Há certos jovens que não se encaixam perfeitamente nos rígidos padrões de beleza impostos pela sociedade. E há aqueles cuja forma física e os traços faciais reproduzem com certa fidelidade esses mesmos padrões. Na adolescência, a efervescência hormonal leva os jovens a modificações estéticas rápidas e profundas que mexem com a auto-estima, e a sexualidade do sujeito entra em cena. Sem pretensões freudianas, vamos ao papo que interessa.
Eu sou um sujeito precoce. Encontrei o amor da minha vida aos 18 anos, casei-me aos 22 e, agora com 25, há quem diga que estou demorando muito pra ser pai. Mas a introdução sobre adolescência foi proposital pois quero contar certas coisas que vivi entre os 12 e os 14 anos.
Estava na sexta série, turma da manhã da Escola Pio XII, em Vila Kosmos, em 94. Eu e os garotos, dentre eles os meus irmãos Daniel Simões, Daniel Meirelles e Rafael "Perninha", além de outros grandes amigos como o Rubens, o Vitor, o Carlos "Bojon", decidimos instituir naquele ano uma eleição semestral da Garota Mais Bonita da Sala. A vencedora do primeiro semestre foi imbatível. A Soraya, além de ser um espetáculo - lindíssima da cabeça aos pés - era nova na turma. E os abrutres adoram carne fresca.
Todo mundo chegou junto, numa pressão do cacete. E todo mundo se fudeu. A Soraya deu, gloriosamente, sucessivos "tocos" em cada um dos marmanjos que ousaram galantea-la. O que serviu, apenas, pra deixar a galera subindo pelas paredes, loucos pra desvendar os mistérios que se ocultavam por trás daqueles olhos cintilantes e o sabor daqueles lábios deliciosamente carnudos. Deu merda. O clima ficou tenso. Se a garotada não tivesse coração de doze anos, neguinho baixava hospital com infarte. Caminho de ida, sem volta.
As mentes inquietas começaram a armar festinhas pra reunir os garotos e, é claro, as garotas, razão fundamental de tais eventos. Estilo Hi-Fi. Rapaziada levando refrigerante e as garotas levando uma comida. Chovia biscoito salgado. Presuntinho e Skyni eram os campeões. Tia Beth, mãe do Meirelles, tem conceito altíssimo com a galera até hoje pois algumas vezes cedeu o espaço da garagem para a nossa bazófia.
Com a festa armada, o que se presenciava era a arte da guerra. Todo mundo atirando pra tudo que é lado. E tinha atirador de toda espécie. Tinha quem só dava tiro pro alto - assustava todo mundo e não acertava ninguém. Tinha quem só dava tiro no pé - tipo joselito que erra feio e passa vergonha. Mas tinha Sniper, atirador de elite - aquele que só dava tiro certeiro. Para espanto e euforia dos caras, tinha sniper dos dois lados. Durante as festas as garotas se soltaram e começaram a atirar com precisão. Não ia prestar.
Confesso, com vaidade extrema, que eu estava na lista dos atiradores de elite. Meu primeiro tiro certeiro valeu-me a primeira namorada - coisa que homem de caráter não esquece nunca. Foi um tiro duplo pois eu também fui alvejado, por um tiro que teve mais precisão que o meu. No final daquele ano de 94, depois de um mês namorando a Alice - morena de uma beleza sufocante e olhos de cor indizível - ela me chamou num canto e disse:
- Você sabe que eu só quero a sua amizade, não é?
Impossível guardar mágoa de Alice. Registre-se: Alice venceu a votação do segundo semestre daquele ano e eu estava com ela. Trocando em miúdos. Eu era o Cara aos 12 anos e minha história precoce apenas começava a ser escrita.
Depois de férias agitadas, voltamos pra sétima série em 1995. E não demorou pra galera começara a atirar. Eu mirei uma vez só e acertei a Aline Maia. E fui acertado por ela também, precisamente. A Aline era mais velha que a média da galera, que tinha de 12 pra 13 anos. Ela, no início daquele ano, estava prestes a completar 15, com direito a festa no Play com clip filmado no Jardim Botânico e o escambau. E quem foi pra festa de namorado da debutante? Eu, o cara, ainda com doze anos, cada vez mais vaidoso.
Minha vaidade, reconheço, era tanta que tirei onda de mais novo podendo tranquilamente passar por mais velho. O namorado de uma prima dela - acho que se chamava Franklin - me perguntou quantos anos tinha. Devolvi a pergunta pra saber quantos anos ele achava que eu tinha. Senti-me um deus quando ele respondeu:
- Dezessete!
Retruquei, sem esconder o sorriso orgulhoso, quase cínico:
- Não, eu tenho doze. Dá pra acreditar?
E a Aline era - meus respeitos a dona Júlia, seu Flávio, ao seu irmão Pedro Henrique e ao Marquito, que é meu camarada e atual namorado dela - uma gostosa. Fazia o estilo "Sou boazuda e sei disso". De parar o trânsito e causar acidentes graves. Só tinha um defeito. Era botafoguense e apaixonada pelo Túlio Maravilha. O namoro vingou quase um ano até o primo de uma vizinha - que era os cornos do Túlio - pintar na área durante as férias do fim do ano e botar sal na minha batida de limão. Perdi. Mas a Aline ganhou as duas eleições daquele ano de 95 enquanto era minha namorada. Eu, aos treze, virava uma lenda.
Larguei mão de ser besta e decidi que ia galinhar na oitava série. Dito e feito. O Baile de domingo do Mello Tênis Clube não foi mais o mesmo. E foi mais fácil do que eu achei que seria. Ficou até chato. Chegou ao ponto de, certa vez, eu ter que sair mais cedo de uma festa na casa do Adílio, que morava na Meriti, quase em frente à 27 DP, por que eu fiquei com uma garota e uma outra - que foi, digamos, preterida - encheu a caveira de cerveja e ameaçou armar um barraco.
Depois dessa fase eu daria um bom tempo quieto e fiquei no zero a zero durante todo o primeiro ano do ensino médio. Meus novos amigos estavam convictos de que eu era viado, convicção que se desfez quando no ano seguinte eu passei a namorar uma menina da minha turma.
Mas o episódio mais marcante daquela oitava série ocorreu depois da festa junina do colégio. A quadrilha foi feita ao avesso, os garotos de mulher e as garotas de homens. O Fernando Stróligo, hoje um respeitável oficial da Aeronautica, ficou pateticamente cômico vestido de noiva, porém não menos que eu, um troglodita, usando um vestido da irmã do Adalberto - o único que coube em mim. Mais esdrúxulo que isso foi a professora de inglês, a Rosemeri, passando batom nos garotos. Histórico.
Quase no final da festa, ainda vestido de mulher, eu estava sentado na arquibancada de frente pra quadra comendo um cachorro-quente quando vi chegar bem perto de mim uma garota - não me lembro do nome de jeito nenhum e ainda que lembrasse, não diria - me devorando com os olhos. Ela não era, nem de longe, daquelas que faziam o meu feitio mas, já senhora de seus dezesseis anos, parecia disposta a me oferecer muito mais do que as meninas de 14 anos, pra ela, umas pirralhas.
Armei o peitoral, arregaçei as mangas imaginárias da camisa - eu sempre fazia isso mas estava de vestido! - e cego pelo esteriótipo negativo da menina, mandei com cara de poucos amigos:
- E aí, tranquilo?
Senhora de si e sem perder a pose de mulher feita ela me disse:
- Vim saber qual é a parada.
- Que parada? - perguntei com cara de indignado.
- A parada. Eu tu e nós dois? - ela respondeu direta como um raio, sem se abalar.
Achei a tirada péssima. De quinta categoria. Mas tive de reconhecer que era ousada e corajosa. Procurei dar linha pro papo pra ver até onde ia.
- Como é que é essa parada, eu, tu e nós dois? Me dá uma idéia...
- A parada é do jeito que você quiser - ela disse com o sorriso leviano no canto da boca.
Fiquei empolgado e tenso. Arrisquei uma sacanagem pesada achando que podia me livrar daquela situação mas sentindo que podia evoluir pra um caminho sem volta. Disse:
- Olha, eu "tô" com um pouco de pressa e dizem que apressado come cu - enfatizei o trocadilho pronunciando-o nitidamente.
Embora tenha soado horripilante, o trocadilho foi respondido assim:
- Tudo bem. Eu também não tenho tempo a perder.
E antes que eu pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, ela deu de costas, fez que ia sair e voltou-se novamente pra mim. Fitou o meu cachorro-quente e, com um risinho safado entre os dentes, fez o seu trocadilho:
- Quer que te chupe?
Chegei em casa mais tarde do que esperava. Mais detalhes não contarei jamais! Ah, se a santinha da rua Aiera falasse o que viu por ali naquela noite...