no mínimo!
Mas, antes que eu definitivamente “vá oló”, desencarne, passe dessa pra melhor ou pior, vamos ao objetivo desse texto.
Quero dizer a todos que nunca eu me senti tão isolado, tão sozinho, quanto me sinto quando alguém da família puxa esse papo de ter filhos. Mas ontem, na celebração dos vinte e oito anos da minha irmã, sentado numa mesa com meu pai, meu querido primo Zé Luiz e sua pândega namorada, a Ingrid, fui confortado com as palavras dos dois que já foram pais.
Comentei sobre o meu novo projeto com eles. A idéia é a seguinte: quero sair às ruas e navegar na internet pesquisando os preços de tudo, definitivamente tudo o que pode ser gasto com uma criança desde o momento que se descobre a gravidez até um ano de vida. Desde a chupeta até a montagem do quarto infantil. Tudo o que eu conseguir lembrar.
Impossível? Não! Não é! Mas não deixa de ser uma tarefa complicada. Se o plano evoluir bem e conseguirmos prever esses custos, talvez até façamos uma poupança forçada. Do tipo:
- Ih! Engravidamos! E agora?
É importante estar preparado pra esse momento. Pelo menos pra mim é fundamental. E isso é o que interessa já que eu vou me dar esse trabalho.
Depois de explicar tudinho, ouvi do Zé e do meu pai frases que aludiam a impossibilidade da concretização desse plano. Mas meu pai, o maior filósofo que já conheci, de fazer inveja a todas as escolas filosóficas, de Aristóteles a Foucault, aproveitando o ensejo, logo exibe sua sabedoria:
- Filho é uma foda!
Notem, meus amigos! Notem a profundidade dessas palavras. Não preciso explicar todos os sentidos desta oração. E depois de soltar esse verbo, meu velho desatou a falar dos problemas que eu e minha irmã demos pra ele e minha mãe, na infância. Lembrou de nossa pediatra, da consulta de 3.500 cruzeiros que ele teve que pagar a um outro pediatra antes de encontrarmos a nossa, quando ele ganhava exatos 3.500 cruzeiros, e de várias outras coisas que a batida de limão e a feijoada lombeira que traçamos já não me permitiram guardar na memória.
Um dos poucos que ousa me defender nesse papo de filhos é o meu cunhado Luis Henrique, sujeito por quem tenho um amor de irmão. Também pudera! Depois de passar anos me aturando a dormir no chão do seu quarto, roncando e peidando em profusão, devo muitas cervejas pra esse cara. E é impressionante como esse amor de irmão é movido por uma grosseria, uma falta de urbanidade comovente.
Quarta-feira passada, jogo do Fluminense no maracanã, toca o celular de minha senhora. É ele, o Luis Henrique. Ele desliga, como quem pede pra gente ligar de volta. Eu ligo do celular. Ele atende:
- Oi, meu amor – achando que é a irmã.
- Coé, mané! – até hoje não ficou claro porque nos tratamos assim, mas, possivelmente porque malandro fica puto quando chamado de mané. nos ofendemos desde o contato inicial.
- Coé, mané! – ele responde.
- Teu time tá uma merda, hein? – Ele do Maraca via o Fluminense empatar com o Figueirense.
- Ah, Diego! Vai tomá nesse cu!
- Tomá no cu é o caralho, teu time é uma merda. Tomá no cu!
- Seu merda, quarta-feira vou fazer um churrasco lá em casa e tu não vai. Vou mandar o porteiro te barrar! Tomá no cu...
- É mermo? Tu é mó filhadaputa! Então vai tomá no cu!
- Tomá no cu!
Desliga-se o telefone. Troço comovente esse amor de irmão. Hoje recebi o convite pra ir no churrasco. Urubu come carne crua, mas eu gosto também dela assada na brasa, com cerveja gelada, muita batucada e cachaça de litro. Isso eu não perco. Tô dentro dessa kizomba! Chegarei cedo para ajudar nos preparativos.
Os filhos? Vão ficando pra depois... Oxalá é quem manda!
Um abraço solidário!