terça-feira, dezembro 29, 2009

PANORAMA DA QUESTÃO RACIAL EM 2009 E FELIZ 2010

A questão racial no Brasil sempre me apaixonou. E esse 2009 foi farto em textos combativos sobre o tema. As principais publicações envolveram Demétrio Magnoli, Kabenguele Munanga e Muniz Sodré. Três doutores das Ciências Humanas.

O embate do ano começou em 14 de maio, na semana dos festejos da abolição, quando Magnoli escreveu um artigo em que qualifica o professor Kabenguelê Munanga como charlatão. Leia o artigo aqui.

A resposta demorou quase dois meses, mas não faltou. O jornalista Luis Nassif, que se refere a Magnoli como "esse horror", publicou em seu blog o texto de resposta do professor Munanga. Leia a resposta aqui.

Magnoli tem acesso fácil à grande imprensa. É articulista de O Globo e do Estadão. O prof. Munanga não deve ter 1% da visibilidade do seu acusador nos grandes jornais do país. Claro. Magnoli é contra as políticas raciais que o governo pretende implantar. Munanga é a favor.

Magnoli joga no time da grande imprensa e, por isso, ganha os holofotes. Cabe não esquecer que o manda-chuva do jornalismo das organizações Globo é o senhor Ali Kamel, outro crítico engajado, com livros e artigos publicados contra as políticas raciais.

A imprensa é parcial e dá mais voz aos críticos do que aos defensores daspolíticas raciais. É com base nisso que o professor Muniz Sodré escreveu um artigo cujo título nos inquire se é necessária uma nova abolição. Leia o artigo aqui.

Magnoli não perdeu tempo e partiu para o ataque. Mão de ferro, rude, irônico e nem um pouco polido. Magnoli é um Troll. Atribuiu intenções stalinistas a Sodré. Leia esse ataque aqui.

Muniz, elegante, não respondeu. A resposta veio através das jornalistas Milena Almeida e Angélica Basthi, que defenderam a argumentação de Muniz Sodré. O texto delas pode ser lido aqui.

Magnoli, mais uma vez, não perdeu tempo. Respondeu rápido mas com poucos argumentos. Sustentou sua crítica no ataque às construções frasais do texto das jornalistas, o que, aliás, é prática comum de Magnoli. Esse texto pode ser lido aqui.

Agora, nesse dia 29 de dezembro, entrou em cena o senhor José Roberto Militão, que também é contra as políticas raciais. Muito diferente de Magnoli, escreveu texto elegante na sua defesa. Coisa prazerosa de ler - embora eu discorde obliquamente de seus argumentos respeitáveis, por razões que eu expliquei na página de comentários ao texto dele e espero que sejam expostos já que ainda dependem de moderação enquanto escrevo este arrazoado. Esse texto você pode ler aqui.

------------------------------------------------------------

Com esse texto, que inclui outros 7 - os links - o GS se despede de 2009 desejando a todos os leitores um 2010 excelente!

quinta-feira, dezembro 17, 2009

E A FARRA ESPECULATIVA VERTERÁ SOBRE O MARACA

Assisti, agora a pouco, indignado, à notícia dada por William Bonner, no Jornal Nacional da Rede Globo, sobre o projeto para a reforma do Maracanã. O tal projeto é diferente daquele que eu tinha apontado aqui, em 2007, mas não é menos absurdo.

Eis, queridos leitores, que a canalha gananciosa vai reformar o Maraca pelo custo de "quase meio bilhão de reais" - as aspas são para as palavras ditas pelo Bonner no jornal.

Meio bilhão de reais!!

Para quem não se lembra, o projeto de construção do Engenhão foi orçado em 6o milhões de reais. Como a farra foi grande, a obra entrou em caráter de urgência, as licitações foram deixadas de lado e o custo atingiu os absurdos 380 milhões de reais.

Agora se fala em "quase meio bilhão de reais" para reformar o Maraca! Tenho a impressão que esse dinheiro seria suficiente para construir pelo menos um novo estádio e ainda fazer os ajustes que o Maior do Mundo eventualmente precise.

Como se não bastasse a farra com a grana, a tal reforma vai reduzir - de novo - a capacidade do estádio, dessa vez de 87 mil para 83 mil torcedores. E eu pergunto: pra quê?

Isso só pode ser mais uma parte do processo de higienização dos estádios, do futebol brasileiro, que encontram entre seus maiores arautos a FIFA, a CBF e o Galvão Bueno, além das torcidas e suas musiquinhas extremamente melódicas e seus mosaicos afrescalhados.

Pra mim, canto de torcida se faz com uma nota só ou, no máximo, com uma terça menor. Do tipo: MEEEEN - GO!; VAAAA - SCO!; NEEEEN - SE!; ou FOOOO - GO! Mas o negócio agora é Mamonas Assassinas, Tema da Vitória e outros salamaleques e quejandos.

Já me perdi no texto mas o que eu queria mesmo dizer é que acho um absurdo o que se fará e o quanto se gastará com a reforma planejada para o Maior do Mundo. Um absurdo! Canalha gananciosa!

TRÊS ANOS

É isso. São três anos online, com 230 postagens, incluindo esta, falando de tudo um pouco e tentando valorizar o Subúrbio e os suburbanos. Algumas histórias, boas crônicas, outras nem tanto... E assim vamos, continuando a vida e a luta.

Até a próxima!

sexta-feira, dezembro 04, 2009

O NATAL E O BOM VELHINHO: DE NOVO

Caríssimos, a infância é um tema em alta aqui em casa. Chegado este mês de dezembro, revivo um dos meus pesadelos mais antigos: o Papai Noel.

Fato: detesto, de forma absoluta, categórica, inabalável, inapelável - e outros sinônimos cabíveis - o Papai Noel.

Não consigo desvanecer a ideia gravada em mim de que esta figura horripilante materializa da forma mais vil o anti-Cristo.

E essa repulsa por ele não é fruto apenas de uma reflexão sobre o simbolismo do Natal enquanto festa cristã por excelência e sua deturpação que encontra orígem também na figura do velho da Lapônia.

A verdade é que entre as verdades mais incontestáveis, mais autênticas e mais indubitáveis de minha vida figura o fato de que eu sempre detestei de forma absoluta, categórica, inabalável, inapelável - e outros sinônimos cabíveis - o Papai Noel.

A foto que aparece a seguir registra uma tentativa - frustrada - de mamãe em me fazer sorrir para uma fotografia com o Papai Noel.


Ela sorri um sorriso imenso na foto - ela que sempre se emocionou, de chorar um rio,e um mar, com a chegada de Papai Noel. Eu me inclino contra ele em clara expressão corporal de incômodo por estar no colo de alguém vestido daquela forma patética.

Sobre essa história de anti-Cristo e a transmutação do Natal em comércio, já falei mais aqui, há quase três anos, num dos primeiros textos desse blog.

Abraços e até!

sexta-feira, novembro 27, 2009

DIÁLOGO

Cada vez mais importante: escutar mais e falar menos.


[Clique na imagem para ampliar]

segunda-feira, novembro 23, 2009

VIDAS QUE VÊM E QUE VÃO

Os dados que trago hoje me parecem interessantíssimos e relevantes. E quando eu digo que me parecem interessantissimos, não quero fazer crer através de sutileza alguma que eles possam parecer interessantíssimos para vocês também. Eles me parecem interessantes e só.

O fato é que hoje fui ao cartório, na oitava circunscrição do registro civil e tabelionato, que fica aqui na Tijuca, na Praça Saens Peña. Cheguei por volta das 16:30 e, quando entrei, o rapaz que me atenderia perguntou de imediato:

- Você vai registrar nascimento ou óbito?

- Nascimento - respondi. E ele devolveu:

- Graças a Deus!

Não resisti e perguntei:

- Porque isso? Muitos óbitos hoje?

- Mais de trinta! - e começou a contar na tela do computador. Confirmou o número para a colega do lado, que estava curiosa:

- Andreia, até agora foram 31.

E a moça devolveu;

- E os nascimentos? Chegaram a 20?

O rapaz danou de contar os nascimentos registrados até então. Enquanto eles se divertiam com esta situação cotidiana, eu aguardava para ser atendido. E o rapaz confirmou:

- Quinze! Com o dele - e apontou pra mim - são 16!

Teria razão para ficar incomodado com a perda de tempo provocada pela diversão dos atendentes do cartório mas eu não estava com pressa e sou professor de geografia, ou seja, lido frequentemente com taxas de natalidade e mortalidade, coisa que me interessa.

Na fila, antes de entrar para o meu atendimento, conversava com as pessoas e pude saber que entre elas havia mais um registro de nascimento e três de óbito para serem feitos. Saldo: 17 nascimentos e 34 óbitos.

É óbvio que essa não é a realidade brasileira. Nós não temos todos os dias um número de mortes 100% maior que o de nascimentos. Trata-se de uma realidade que marca um dia - que pareceu excepcional até para quem faz isso todos os dias - e que se apresenta em uma região da cidade - a Tijuca e seus arredores.

Para explicar a situação, muitos fatores podem ser verdadeiros, porém todos, para mim, hipotéticos. A Tijuca é um bairro com notável presença de idosos. E eles, naturalmente, estão mais propensos à morte. Especialmente em dias de calor como esses das últimas semanas. Creio, mesmo, que estes dois fatores associados formam a principal causa para o que vi hoje, em números.

Números que me fizeram, por instantes, refletir sobre a vida, sobre a finitude da existência, sobre a relevância do que fazemos, do que construímos, do que valorizamos, das nossas escolhas, dos nossos pequenos projetos, dos nossos grandes projetos, enfim: do que fazemos com o tempo que temos.

Tenho pequenos projetos, grandes projetos e uma prioridade absoluta para os próximos meses: a família. Por isso, o tempo que dedicarei a estar na internet escrevendo em meus blogs, comentando nos blogs dos amigos, participando ativamente das redes sociais e de informação será limitado.

Aqui no Geografias Suburbanas, estarei de vez em quando, falando qualquer coisa que me interesse. A porta continua aberta e vocês podem entrar. Só não façam muito barulho que tem criança dormindo.

Abraços e até!

segunda-feira, outubro 12, 2009

MAMÃE NA COZINHA

Já escrevi algumas vezes aqui - quem me acompanha sabe - sobre os guisados de mamãe. Vira e mexe ela está por aqui e faz uns troços de se comer em prece. Nesse fim de semana ela nos presenteou com uma isca de fígado e uma moela. Os pratos me levaram ao delírio, como sempre e desde a infância. Saca só!



Até!

sexta-feira, outubro 02, 2009

PORQUE LULA CHORA PELA VITÓRIA DO RIO?

Tenho que confessar, queridos leitores, que não torci contra e nem a favor da realização dos jogos olímpicos na minha mui leal e sedutora cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Não torci contra pela razão simples de que tenho mais o que fazer. Mas não torci a favor pois os Jogos Pan-americanos de 2007 tiveram a capacidade de destruir todas as esperanças de que eventos como esse deixariam grandes legados reais para o meu Rio de Janeiro.

A Vila do Pan é um horror. Esteticamente lamentável, perigosa e cheia de problemas estruturais, serviu também como mais um fenômeno especulativo no espaço urbano da cidade.

O Engenhão é um estádio quase inútil. Serve à torcida do Botafogo para jogos com times pequenos no campeonato carioca, com times de outros estados no campeonato brasileiro e com times de fora nas competições internacionais. As grandes torcidas não cabem no estádio que não comporta nem 50 mil torcedores. Detalhe: custou mais caro que o espetacular Ninho do Pássaro, de Pequim, que comporta mais de 90 mil pessoas.

Fora outras obras de espaços que ficaram totalmente abandonados como o caríssimo velódromo, que depois do Pan nunca mais viu ninguém andar nem de Caloi Ceci; ou o Parque Aquático Maria Lenk, que recebeu uma ou duas competições depois dos jogos de 2007 e vira e mexe cria uns mosquitos da dengue.

A maioria das obras entrou em caráter de urgência, o que permitiu a escolha de empreiteiras sem licitação. Foi uma festa. O "bom administrador" que governou a cidade, aquele que queria um Guggenheim e não terminou o elefante branco conhecido por Cidade da Música, só fez reclamar do Governo Federal que, através do ministério dos esportes, injetou somas vultuosas de verbas para a conclusão das obras. E o dinheiro foi pelo ralo.

Na hora da festa, a classe média carioca, que pagou caríssimo pelos ingressos - haja especulação! - para estar no Maior do Mundo na cerimônia de abertura dos jogos, aplaudiu o "Maluquinho, mas bom administrador" e vaiou o "pobre, nordestino e analfabeto" que verdadeiramente bancou a festa.


Não tenho a menor dúvida de que os empreiteiros começarão a gastar hoje a fortuna que ganharão nos próximos sete anos. Eles estão felicíssimos. Os homens da prefeitura da cidade, que coordenarão a execução das obras, certamente serão bem lembrados, presenteados e homenageados pelos empreiteiros que vencerão - com que critérios, meu Deus? - as licitações das obras.

Eduardo Paes chora de alegria pois terá pelo menos os próximos três anos para, se quiser, participar da farra-do-boi. Quem sabe, se reeleito, ele não fica até 2016 curtindo as vacas gordas? Cabral chora também pois sabe que é bem provável que tenha cinco anos pra participar dessa festa também.

Só não entendo uma coisa: porque Lula chora pela vitória do Rio?

Ele não ganhará nada com isso. Daqui a menos de 14 meses, Lula entregará a faixa presidencial para seu sucessor. Democrata convicto, não quer se perpetuar no poder. É, na história brasileira, maior do que o Nonô. Ficasse mais tempo, como Gegê, seria maior que o gaúcho de São Borja também.

Mesmo sem a certeza da vitória, já investia na infraestrutura da cidade e em áreas carentes através do PAC. Não terá oportunidade alguma de participar da farra dos recursos. Ao contrário, talvez financie, no ano que vem, boa parte das obras essenciais, como já vem fazendo há tempos.

Então, porque Lula chora pela vitória do Rio?


Lula chora porque ama o Brasil. Chora porque quer o melhor para o povo do Rio de Janeiro sem guardar uma sombra de rancor da classe média estúpida, que o vaiou diante do mundo no Maracanã.

Lula chora porque sabe a bazófia que farão com os recursos destinados para melhorar a cidade para receber os jogos olímpicos de 2016.

Lula chora porque crê que morreria feliz no dia de hoje pelo fato do Brasil, através da vitória do Rio, ter conquistado a sua "cidadania absoluta", segundo ele mesmo disse depois do anúncio da vitória.

Lula chora porque é um emotivo, como os caboclos matutos mais humildes dos rincões desse Brasil. É um emotivo, como eu também sou, que choro ao lado dele nessa tarde banhada com as bênçãos dos deuses do Olimpo.

quinta-feira, outubro 01, 2009

ENEM E PRECONCEITO

Ouvi hoje pela manhã, de um rapaz que não é e nunca foi meu aluno, que o ENEM só foi cancelado "por que isso aqui é Brasil". Dizia o jovem, irritadíssimo com a mudança inconveniente e inesperada:

- Só aqui essas coisas acontecem! Nem na África isso aconteceria! Nem na África! Só no Brasil!

O caso é sério. As provas foram adiadas para data desconhecida até agora pois algumas questões "vazaram". Segundo esta matéria de O Globo online, "o jornal O Estado de São Paulo foi procurado por dois homens que ofereceram cópias de parte do exame em troca de R$500 mil". O jornal entregou as cópias ao MEC que confirmou o vazamento. Há indícios de que a prova vazou na gráfica que imprimiria as provas que seriam aplicadas nesse fim de semana, nos dias 3 e 4 de outubro.

Ou seja, trata-se de mais um caso de corrupção. Volto, então, ao raciocínio do rapaz. Será a corrupção uma exclusividade brasileira? Poucos escândalos internacionais de corrupção nos parecem mais interessantes do que os nossos já que nós vivemos na sociedade brasileira, mas isso não faz da corrupção algo só nosso.

E porque a comparação com a África? O continente ancestral não escapa da corrupção, é verdade. E lá há até muita corrupção. Mas o tão bajulado velho continente, a Europa, berço da "civilização", também está afundado na lama podre da ganância - vide Itália - que leva vários corruptos aos ilícitos em busca de favorecimentos pessoais. E se nós tivemos um "mensalão", os norteamericanos amargaram o Watergate. É assim no mundo todo.

Mas, não. Insiste-se em agredir o Brasil e a África, como se todos os problemas fossem só nossos. Os que querem um Brasil melhor devem lutar por isso. Mas não é reproduzindo modelos estrangeiros que alcançaremos esta meta. Chega de tentar europeizar e norteamericanizar o Brasil. Basta!, eis o meu grito.

terça-feira, setembro 22, 2009

UM BATE PAPO SOBRE RAÇA

O bom jornalista Sidney Rezende, meu primo em parentesco veramente distante, postou no seu blog, o SRZD esse texto aqui, com um vídeo que eu, meus amigos, achei fortíssimo.

Publiquei no blog dele o seguinte comentário, que transcrevo, aqui, na íntegra:

Sidney, as maravilhas da genética e suas conclusões mais recentes sobre a inexistência de raças poderiam ajudar a combater o racismo se ele não fosse um fenômeno social tão arraigado na cultura ocidental. A noção de raça continua operando na sociedade iluminada pela ciência moderna. Especialmente para tudo o que se refere à África. A África é "primitiva"; seus povos não são "civilizados"; sua Natureza é "selvagem" - como se toda Natureza não fosse; A escravidão é "culpa" dos próprios africanos. Tudo é pejorativo, é negativo. Pouco se ergue a voz para falar algo de bom da África, um continente rico, de uma diversidade humana e cultural imensa, de civilizações lendárias e esplendorosas. E quando se fala bem dela, e se pretende defender seus filhos da opressão e da exclusão a que foram, historicamente, e são submetidos ainda hoje, vem os paladinos da democracia racial para nos dar aula de biologia e dizer que raça não existe. Não foram apontados assim (http://botequimdobruno.blogspot.com/200 9/09/um-homem-lamentavel.html) nas ruas. Se fossem, não diriam o que dizem. Obrigado por me mostrar esse vídeo que apenas confirma minhas convicções. Abraço!

O link que indico à ele é do blog de outro grande jornalista, o Bruno Ribeiro, de Campinas. Para chegar ao blog do Bruno e ler o que ele escreveu, basta clicar
aqui ou na barra lateral à direita deste blog.

Assistam ao filme e tirem suas conclusões. Mas antes de apertar o Play, nunca foi tão válida uma dica: tirem as crianças da sala!


Abraços!

domingo, setembro 20, 2009

PAPO DE SUBURBANO - ARMANDO UM CHURRASCO

- Então, meu cumpadi. Será que a gente pode sentar agora e fechar a lista das coisas que a gente vai botar nesse churrasco?

- Peraí...

- Porra.. Se depender de você esse churrasco só sai ano que vem, cumpadi. Qual foi agora?

- Pô, cara... Tu é estressado pra cacete, hein! Tu não tá vendo que eu tô no celular? To desenrolando com uma mina aqui, pô! Peraí que eu já vou...

- Lerdo pra caralho... Nunca comeu ninguém e agora vem com esse papo de mina. Aí, ele é cabaço, hein! Tá me escutando, filé? Não pega, não!

- Qual foi, parceiro? Tá querendo me queimar? Querida, depois eu falo com você, tá bom? Um beijo...

- Até que enfim!

- Porra... Chato pra caralho, você, hein...

- Vambora fazer essa merda dessa lista que o Aluízio precisa ir logo no mercado pra comprar as paradas.

- E porque que ele tá com essa pressa toda que eu não posso nem desenrolar com uma mulezinha?

- Porque o churrasco é amanha e a irmã dele vai casar hoje, cara. Ele ainda tem que meter uma beca.

- E quem é o péla-saco que vai casar com a gostosa da irmã do Aluízio.

- Não sei, só sei que nasceu virado pra lua o sortudo. Mas vamo fazer a porra da lista!

- Tá. Quanto de cerveja?

- Doze caixas.

- Tá. Daquelas com 12 latinhas, né?

- Claro que não, muleque! Daquela com 24 garrafas! É óbvio!

- Que isso, cara! O churrasco deve ter no máximo umas 30 cabeças!

- E tu acha que é pouco? Esses caras são tudo esponja, rapá. Absorve a cerveja todinha, e quando tu vê, já era...

- E doze caixas de 24 garrafas dá quantas cervejas pra cada um?

- Pô, muleque! Tu acha que eu sou matemático? Eu sou é cachaceiro, porra! Faz a conta aí, você, pô!

- Peraí... Doze vezes vinte e quatro... se doze mais vinte e quatro dá trinta e seis, doze vezes vinte e quatro deve dar 360.

- Caralho, tu é burro pra caralho, hein!

- Porque? Tá certo, porra!

- Que certo é o caralho!..

- Dá quanto então?

- Não sei! De cabeça eu não sei, só no papel...

- Muleque, que série que tu parou?

- Ahn?

- Que série que tu parou na escola?

- Parei na sexta, e tu?

- Parei na quarta...

- Então cala a boca que eu sou mais inteligente que você.

- Ah, vá tomá nesse teu brioco!

- Seu burro, me dá um papel aí, vai. Pega um papel pra eu fazer a conta.

- Escreve nesse aqui. Toma.

- Vamo ver quanto dá... É... Acho que...

- Quanto dá?

- 288

- Aí, é cerveja pra caralho!

- Que nada! Não dá nem dez garrafas pra cada um! E tu ainda não conhece o meu primo Marcinho. Ele bebe as minhas dez, as tuas dez e as dez dele. Só depois ele pára pra dar uma mijada. Depois continua bebendo.

- Tá, 12 caixas com 24 garrafas. Fechado. E a carne?

- Peraí, tu esqueceu o refrigerante!

- Pra que, essa merda?

- Tem gente que não bebe, cara!

- Tá, bota quanto?

- Quatro garrafas de 2 litros tá bom.

- Beleza, agora a carne!

- Anota aí.

- Ahan, pode falar.

- 5 kg de linguiça...

- Ahan

- 5 kg de alcatra...

- Só isso?

- O churrasco é pra gente beber ou encher o rabo dos outros?

- Tá, que mais?

- 4 kg de asa...

- Ahan

- 1,5 kg de coração...

- É muito.

- Porque?

- Metade da galera é do santo. Povo do santo não come os axés.

- Como assim axés?

- Axé, cara. Sei lá. Só sei que eles não comem coração.

- Quanto, então?

- Meio quilo é coração pra caralho. Tá bom demais.

- Beleza, menos um dinheiro.

- E o que mais?

- 1,5 kg de fígado de boi...

- Bom pra cacete!

- É. Bom e barato.

- O que mais?

- 20 pães franceses.

- Ué? Pra que?

- Cala a boca e escreve essa porra...

- Cara, antes que eu me esqueça...

- Ahn?

- Não fode.

- Tá, onde é que eu tava?

- 20 pães franceses...

- Tá. Anota aí, então, uma cabeça de alho e um pote pequeno de maionese.

- Pro pão de alho? É isso?

- É.

- Ahan... Que mais?

- 2 kg de jiló.

- Caralho, um jilozinho na brasa...

- Com queijo ralado por cima...

- Só aqui no subúrbio! Nunca vi jiló em churrasco na Barra!

- Bota aí 3 pacotes de queijo ralado.

- Tá. E o carvão?

- Anota aí 3 sacos e uma garrafa de álcool pra dar uma pressão.

- A churrasqueira é boa?

- Pra chuchu.

- Tem aqueles furinhos embaixo?

- Tem, pô.

- É aberta lá embaixo, na base?

- Claro! A churrasqueira é do caralho, cara!

- Então não precisa de muito álcool, não. Só um pouquinho no início. Eu tenho isso lá em casa.

- Tu leva?

- Levo, pô. Tranquilo.

- Tá. Agora o som.

- Pô, não te falei?

- O quê?

- O Torrado e o Carcará vão trazer banjo, cavaco e ainda vão arrastar o Jorge Bocão, o Minuca e o Remela pra batucar.

- O Minuca vem?

- Vem, pô! To te falando...

- Então ele vai trazer a cachaça lá da Mem de Sá.

- Ora ora...

- E quem é esse Remela?

- Lembra não? Remela, pô. Primo do Xandinho. É aquele muleque doente, que o olho dele não para de sair remela o dia inteiro...

- Ah! Pode crer! Mas, então vai ter batucada, é certo?

- Já tá! É só torcer pra fazer calor pra mulherada vir menos vestida e beber mais.

- Beleza! O resto, a cerveja, o churrasco e a batucada já tão garantidos.

- Muleque, é o filé me ligando de novo. Não posso dar mole...

- Vai... Vai... Vai ver se tu perde esse cabaço!

quarta-feira, setembro 16, 2009

CONSTRUINDO CIDADANIA EM SALA DE AULA

Apesar do título, esse texto não pretende se apresentar como guia, roteiro ou algo semelhante para a construção da cidadania em sala de aula. Trata-se apenas de uma reflexão baseada em uma experiência verificada em diversas oportunidades nas aulas de Geografia que leciono.

Desigualdade social é um tema frequente, seja nas abordagens diretas ou em abordagens em que o tema aparece de forma transversal. Ao trabalhar esse tema, gosto muito de fazer uma pesquisa de opinião com os alunos. O resultado é quase sempre uma polêmica frutífera, salutar, que favorece à troca de ideias.

A primeira pergunta que faço é se eles concordam que a parcela formada por 1% dos brasileiros de maior renda mensal representa uma elite em nossa sociedade. Poucos discordam. São os 1% mais ricos do Brasil. Diante dos 99% restantes, eles formam uma elite. Essa é a convicção dos alunos.

Depois informo que o IBGE fez, no Censo Demográfico de 2000, um cálculo que estabeleceu a renda mensal mínima para um indivíduo figurar no grupo de 1% dos brasileiros de maior salário/renda.

Pergunto o quanto eles acham que ganhavam por mês esses brasileiros que faziam parte do grupo mais rico, no ano de 2000. Aproveito o ensejo para explicar ou relembrar os conceitos de inflação e salário mínimo enquanto eles refletem e tomam sua posição.

Para ajudar, forneço o dado de que a população brasileira calculada por aquele Censo foi de aproximadamente 180 milhões de habitantes, ou seja, os 1% mais ricos do país seriam, aproximadamente, 1,8 milhões de brasileiros.

Eles refletem e emitem suas opiniões. Começa a polêmica. Eles debatem entre si, argumentam, num processo que eu controlo de perto para que não desande para a ridicularização da opinião alheia ou a agressão verbal, tamanha é a paixão que o tema desperta.

Nessa semana, tive a oportunidade de repetir essa pesquisa em duas turmas. As opiniões variaram entre cinco mil reais e cinco milhões de reais.

Se cinco milhões parece-lhe muito exagerado (adolescentes são exagerados) saiba-se, então, que a opinião da maioria fica em valores entre 20 e 100 mil reais, com alguns alunos apontando absoluta certeza para valores superiores a 100 mil reais. Não são raros aqueles que acham que o valor gira em torno de 500 mil reais.

O tema é para o debate.

Feita a discussão entre eles, apresento, para o espanto da imensa maioria, o valor obtido pelo Censo do IBGE de 2000.

Segundo os dados da pesquisa o grupo de 1% dos brasileiros de maior renda recebia valores acima de R$ 2.950,00.

Eles não acreditam.

Trabalho com jovens de poder aquisitivo que oscila do médio para o elevado. Alguns tem poder aquisitivo muito elevado. Para eles, o resultado é um choque.

É natural que cada um avalie a própria condição diante dessa informação. No entanto, ao perceber que a maioria se restringe a medir sua posição - tentando se localizar dentro desse estrato social - lanço o dado com outro ponto de vista. Explico que a imensa maioria dos brasileiros ganhava, em 2000, menos que R$2.950,00.

É interessante notar como as expressões mudam. Muitos me perguntam e outros apenas se perguntam:

- Como isso é possível?

É quando se atinge esse clima que o dado mais forte encontra seu espaço.

Ao perceber que eles se deram conta da condição de desigualdade em que vive a população brasileira, explico que o mesmo censo de 2000 verificou que aproximadamente 50% da população brasileira vivia com renda de até um salário mínimo.

Quase sempre é impossível conter a conversa, o burburinho. É a força da polêmica.

Quando eles acham que nada podia ser pior, lembro que o valor do salário mínimo em 2000 era de aproximadamente 150 reais. Ou seja: a metade dos brasileiros vivia - ou sobrevivia, eis a conclusão que eles tiram - com apenas 150 reais ou menos do que isso.

O tempo gasto em sala de aula para fazer essa atividade é mínimo. Os resultados são excelentes. Trabalha-se, assim, para o desenvolvimento de uma consciência mais cidadã nos estratos mais elevados da nossa sociedade.

Gostaria de saber como funciona essa pesquisa com alunos que possuem uma realidade social diferente da realidade dos meus alunos. Se você, leitor, é professor e se interessou em reproduzir essa dinâmica, contribua registrando os resultado do seu trabalho aqui nessa janela de comentários. Você não é professor? Fique a vontade para comentar também!

Um abraço solidário!

IBAMA PUBLICA DADOS DE POLUIÇÃO DOS CARROS

A liberdade de escolha é um dos princípios mais democráticos. Poder escolher sua casa, sua religião, seus amigos, sua profissão exemplificam bem esse direito.

Também é exemplo disso a liberdade de escolha na hora do consumo. O que comprar?

Para as pessoas que incluem o meio-ambiente e a saúde do planeta entre suas principais prioridades, há uma boa notícia: o governo avaliou os níveis de gases poluentes emitidos pelos veículos produzidos no Brasil em 2008 e divulgou os resultados obtidos.

As pessoas que estão pretendendo comprar um automóvel ganharam, com isso, mais um indicador que pode ser usado para avaliar a compra. Para alguns, o novo indicador pode ser um dos mais importantes. Para outros, entra na lista como um dos últimos critérios de desempate na escolha do modelo a ser comprado.

A surpresa dos dados apresentados surgiu na constatação de que vários modelos com motorização 1.0 e/ou movidos a álcool se apresentaram mais poluentes do que outros com motores mais potentes movidos a gasolina.

Ficou curioso? Faça o teste no SITE DO IBAMA, lembrando que ele só é válido para os modelos fabricados em 2008. De qualquer modo, dá para ter uma ideia aproximada de como estão os níveis de poluição dos modelos mais recentes já que poucas fábricas fizeram mudanças tecnológicas significativas em seus motores.


Agradecimentos à Dra. Lucia e à Clélia que me enviaram essa notícia por email.

domingo, setembro 13, 2009

VISTA A CAMISA DA EDUCAÇÃO

Publiquei aqui a carta enviada pelo então candidato ao governo do Estado do Rio de Janeiro, Sergio Cabral Filho, às residências dos professores das escolas estaduais contendo as promessas de campanha, além de um vídeo que mostra a reação da polícia contra a manifestação feita pelos professores contras as medidas que o governo pretende impor aos docentes do estado.

Publico, agora, a carta aberta dos professores servidores do estado comparando as propostas de campanha de Cabral com as medidas que o governo está implantando no campo da educação. Veja:

Nós, professores servidores do Estado do Rio de Janeiro, escrevemos esta carta aberta à população do Rio de Janeiro para mostrar aquilo que realmente envolve a questão a incorporação da gratificação chamada Nova Escola e a diminuição do nosso plano de carreira.

A princípio, não foi dito o valor do salário do professor estadual, que é de apenas R$ 607,26. A população deve imaginar que recebemos alguma ajuda extra, como vale transporte, vale refeição, que qualquer empresa é obrigada a pagar a seu funcionário. Porém, não é isso o que acontece: não recebemos estes benefícios que são direitos de todo o trabalhador e ainda temos o desconto previdenciário de 11%, recebendo um salário líquido de aproximadamente R$ 540,00.

O Governo faz propagandas na televisão dizendo que deu laptops para todo professor, mas na verdade, estes laptops foram adquiridos pelo sistema de comodato, ou seja, estes equipamentos são emprestados pelo governo que, quando bem entender, pode pedir os mesmos de volta.

Atualmente, observamos a climatização das salas de aula, onde o Governo aluga os aparelhos e ainda terá um consumo absurdo de energia elétrica, gerando consumo de energia bastante elevado.

A incorporação do Nova Escola se dará até 2015, em 7 parcelas. O governador já se considera reeleito. Existem casos de professores que receberão, no ano que vem, segundo este projeto, um aumento de R$ 2,47! Isso mesmo, talvez não dê para pagar uma passagem com o valor deste aumento em 2010.

Um outro ponto é o grande número de pedidos de exoneração de professores, estima-se que seja aproximadamente 30 por dia! Não existem condições de trabalho e isso nos incomoda. Contudo, o que mais nos deixa indignados, é a carta compromisso enviada aos nossos lares onde o mesmo governador empenha sua palavra e agora se esquece de tudo aquilo que prometeu. As promessas são:

Promessa 1- Reposição das perdas dos últimos 10 anos.
Resultado - Reajuste de 4% e mais 8% de uma perda de mais de 70%.


Promessa 2- Manutenção do atual plano de carreira e inclusão dos professores de 40h.
Resultado - Não só manteve o professor 40h de fora do plano como diminuiu as diferenças entre níveis de 12% para 7,5%..


Promessa 3- Fim da política da gratificação Nova Escola e incorporação do valor da gratificação ao piso salarial.
Resultado - Esqueceu de avisar que seria em 7 anos e sem reposição da inflação.


Promessa 4 - "A secretaria de Estado de Educação do meu governo terá como titular pessoa com histórico na área de educação e vínculos com o magistério."
Resultado - A atual titular da pasta é da área de computação, burocrata sem passagem pelo magistério.


Não somos ouvidos, e ainda vemos a imprensa nos virar as costas e distorcer a situação real. Somos pais e mães de família, que fizeram um curso superior, na esperança de um futuro melhor.

Contamos com a compreensão e a colaboração da população do Estado do Rio de Janeiro.

Vista a camisa da Educação, você pode não ser professor, seu filho e sua família podem não precisar da Educação Pública, mas a nossa sociedade só vai melhorar com Educação Pública de qualidade Faça a sua parte, essa será uma verdadeira mudança na história da Educação no Estado do Rio de Janeiro, porém precisamos adequar a verdadeira realidade do magistério Estadual.

Mande para os seus contatos e vamos mostrar a nossa força!!!!!!!

Agradecemos imensamente a atenção. Professores do Estado do Rio de Janeiro.

----------------------------------------------

Agradeço ao camarada Sandro Lessa que enviou-me a carta dos professores por email.

sexta-feira, setembro 11, 2009

A CAMPANHA MENTIROSA DE SERGIO CABRAL FILHO

Para quem ainda acredita em promessas de campanha, comparem a carta de Cabral enviada para os professores durante a campanha com os fatos mais recentes... Se você não viu nada sobre a luta dos professores do estado do Rio de Janeiro, assista ao vídeo.


domingo, setembro 06, 2009

PAPO DE SUBURBANO - SOBRE AMANTES

- Tu viu aquela mulher que tava chegando num Escort XR-3 quando a gente tava estacionando o carro?

- Que que tem?

- Tô chegando junto.

- Sério? Mas já é ou já foi?

- Ja foi.

- E ela tá sozinha ou só tu que tá pegando?

- Nada. Ela é casada.

- Caralho...

- Essa é que é a pica, mermão.

- E bota pica nisso!

- Mas é uma pica meio brocha.

- Sério?

- Pelo que eu entendi, o cara não é muito chegado não.

- Como assim, ele é viado?

- Acho que viado ele não é não. Só não gosta muito de meter com a mulher.

- Vai ver, tá até comendo outra.

- É, mas, enquanto isso, eu faço o trabalho de casa pra ele, hahahaha!

- Hahahaha!

- E é gostosa a safada...

- É mermo?

- Porra... Tem umas pernas bem feitas, uma bunda grande, durinha, daquelas que pedem um tapas...

- Caralho...

- E o melhor é que ela sabe fazer o troço. Sem pudores. É uma devassa!

- Não é possível! E o cara não quer comer a mulher!..

- É, vai entender...

- Ou ele é viado ou tá comendo a mulher dos outros por aí.

- É. Só espero que ele seja viado e não esteja comendo a minha.

quinta-feira, setembro 03, 2009

ESTRELLA

Para a prima Claudia e o primo Gustavo, com saudades deles que vivem em Barcelona.


Abraços!

domingo, agosto 23, 2009

DEVANEIOS SOBRE UM PONTO DA POMBA-GIRA CIGANA

Saiu de casa decidido a perambular pelas ruas da amargura caminhando com os próprios pés. Estava completamente atordoado, com o peito oprimido, sentindo um vazio interior imenso. Parecia caber-lhe no peito um oceano inteiro de angústias e de solidão. Não tinha intenção alguma além de andar. Andar para tentar esquecer tudo aquilo que o perturbava.

Estacou no meio da caminhada quando sentiu um cheiro familiar. Não demorou muito para reconhecê-lo. Aquele era o cheiro da cigarrilha da Pomba-gira Cigana, a quem conhecera anos atrás.

Tinha conhecido a bela moça numa ocasião em que precisava de socorro material. Pediu, com o apelo dos desesperados, que moça lhe ajudasse. Não tinha fé. Tomava, ali, apenas a última opção para quem já tinha recorrido à tudo sem sucesso.

Conseguiu o que precisava. E ficou impressionado. Mas não o suficiente para ter fé na lei de pemba. Passou a ter fé apenas na força da Pomba-gira Cigana. Esteve com ela mais algumas vezes mas com o tempo acabou por deixar de acompanhá-la também.

Olhou para todos os lados e não viu absolutamente ninguém. Procurou pela fumaça da cigarrilha e nada. Só sentia o seu cheiro cada vez mais intenso e presente. Balançou a cabeça, esfregou como um alérgico a palma da mão direita no nariz e o cheiro se fez ainda mais forte.

Quando julgava-se atordoado demais, confuso demais ao ponto de ter alucinações, ouviu uma voz suave e doce:

- Boa noite.

Procurou novamente em tudo ao seu redor e não viu ninguém que pudesse estar lhe cumprimentando.

- Quem está aí? - perguntou, nervoso.

- Você sabe que sou eu. Estenda sua mão para eu ler.

Sentiu como se o tempo tivesse parado enquanto ouvia todas as verdades de sua vida serem ditas por aquela mulher. Enquanto ela lia sua mão ele só queria saber onde ela estava. Onde estava a sua cigana de fé?

--------------------------------------------------------------------

Esse texto é inspirado em uma versão feita pelo meu avô para um ponto de pomba-gira cigana. Honestamente, em com todo o devido respeito aos Guias, aos Encantados e aos Orixás, acho a versão de meu avô muito mais bonita do que a corrente cantada na maioria dos terreiros porque exibe algo da maior importância dentro da religião: o mistério.

Veja aqui e compare as duas versões. Primeiro a original e depois a versão do meu avô.

Vinha caminhando à pé
Para ver se encontrava
A minha cigana de fé
Ela parou e leu a minha mão
E disse-me toda a verdade
Eu só queria saber
Aonde mora a Pomba-gira cigana.

----------

Vinha caminhando à pé
Quando encontrei
A minha cigana de fé
Ela parou e leu a minha mão
E disse-me toda verdade
Eu só queria saber
Onde é que ela estava.

Axé!

sábado, agosto 22, 2009

BRUNO, É HORA DE ESQUENTAR O BANCO!

Andrade, gênio da raça, craque da redonda, ex-camisa seis do rubro-negro e autor de gols históricos, entre eles o sexto da vitória por 6x0 sobre o Botafogo, aquela vingança que a nação ensejou por anos, é o atual técnico do clube que mais amou e defendeu na vida.

Síntese do que restou de humildade no futebol brasileiro e de paixão pela arte dos gramados, da pelota no barbante, Andrade emocionou o Brasil com suas lágrimas ao conquistar a primeira vitória depois da saída do técnico Cuca, quando ainda era técnico interino, e ao dedicar a vitória ao amigo Zé Carlos, ex-goleiro do rubro-negro falecido naquela semana.

Em março desse ano quando o técnico Cuca organizou um rachão como treinamento (prova de que ele entende pouco do riscado) Andrade, que apitou o tal rachão, foi ofendido pelo goleiro Bruno. O goleiro disse que Andrade, como jogador, ganhou tudo mas como técnico não ganhou nada. Andrade chorou e foi consolado pelos amigos.

O que Bruno esqueceu é que Andrade, como poucos, é o Flamengo. Como técnico, agora está em posição de baixar a crista do jogador que o ofendeu. Poderia ter tirado-lhe a braçadeira de capitão do time desde a primeira partida: humilde, não o fez. Poderia ter-lhe posto para esquentar o banco: humílimo, também não o fez.

Agora Bruno faz exibições lamentáveis em sequência. A grande torcida, que sempre deu-lhe uma moral maior do que a merecida (em minha humilde opinião), agora vaia o goleiro.

Parece que Andrade, como declarou na época, esqueceu o triste ocorrido com o jogador. Mas parece que Bruno não esqueceu. E só os ingênuos acham que um atleta não tem condições de derrubar um técnico. É essa a impressão que Bruno me passa agora engolindo frangos imensos.

O mestre Andrade é, dentro do Flamengo, um dos poucos homens que nos passam a certeza de que amam incondicionalmente o clube e farão, sempre, tudo o que for melhor pelo time.

Eu, apaixonado pelas cores da Cobra-coral, do Papagaio-vintém da Gávea, quero crer que há alguém melhor para defender a meta do Flamengo, alguém que, pelo menos, respeite nossa história e honre nossa camisa.

sábado, agosto 15, 2009

A TRAGÉDIA DA PIEDADE

Para Fernando Molica

Há exatamente cem anos morreu o escritor brasileiro Euclides da Cunha, autor de grandes obras entre elas a fabulosa Os Sertões.

Euclides era casado com Ana Emília Ribeiro e era um homem quase constantemente ausente do lar. Viajava muito. Cobriu a campanha de Canudos, esteve na Amazônia e de suas viagens o grande fruto é a sua obra mais famosa.

No entanto, Ana, sozinha e carente, apaixonou-se loucamente por um jovem de 17 anos, Dilermando de Assis. Teve dois filhos com ele enquanto estava casada com Euclides. Um dos meninos, único louro no meio de uma família de morenos, era chamado por Euclides de "espiga de milho no meio do cafezal".

Descoberta a traição, Euclides invadiu a casa do amante de sua mulher, na avenida Suburbana, altura de Piedade, com a intenção declarada de matar ou morrer. O intelectual disparou tiros contra Dilermando mas errou todos. O militar, especialista em tiro, acertou Euclides em cheio levando o escritor à morte. Ana estava com o amante no momento do crime.

Esse foi um dos crimes passionais mais famosos da história do Brasil e ficou conhecido como A Tragédia da Piedade.

Anos mais tarde, Quidinho, filho de Euclides, tentou vingar o pai e acertou Dilermando com tiros pelas costas. Mas o militar, mesmo ferido, conseguiu reagir e matou o jovem, que tinha então 19 anos.

Ana, mãe de Quidinho já estava casada com Dilermando e, apaixonada, perdoou o marido, que dela acabou se separando dez anos depois. O militar foi absolvido por legítima defesa nos dois processos de homicídio que enfrentou.

quarta-feira, julho 22, 2009

PAPO DE SUBURBANO - NO BUTECO, SOBRE FUTEBOL

- Fala, Jorge! Como é que é? Me dá uma cerveja aí!

- E aí, Joacir! Vai beber o que?

- Ué, Jorge! Eu não falei pra tu me dar uma cerveja, pô?

- Eu sei, porra! Mas que cerveja?

- Sei lá! A mais gelada, caralho! Tu sabe que eu não tenho essas frescuras!

- Ih!.. O que que é? Tá de ovo virado, Joacir?

- Tô.

- E eu posso saber por que?..

- Porque você ainda não me deu a porra da ceveja que eu pedi!

- Caralho, tu é chato pra caralho, hein... Pior que você só esse que tá chegando aí...

...

- Como é que é, Joacir? Maré mansa?

- E aí, Valtinho? Beleza, malandro? E o Vasco?

- Tá tudo beleza, menos o Vasco, né, meu cumpadi.

- Ah! O time do Vasco tá uma merda!

- E que time que não tá uma merda, ô Joacir? Que time que não tá uma merda, pô?!

- Como assim? O Flamengo tá ganhando direto, Valtinho!

- Mas não tem nada que preste, Joacir! Só perna de pau em tudo que é time!

- Isso é verdade! O que tem por aí é tudo muito mais ou menos...

- É isso que eu tô falando, Joacir! Só tem perna de pau! Quando aparece um que é "menos pior", vai logo pro estrangeiro, malandro!

- É. Aqui só fica a escumalha!

- Só.

- E pensar que o Vasco já teve um timaço, hein...

- O Expresso da Vitória!

- Porra, aquele time só tinha craque, hein, Valtinho?

- Ô!.. Meu irmão, ali tinha Friaça, Djalma...

- Maneca, Chico...

- Tinha o Ademir! O Ademir!

- Um gênio!

- De 1947 até 50 não tinha pra ninguém! O Vasco foi a base da seleção de 50.

- É mermo? Com quantos?

- Sei lá, porra! Vários! Quer ver?

- Eu só lembro do Ademir, do Maneca e do Chico! Quem mais naquele time era do Vasco?

- Friaça...

- Ah, mas não era mesmo! Em 50 o Friaça jogou no São Paulo e na Ponte Preta. Só voltou pro Vasco em 51.

- Foda-se! O cara jogou uns dez anos no Vasco! O Friaça é do Vasco!

- Tá, quem mais, Valtinho? Quem mais?

- O Augusto, o Danilo e ainda tinha o Barbosa!

- Aquele frangueiro!

- Ah, não fode, Joacir! O Barbosa era um monstro no gol!

- Um monstro? É, deve ser! Ele espantou o Brasil inteiro, o mundo inteiro, com aquele frango horroroso!

- Tá de sacanagem! O Barbosa foi um dos maiores goleiros do Brasil em todos os tempos! Saía bem do gol, se posicionava bem, não tinha frescura pra bola perigosa nem o caralho... Quem perdeu aquele jogo foi o Flavio Costa!

- O técnico?

- É!

- Porque?

- Porra, tu não sabe, Joacir?

- Não sabe do que, caralho?

Ele mandou o time inteiro passar duas horas em pé na manhã do jogo rezando na porra de uma missa.

- Não fode?

- Tô te falando, rapá!

- Caralho, cara...

- É mole?

- Duas horas de pé, Valtinho?

- Ahan.

- Na Missa?

- Vê se pode?

- Valtinho, eu tenho que ir pra casa.

- Porque?

- Acerta essa cerveja com o Jorge pra mim?

- Tá, mas porque você tem que ir embora, malandro?

- Tenho que dizer agora pra minha mulher que nunca mais eu vou pra Igreja com ela. Nunca mais, Valtinho! Nunca mais!

sábado, julho 18, 2009

A DURA REALIDADE DOS EDUCADORES

A mensagem que esta imagem transmite deve ser encaminhada a todos que são ou pretendem ser pais.

Eu poderia discutir aqui a realidade da educação no mundo contemporâneo, a questão do assédio moral de alunos para com seus professores, sobre o sistema "PPP" (Papai Pagou, Passou) adotado pelas "escolas" e, obviamente, sobre a pressão que os pais (os deseducadores) fazem contra a escola e os seus professores (os educadores) para que seus filhos não sejam reprovados.

Poderia discutir a realidade em que esses mesmos pais transferem aos professores de seus filhos a tarefa de educá-los (repare, eu não disse instruí-los, eu disse educá-los) enquanto fecham negócios importantes ou passam o tempo entre as academias e as clínicas de lipoaspiração.

Poderia, mas não vou.

Deixo apenas uma pergunta, vencedora do concurso de um congresso sobre vida sustentável:

"Todo mundo 'pensando' em deixar um planeta melhor para nossos filhos... Quando é que 'pensarão' em deixar filhos melhores para o nosso planeta?"


A imagem e a frase foram enviadas por email pela amiga Verena Buschinelli.

sexta-feira, julho 17, 2009

15 ANOS ATRÁS...

A Copa de 1994 é a mais antiga da qual guardo grandes lembranças vivas.

Da disputa de 1990, me lembro de poucas coisas: que o técnico era o Lazaroni, que o Brasil ganhou da Escócia de 2x1 e, no segundo gol, meu pai quebrou o teto de gesso do playground onde assistíamos o jogo, que o Brasil perdeu pra Argentina e que eu assisti a semifinal entre Itália e Argentina no saguão de espera da gravação do Show da Xuxa, na Lineu de Paula Machado, no Jardim Botânico. Sim, eu fui, várias vezes, ao Show da Xuxa.

Da disputa de 1986 eu não lembro de nada: só lembro que a copa foi no México, que tinha o Laranjito e que ela foi tema do meu aniversário de 4 anos. A foto abaixo comprova o tema da festa. Eu sou o garoto magrelo, acompanhado de minha irmã, Larissa.

E da Copa de 1982 eu não lembro de absolutamente nada mesmo. Também pudera: durante a partida em que o Brasil perdia para a Itália, mamãe, pra não ver aquela tragédia, me dava um dos primeiros banhos da vida. Era, eu, um recém-nascido.

Eis, portanto, as razões para eu me lembrar melhor apenas da copa de 1994. Quem viu e viveu as emoções das copas anteriores, pode achar que a copa de 1994 foi um tanto sem graça. Para mim não.

A primeira fase foi tranquila, com exceção do jogo contra a Suécia, que foi mais apertado. Nas oitavas, um jogo duro contra os Estados Unidos, os donos da casa. Assisti o jogo em Brás de Pina, na esquina da Avenida Arapogi com a Francisco Enes, onde morava o meu saudoso tio Luiz Carlos. Tomava os meus primeiros copos de cerveja, mas era só um pouquinho.

O jogo contra a Holanda eu assisti em Vista Alegre, na vila Pureza, onde morava o meu amigo Daniel Simões. Antes do jogo, a gente batia uma bola no quintal e eu quebrei o meu dedo anelar da mão direita. Recusei-me a ir ao hospital antes do jogo, duríssimo, que o Brasil ganhou por 3x2 com um gol de falta do Branco. Bergkamp aterrorizou o Brasil com jogadas perigosíssimas e fez um dos gols da Holanda.

A semifinal com a Suécia também foi dura e o Brasil ganhou com um mirrado 1x0, gol feito aos 35 do segundo tempo pelo Romário, de cabeça, no meio da zaga sueca que parecia ser composta por bonecões de olinda, nórdicos.

A final... Ah, a final. Minha avó Maria, quase oitenta anos, que acompanhou o Brasil desde menina em todas as copas, desde 1930, quase morreu naquele 17 de julho de 1994. Assistiu o jogo em casa, acompanhada do meu velho avô Zequinha, que nunca foi muito ligado em futebol mas era torcedor do São Cristóvão.

A bola chorou pra entrar. Só balançou o barbante nos pênaltis. Durante a partida, só pelo lado de fora, tendo beijado a trave algumas vezes. Minha mãe nunca assiste disputas de pênaltis. Foi pra janela, como sempre faz, quando elas começaram. Seu termômetro é o grito dos vizinhos. E aqui no Engenho da Rainha, de onde escrevo temporariamente, o som oscilava entre os gritos e o silêncio.

O vídeo a seguir é meio patético, pela narração do Galvão Bueno (sempre patético) e pelo tema da vitória (uma homenagem ao falecido Ayrton Senna). Mas serve pra lembrar da farra que o Brasil fez, 15 anos atrás.

http://www.youtube.com/watch?v=UAMMY7wYLvU

Veja! Até!

segunda-feira, julho 13, 2009

CADÊ O CHORORÔ DA CLASSE MÉDIA?

A tragédia é a mesma. Uma menina com cinco ou seis anos de idade caiu da janela do apartamento onde morava e morreu.

Mas a repercussão do caso da menina Rita de Cássia, ocorrido num condomínio popular do subúrbio do Rio de Janeiro, não é nem um pouco semelhante à que teve o caso anterior, o da menina Isabella Nardoni, ocorrido num condomínio de classe média-alta de um bairro rico de São Paulo.

É verdade que os pais de Rita de Cássia não são suspeitos. Ficou claro que eles deixaram a menina sozinha em casa por poucos minutos, tempo no qual se deu a tragédia. Já o pai e a madrastra de Isabella são suspeitos do caso. O mistério faz a notícia.

No entanto, a comparação entre os casos revela o classismo e o preconceito da maioria dos membros da classe média brasileira. Poucas pessoas demonstraram um décimo da comoção que demonstraram diante do caso Isabella Nardoni.



A mim parece claro: enquanto Isabella se parecia muito com as filhas da classe média brasileira, Rita de Cássia não. Enquanto Isabella morava num apartamento que lembra os apartamentos da classe média brasileira, Rita de Cássia não. Enquanto os pais de Isabella lembram os membros da classe média brasileira, os pais de Rita de Cássia não.

Que sociedade é essa que atribui maior ou menor valor à vida em função da classe social a que pertence essa vida?

Que sociedade é essa que chora, que reza, que pede missa, que leva flores a homenagear uma menina - filha de um homem suspeito de seu assassinato e de uma mulher que em vez de chorar a morte da filha foi para a internet se despedir da filha pelo orkut - e não chora, não reza, não pede missa nem leva flores a homenagear uma menina filha de pais honestos, trabalhadores e que estão claramente chocados com a morte da filha, ao contrário do casal anterior?

Que sociedade é essa?

sexta-feira, julho 10, 2009

MEUS TEXTOS POR AÍ

Não é de hoje que me surpreende a grande rede mundial de informações. Mas desde o momento em que me tornei um agente mais ativo dessa rede (refiro-me ao momento em que criei este blogue), as surpresas são maiores e mais frequentes.

A gente que escreve na internet dá a cara ao tapa. Se tem gente que registra comentários sobre o que escrevemos, dando também a cara ao tapa, a maioria dos leitores é silenciosa.

O contador de visitas deste blogue, instalado em fevereiro de 2008, registra até este momento aproximadamente 25 mil visitantes diferentes. O número de comentários aos textos é quase 500 vezes menor, cabendo ressaltar que muitos comentários vieram dos mesmos visitantes ou são meus mesmo em resposta aos que comentaram.

Está definitivamente claro que não é só quem comenta que lê. Muito mais gente lê o que escrevemos em nossos blogues.

O que me surpreendeu foi a replicação rápida das ideias aqui registradas. Já encontrei vários textos meus reproduzidos em outros blogues e sites, a maioria com a devida citação da fonte. Encontrei, também, referências a textos meus em páginas do site Wikipédia. Lembro agora de um texto que escrevi sobre Campinas e que foi citado no Wikipédia da Inglaterra em um texto sobre a cidade.

Dois textos que publiquei há menos de um mês também estão reproduzidos na íntegra por aí. Descobrir isso é fácil. A ferramenta básica é o Google mesmo.

Mas os emails e os comentários, as vezes, também trazem essas descobertas. No início dessa semana, um professor de geografia me escreveu um comentário em outro blogue que mantenho dizendo que uma aluna dele havia copiado um texto meu na íntegra pra usar como trabalho escolar. Já encontrei citações a um texto que escrevi sobre ciclones em trabalhos escolares de alunos de escolas em Portugal e daqui do Brasil mesmo.

É assim que funciona a grande rede. Você disponibiliza a informação e as pessoas acessam. Mesmo sabendo disso, não deixo de me surpreender a cada nova descoberta.

Até a próxima.

quinta-feira, julho 02, 2009

ENTERREM MICHAEL JACKSON!

Já faz uma semana, ou mais, sei lá, que o Michael Jackson morreu. É o destino de todos. Mas, em vez de enterrar o cabra, resolveram enfiar o sujeito no gelo. Depois de decidir - se é que não mudarão de ideia - onde será o velório, a família de Michael - se é que aquilo é familia - vai obrigá-lo a fazer sua última apresentação ao público antes de dá-lo aos vermes.

Não sei, não. Eu estou achando que o velho Joe Jackson, que não levou um tostão furado do testamento do filho prodígio, vai armar uma fila na porta da Terra do Nunca e cobrar uma fortuna prometendo ao público o último moonwalk do garoto. É só o que falta.

sábado, junho 20, 2009

RACISMO, PRECONCEITO E O APARTHEID

No ano de 2005 meu mano Claudio Falcão adquiriu no sebo de dois grandes amigos um livro indicado por eles sobre o infame regime do Apartheid. Ao venderem-lhe o livro eles alertaram-lhe quanto a existência de anotações do antigo dono ao longo da obra. O livro é bom, mas o que mais nos impressionou foram os comentários feitos pelo antigo dono, que revelou-se um resoluto racista pelo teor de suas anotações. Claudio mostreu-me o livro, e eu o estimulei a escrever sobre essa questão. Ele, então, convocou-me às canetas e o resultado é o texto que publicamos juntos agora.

--

O apartheid: poder e falsificação histórica, é o título do livro escrito pela francesa Marianne Cornevin e editado pela Unesco em 1979. O livro conta o absurdo do apartheid, seu funcionamento e suas origens. Ao longo do texto a autora faz pesadas e fundamentadas criticas ao regime do que imperou na África do Sul até 1990. A obra reflete as criticas mundiais e o início do movimento internacional que levou ao fim deste regime execrável.

O antigo proprietário do livro comprado no sebo tinha um hábito, comum a muitas pessoas, de comentar as ideias expostas no texto original, criticar e argumentar com o autor em anotações no final das páginas.

O verme (vamos nos referir ao indivíduo sempre por este adjetivo) era, definitivamente, um imbecil, um preconceituoso e um defensor ardoroso da segregação racial. Certamente, uma mentalidade obtusa, encantada pelos pressupostos de teorias pseudo-científicas como o determinismo geográfico e o darwinismo social. Para provar isso vamos reproduzir alguns trechos do livro e os respectivos comentários feitos por ele.

O primeiro comentário, feito logo na capa do livro, é o seguinte:

Esta é uma obra absurda pelo contra-senso de seus argumentos pretendendo condenar os atos de um povo que conquistou seus direitos com o próprio sangue. Esta autora deve ser uma fanática comunista, ou uma liberal vendida aos interesses do comunismo internacional, que no momento luta para conquistar as riquezas do sul da África, usando a bandeira dos direitos humanos da negritude. Felizmente não passa de um sonho, um sonho tolo.

Na contra-capa o verme faz o seguinte comentário:

Sistema muito usado na leitura periódica da Enciclopédia Soviética - reescrever a história de acordo com os interesses do momento. Aliás já estão aplicando este sistema aqui no Brasil, na tentativa de reescrever nossa história, maculando a memória de nossos antepassados - tal como Domingo Jorge Velho - o vencedor da "república" dos Palmares. Ali ele liquidou a negrada que tentava se arvorar em fundadores de uma república negra. Que os brancos, orgulhosos de sua condição como tal, não se deixem engodar por tais idiotices.

No primeiro capitulo o livro mostra, através de dados e informações arqueológicas, o óbvio: que os negros ocupavam o sul da África muito antes dos brancos europeus chegarem. Na página 79 o verme faz o seguinte comentário:

Muito bem, admitamos que os negros tenham chegado primeiro. E dai? Os nossos índios também estavam aqui antes de nós, mas a terra foi ocupada pelos nossos antepassados brancos por direito de conquista. E quem vai contestar esse direito? O mesmo se aplica a África do Sul.

O verme desqualifica a autora com um comentário que só não omitimos para que todos tenham noção de como, verdadeiramente, trata-se de um estúpido. A besta-fera diz o seguinte:

Essa autora, como uma boa francesa, naturalmente, deve dormir com algum negro. As mulheres francesas tem dado ao mundo inúmeros exemplos desta tendência a deitar com negros, faz parte da sua mente devassa.

Na página 140, no último paragráfo a autora diz, com absoluta razão e quase profeticamente, o seguinte:

Os ventos da história mudaram desde Soweto. Os brancos deixaram de ser os senhores absolutos da história da África do Sul. Embora o poder governamental pareça assegurado por muitos anos, o negros já ergueram a cabeça. Afastaram o sentimento de inferioridade que constituia sua fraqueza. A pressão internacional apenas acelerará a sua emancipação inevitável.

Então o verme escreve o último comentário que publicaremos para não cansar os leitores, ou não provocar o vômito em outros:

Será mesmo? Isto é o que desejam, mas não o que será. E, então, ficará provado inexoravelmente a superioridade dos brancos sobre os negros. Não é número que conta, mas o valor, como sempre aconteceu os brancos sempre serão os vencedores. Esta autora é uma sonhadora (...) Os negros ergueram a cabeça? Pois é, ergueram para que seja mais fácil decepá-la. Os negros jamais conseguirão dominar a África do Sul. Os brancos da Rodésia eram somente 250000 e davam surras memoráveis nos negros, que eram 6 milhões. De uma vez, apenas 72 brancos atacaram 5000 negros e mataram 1200, tendo somente do seu lado 5 feridos. Agora, imaginemos 5 milhões de brancos, dispostos a tudo, contra 17 milhões de negros. Será ou não será uma sopa?

Para nossa felicidade, a história nos mostrou que o verme estava errado!!!!

Ao ler esses comentários, quisemos não acreditar no absurdo das suas idéias. Mas o que nos assustou, o que nos arrepiou, foi saber que o antigo dono (o verme), era um juiz aposentado, morador do bairro da Tijuca, no Rio de janeiro, sujeito de classe média alta. Por ocasião do seu falecimento a família vendeu para diversos sebos a sua biblioteca, e foi assim que o livro chegou até nossas mãos.

É inevitável refletirmos sobre qual teria sido o destino de negros que tenham tido o azar de serem julgados em qualquer tribunal do país por este crápula. Publicamos este comentário afim de mostrar como o preconceito e a intolerância ainda existem. Para que não restem dúvidas e para provar que essa história absurda não é uma inveção de nossas férteis mentes, colocamos as imagens das anotações feitas pelo verme. Veja, você, leitor, com os próprios olhos.

Basta clicar aqui no link abaixo para ver as fotos na publicação do texto no blog do Claudio Falcão:

http://geogordo2.blogspot.com/2009/06/racismo-preconceito-e-o-apartheid.html


Quem quiser ver o livro é só falar com ele.

terça-feira, junho 09, 2009

PAPO DE SUBURBANO - RÉ NO KIBE

- Fala aí, fiel! Tranquilidade?

- Beleza!.. E tu, braço? Como é que é? Maré mansa?

- Na fé de Zambi, irmão.

- Pô, parceiro, foi bom a gente se esbarrar que eu tava querendo desenrolar um papo contigo, sacou?

- Fala, aí, cumpadi. Qual é a letra?

- Pô, tá ligado no Fábio, aquele gordo, parece até uma jamanta?

- Quem, o Fabolinha?

- Esse Zé Roela mermo...

- Qual foi, parceiro?

- Então. Tá ligado que ele é tchola, né?

- Sei, pô! Ré no kibe direto lá no matagal do lote 15...

- Então. O maluco chegou pra mim te esplanando...

- Ih, alá!.. Qual foi, braço?

- É...

- Coé? Dá o papo aí, cumpadi!

- Então. Tava no bar do Geraldo com uma mulezinha que eu descolei numa situação lá em Honório...

- Ahan. E aí?

- E aí que a tchola do Fabolinha chegou na parada e ficou me olhando.

- E aí, malandro?! Qual a esplanação, pô?

- Então... Então que eu estufei o peitoral e mandei pra ele: "Qual foi?"

- E a tchola, falou o que?

- Aquele gordo, sabe que a gente é parceiro, chegou junto e falou que tu era o novo faz-me rir das tcholas lá do matagal.

- Ih, alá!

- E que tu tava pagando direto pra pegar geral...

- Caralho! Que esculacho!

- E não foi dichavado, não, parceiro. Geral no bar ouviu a esplanação dele, que aquela bicha é escandalosa à vera.

- Pô! Esse viado tá querendo morrer, é?

- Não sei... Não sei, cumpadi. Só sei que eu ronquei pra ele que isso era vacilação.

- E aí?

- E aí que ele mudou a letra começou a me dar mole! Falou pra eu não dar moral pra quenga e partir pro matagal com ele, tá ligado?

- Ah, não fode? E tu não pranchou ele, não, parceiro?

- De mão aberta, no pé da orelha. Ele bolou, mas não caiu. Ainda tentou roncar pra cima de mim.

- E tu deu outra?

- Então. Dei, mas essa foi de mão fechada, no meio dos cornos, pra ele deixar de ser otário!

- Aquele Zé Roela!.. Tu arrancou, pelo menos, um melado da nareba?

- Ahan. Ainda ia dar uma terceira pra você, que tu sabe que eu fecho contigo, mas a rapaziada do Geraldo, que tem contexto com a gente, segurou a onda, chegou no deixa disso, e eu botei esse galho dentro.

- Pô, tá maneiro. Mas o infeliz ainda esculachou até a tua mulezinha, hein...

- Então, fiquei como? Boladão, né! Pô, pode ser quenga mas tá comigo, pô!

- Mas, chega aí... Chapa quente, ela?

- Quem?

- A mulezinha de Honório?

- Pô, o bagulho é doido, malandro!

- Pô, coé, cumpadi. Tem mais nessa fonte?

- Então. Tem, pô! É só chegar!

- Coé, cumpadi! Me leva nessa situação em Honório aí, parceiro!

- Então. Já é, pô! A gente marca.

- Demorô!

- Vou nessa, então, cumpadi.

- Valeu, braço! A gente marca essa parada.

- Valeu, então. Partiu!

- Partiu!

segunda-feira, junho 08, 2009

ENCONTRO DE TRÊS IRMÃS

Não é sempre que isso é possível para elas nos dias de hoje. Mas no último sábado, motivo para lágrimas de muita emoção e alegria, essas três irmãs nascidas em Bacaxá, distrito de Saquarema, na região da Baixadas Litorãneas do Rio de Janeiro, se encontraram novamente. Elvira Porto (93), Odila Porto (89) e Océlia Porto (79), esta última, minha avó, mãe de meu pai, são personagens fundamentais da minha história, com participação ativa na minha infância e na formação do meu caráter.


Da esquerda para a direita: Océlia, Odila e Elvira.



Aqui, Odila (sentada) e Elvira (de pé) se encontram.


De todos os muitos momentos bonitos que a família viveu nesse último sábado, dia 6 de junho, na comemoração dos 30 anos de minha irmã, completados no dia 31 de maio, esse foi o que mais me emocionou.

Contarei mais sobre o evento suburbano do último sábado em breve.

Abraços e até!

terça-feira, junho 02, 2009

A MÍDIA E O DIMENSIONAMENTO DAS TRAGÉDIAS

O controle da circulação das principais informações veiculadas em todo o planeta pertence a um número muito restrito de agências de notícias. Entre elas, destacam-se grupos como o conglomerado anglo-canadense Thomson Reuters, o grupo francês AFP, a agência espanhola EFE, o grupo norteamericano UPI além da BBC e outras poucas agências de grande porte. Muitos jornais apenas reproduzem o que essas agências divulgam. Suas notícias são capazes de influenciar decisões financeiras, empresariais e até decisões políticas e governamentais. Não resta dúvida de que essa capacidade de controlar a produção e a circulação das notícias confere grande poder a essa mídia que, de forma quase invariável, a utiliza segundo seus anseios e seus interesses.

E um dos diversos exemplos desse uso parcial da informação pelas grandes agências de notícia é dimensionamento das tragédias. Grandes tragédias, em geral, envolvem a perda de várias vidas, ou pelo menos de uma vida. Então, a questão que se exibe é: como dimensionar uma tragédia? Será pela quantidade de vidas perdidas? Ou pela "qualidade" dessas vidas?

Do ponto de vista da quantidade o mundo já viveu diversas tragédias. O holocausto, as grandes guerras, a epidemia AIDS na África, as tsunamis são grandes tragédias. O Stalinismo, com seu saldo de milhões de mortos, também gerou uma tragédia. O massacre secular dos indígenas americanos, que foi um verdadeiro holocausto sem direito a lista de Schindler, também foi uma tragédia. Todas com muitas mortes. Do ponto de vista da "qualidade", o mundo também já viveu algumas tragédias. Só no século 20, o assassinato de pessoas como Francisco Ferdinando, John Kennedy, Indira Ghandi e Yitzhak Rabin, entre outros, mudaram o curso da história, seja em âmbito nacional ou internacional.

Eu, que sou um humanista, não pretendo estabelecer comparações entre tragédias atribuindo maior ou menor valor a elas. Pretendo, apenas, demonstrar como a grande mídia valoriza demais determinadas tragédias enquanto despreza outras que envolveram tantas vidas quanto as primeiras. Ou seja, que a mídia, de modo geral, dimensiona as tragédias muito mais pela "qualidade" das vidas perdidas do que pela quantidade. Os exemplos que temos a seguir, mais ou menos recentes e típicos da imprensa brasileira, exemplificam bem o que estou afirmando.

Dois estados Brasileiros viveram tragédias recentemente, associadas ao excesso de chuvas, ou seja, a catastrofes naturais, além de problemas de infraestrutura urbana. São eles, o Estado de Santa Catarina e o estado do Piauí. A cobertura dada às duas tragédias, de dimensões semelhantes, é absolutamente discrepante. Santa Catarina esteve nas capas dos jornais durante semanas na época em que se abateu a tragédia sobre o estado. Um destaque muito menor foi dado aos eventos que assolaram o Piauí, onde além das mortes, muitas pessoas ficaram desabrigadas e diversos povoados simplesmente desapareceram. A razão para essa cobertura diferencial está na "qualidade" da população atingida.

No Piauí, os mortos e desabrigados fazem parte de um Brasil que não é central, que é mulato e mestiço, descendente muito mais de índios e africanos do que de brancos europeus. São os nordestinos pobres que levam o governo a gastar dinheiro com programas assistencialistas como Bolsa Família, Fome Zero, ProUni etc., e não ter verbas para construir um museu Guggenheim em São Paulo ou no Rio de Janeiro. São os nordestinos que tem parentes superlotando as metrópoles do sudeste onde são vistos apenas nos canteiros de obras, nas portarias ou nos departamentos de manutenção e limpeza das grandes empresas. Ou seja, quem morre no Piauí é gente menos importante, cuja morte comove menos a classe média metropolitana que lê jornal e vê telejornal, é gente que não é notícia.

Em Santa Catarina, os mortos e desabrigados fazem parte de um Brasil central, de um povo que é branco, em sua maioria, louro de olhos claros, descendente de europeus, vistos como os únicos capazes de civilizar o Brasil, a esperança redentora de uma nação forjada com base na escravidão e no massacre de milhões de índios. São os catarinenses, que podem ter entre seus mortos uma menina cuja beleza se enquadra nos rígidos padrões da moda internacional e que a fatalidade impediu de se tornar uma nova super top model. São os catarinenses pobres e os muitos catarinenses de classe média e alta que tiveram suas vidas arruinadas por construir em áreas de encostas ou vales fluviais desmatados tornando-se vítimas dos deslizamentos de terra e do transbordamento de rios assoreados.

Para mim, o valor das duas tragédias é o mesmo. Lamento por todas as pessoas e por todo o sofrimento delas. Minha crítica é à imprensa que, por se identificar muito mais com os catarinenses do que com os nordestinos e saber que a identificação geral de seu público é a mesma, veste-se de todos os seus preconceitos e retrata de forma desproporcional tragédias semelhantes.

Quando se trata da morte de crianças a comoção das pessoas é, em geral, maior do que quando se trata de adultos ou, principalmente, de idosos. Mas o tratamento dado a morte de uma criança pobre, moradora de favela por exemplo, é sempre menos dramático do que ao que é dado a morte de uma criança rica ou de classe média e alta.

Se a polícia troca tiros com bandidos em uma favela e um dos tiros mata uma criança, a notícia virá, mas acompanhada daquela conotação de senso comum, da ideia de violência banalizada, de guerra urbana, de traficantes armados contra polícia mal treinada, mal remunerada e, por vezes assassina etc. Em pouquíssimo tempo a manchete desaparece. O mesmo vale para os casos de violência dos pais com os filhos, pobres, é claro.

As proporções que tomam os casos de violência contra crianças de classe média e alta são muito maiores. O caso de Isabella Nardoni, em que muitos fatos levam a sociedade a crer que a menina foi jogada pela janela do apartamento pelo próprio pai, passou pelo menos dois meses sendo acompanhado de perto pela imprensa brasileira e as novidades processuais ainda são discutidas com a maior presteza. Isabella e outras meninas de classe média e alta, com suas fotografias estampadas nos telejornais, lembram os filhos da classe média e alta de todo o país, o que os comove com mais facilidade os que compram jornais e assistem telejornais. Elas são mais notícia do que as crianças pobres de favela.

Para mim, o valor das duas tragédias é o mesmo. Lamento por todas as crianças e por todo o sofrimento delas. Minha crítica é à imprensa que, por se identificar muito mais com a classe média do que com moradores de favela e saber que a identificação geral de seu público é a mesma, finge, quase sempre, uma tristeza pela morte das crianças de favelas - quando, em verdade, comemora menos um recruta do tráfico em um futuro próximo - e retrata de forma desproporcional tragédias semelhantes.

Um acidente aéreo sempre tem muito mais repercussão do que os acidentes rodoviários. Claro, eles são mais raros e quase nunca deixam sobreviventes, é verdade. Mas não é pela quantidade de mortos que eles ganham notoriedade maior. Os acidentes rodoviários em conjunto matam muito mais do que os acidentes aéreos. Mas há, quase sempre, grande diferença social entre quem morre nas estradas e quem morre em acidentes aéreos.

Os editores que selecionam o que se noticia nos jornais e telejornais, quando viajam para locais distantes, o fazem de avião ou de ônibus? Quando ocorre uma tragédia aérea de grandes proporções, uma das informações mais buscadas pela imprensa é a lista com os nomes dos passageiros. Há passageiros ilustres? Políticos? Empresários? Artistas? É com essa classe que os formadores de opinião se identificam, e não com as classes que frequentam os ônibus de viagens nas estradas brasileiras. Quando, por exemplo, ocorre um acidente envolvendo dois ônibus numa estrada, com mais de 50 mortos, não há a mesma cobertura. Geralmente não há ilustres para procurar nas listas de mortos. Em pouquíssimo tempo o caso é esquecido.

Para mim, o valor das duas tragédias é o mesmo. Lamento por todas as vidas perdidas e por todo o sofrimento dos familiares. Conheço pelo menos duas pessoas que perderam familiares no mais recente acidente aéreo. Minha crítica é à imprensa que, por se identificar muito mais com os passageiros de avião do que com os de ônibus e saber que a identificação geral de seu público é a mesma, atribui maior valor ao desastre aéreo, e retrata de forma desproporcional tragédias que ceifam quase o mesmo número de vidas.

Esse mecanismo que dimensiona tragédias não foge, portanto, ao mesmo mecanismo comercial de sempre onde o produto, no caso, é a informação e a sua venda está submetida ao tratamento dado à notícia e a relevância dela para o seu público alvo. É assim também quando morrem adolescentes, um da zona sul e outro do subúrbio; quando carros são roubados, um na zona sul e outro no subúrbio; quando prédios são invadidos, um na zona sul e outro no subúrbio etc., etc., etc...

sexta-feira, maio 29, 2009

ALI KAMEL E O EXÉRCITO BRASILEIRO

Texto extraído de email enviado pelo mestre Nei Lopes.

--------------------------------------------------------

Estimados Amigos,

Hoje pela manhã, meu quartel recebeu, para fazer parte do seu acervo de livros que devem ser lidos, o livro de Autoria de Ali Kamel, "Não Somos Racistas", que foi reeditado pela editora Biblioteca do Exército (BIBLIEX). Fui informado que todos os quartéis do Exército no Brasil irão receber este livro para ser lido pelos militares.

Sou militar, amo a minha profissão, entretanto, não posso me calar diante de um retrocesso financiado pelo dinheiro público, pois esses livros editados e doados aos quartéis têm financiamento do dinheiro público e demonstra uma incoerência com as Políticas Públicas que reconhecem a existência, indubitável, do racismo no Brasil e procura adotar ações para rechaçar qualquer forma de discriminação étnico-racial.

Não posso deixar que pessoas, de intenções desconhecidas, aproveitem a condição do nosso glorioso Exército, o qual eu tenho imenso orgulho de envergar sua farda, para desconstruir fatos e desinformar pessoas sobre a verdadeira realidade do nosso País.

Todos ganham quando há debates sobre como solucionar os verdadeiros óbices da grande Nação brasileira, entretanto para que haja os debates, tem que ser conhecidos os verdadeiros problemas e não camuflados e velados.

Por fim, espero que alguém amenize o retrocesso que essas doações com o dinheiro público podem causar a Nação brasileira.

Forte abraço,

Marinho.


-------------------------------------------------------------


Nossa opinião:

Quando um homem ligado ao mais alto escalão do jornalismo da Rede Globo apresenta uma associação, ou mesmo uma convergência de ideias com o exército brasileiro, eu sou forçado a me lembrar dos anos, de chumbo, que eu felizmente não vivi, e a temer pela Nação Brasileira e o seu futuro.

terça-feira, maio 12, 2009

RAPIDINHAS SUBURBANAS

Ando trabalhando pra caralho. Correção de provas, elaboração de testes, seleção e produção de textos, enfim, vendendo minha força de trabalho ao grande capital. Por isso ando sem tempo de escrever algo original por aqui. Deixo, então essas rapidinhas vividas na manhã de hoje.

--------

Na sala de aula

Meus alunos do primeiro ano do ensino médio acharam, em geral, que a prova bimestral teve o mesmo nível de um teste psicotécnico. Ou seja, só se fode o indivíduo que é maluco ou burro pra caralho. E, de fato, a prova foi fácil. Mas eu descobri que, se não estou dando aulas pra malucos, tem uns caras burros pra caralho no meu alunado.

Entrei em sala, hoje, em Ipanema, depois de uma aula de matemática. E o clima entre os alunos era do tipo: acabou a aula de uma matéria difícil e começou a aula de uma matéria mongol. E eles simplesmente se recusaram a calar a boca diante da minha presença durante os primeiros cinco minutos. Fiquei mudo, olhando para a turma e aguardando o hormônio do "simancol" fazer efeito naqueles adolescentes demoníacos. Demorou, mas o hormônio agiu. Quando obtive silêncio total, disse pra eles o seguinte:

- Meu próximo teste será surpresa, como sempre, e com ele eu vou arrancar a cabeça de vocês à unhadas e guardar os poucos miolos pra comê-los, podres, na ceia de Natal.

Poucas vezes tive uma aula tão tranquila e participativa como hoje.

--------

No táxi

Peguei um táxi pra Tijuca. Na altura da esquina da Maracanã com a José Higino, pedi que o motorista entrasse à direita. Esqueci da orientação que deveria passar a seguir e, meio em cima, pedi pra ele entrar na primeira à esquerda, a Maria Amália. O taxista fez a manobra magistralmente.

Então, o malandro, cascudo, com pinta de 20 mil anos de praça, me perguntou:

- Essa aqui é a Maria José, não é?

E eu, suburbanissimo, respondi.

- Não. A Maria José fica lá em Campinho. Essa aqui é a Maria Amália.

Com ar de surpreso, ele comentou:

- É verdade!

E depois de dizer algo sobre a confusão que fez, me disse o seguinte:

- Mas, pô... poucas vezes eu vi um garoto da Tijuca como você conhecer uma rua como a Maria José.

E, em seguida, me perguntou:

- Você conhece bem o subúrbio?

Eu só disse:

- Ô...

--------

Até!

sexta-feira, maio 08, 2009

E SILVIO CACCIA BAVA DISSE TUDO...

SINAIS DE INSTABILIDADE POLÍTICA

Por Silvio Caccia Bava - em Le Monde Diplomatique Brasil - Maio de 2009.

Não demorou muito para que surgissem perguntas da parte de quem paga impostos. De onde saiu tanto dinheiro para socorrer o sistema financeiro, se os compromissos assumidos pelos governos dos países mais industrializados com a erradicação da pobreza, como os Objetivos do Milênio, não conseguiram mobilizar sequer uma pequena fração dos recursos destinados a socorrer os bancos?

A comparação de alguns números sustenta essa perplexidade. Segundo um recente estudo publicado pelo IPS - Institute for Policy Studies, de Washington, para socorrer os bancos e seguradoras foram destinados mais de US$ 4 trilhões. Esse valor é 40 vezes maior do que os recursos destinados a combater a pobreza e as mudanças climáticas no mundo. Os US$ 152,5 bilhões destinados a socorrer a seguradora AIG superam, de longe, os US$ 90,7 bilhões que os EUA e os europeus somados destinaram à ajuda para o desenvolvimento em 2007.

As grandes empresas capitalistas perderam algo como US$ 30 trilhões neste ano de 2009 com a desvalorização das ações nas bolsas de valores. Não tenham dúvidas que elas tentarão recuperar, ao menos em parte, essas enoremes perdas. E a mobilização dos recursos públicos por parte dos governos, recursos provenientes do pagamento de impostos, é parte da estratégia para salvar essas riquezas acumuladas, principalmente, por meio da especulação.

Associada a essa perplexidade está a angústia e o medo daqueles que se apercebem da extensão da crise. As previsões dos melhores especialistas não veem a luz no fim do túnel. E não se sabe quantos recursos mais terão de ser mobilizados para sustentar esses gigantes de pés de barro, que se aproveitaram da convência dos Estados para operar especulativamente num verdadeiro cassino mundial.

A crise tem um enorme custo social: o aumento da pobreza e do desemprego. A OIT estima que, só em 2009, mais de 50 milhões de trabalhadores perderão o emprego. Os recursos públicos destinados a salvar o sistema financeiro exigirão cortes no orçamento das políticas públicas e nas verbas destinadas a combater o aquecimento global. Nos países mais pobres, a fome ronda como uma ameaça cada vez mais assustadora. Os imigrantes passarão a ser ainda mais discriminados e perseguidos nos países que antes os acolhiam para fazer o "trabalho sujo" que seus cidadãos não valorizavam.

É preciso considerar que tudo isso ocorre em um cenário de intensa concentração de renda e crescente desigualdade. Os 20% mais ricos do mundo se apropriam de 82,7% da renda, enquanto os dois terços mais pobres ficam com apenas 6%. Nos últimos 30 anos a diferença entre ricos e pobres mais do que duplicou. Enquanto o Goldman Sachs paga 1% de impostos, o cidadão comum entrega ao Estado entre 30 e 40% da renda de seu trabalho.¹

Uma das novidades geradas pela crise é que ela coloca à mostra, para conhecimento público, as entranhas de um sistema que não consegue mais esconder nos paraísos fiscais e nos meandros burocráticos da administração o seu caráter de classe. Nunca ficou tão claro o papel do Estado no cenário neoliberal.

Obama reconhece, em seus últimos pronunciamentos, que o cidadão está ficando bravo. Que esta situação pode gerar instabilidade política e institucional. A Grécia emitiu os primeiros sinais de mobilização social contra essa apropriação dos recursos públicos pelo sistema financeiro. Na crise de 1929 foram preciso de dois a três anos para que a população saísse às ruas em defesa dos seus direitos. Hoje é de esperar que esse tempo seja substancialmente menor.

E assim se abre, outra vez, o campo das possibilidades históricas. O mais provável é que esta crise provoque uma ainda maior concentração de poder e de riqueza, uma vez que não há, no momento, atores políticos que possam contra-arrestar essa tendência. O que acaba por fortalecer ainda mais o poder dos EUA. Há indicações, que são congruentes com o comportamento de Obama nas últimas semanas, de que as elites econômicas tomam a dianteira e "começam a convergir para uma solução global, do tipo socialdemocrata", como sinaliza Waden Bello.²

José Luis Fiori nos alerta também que "se a crise se prolongar por muito tempo, deverão se multiplicar as rebeliões e as guerras civis, sobretudo nas zonas de fratura do sistema mundial. E não é impossível que algumas desta rebeliões se recoloquem objetivos socialistas"³.

1. Ladislau Dowbor. "A crise financeira sem mistérios: convergência dos dramas econômicos, sociais e ambientais"; www.cartamaior.com.br, 11/02/2009.
2. Walden Bello. "Novo consenso capitalista está em gestação"; em Sin Permisso, 13/01/2009.
3. José Luis Fiori. "Crise longa e profunda atuará como "tsunami darwinista", em www.cartamaior.com.br, 03/03/2009.