segunda-feira, julho 19, 2010

PAPO RÁPIDO

Ultimamente tem sido assim.
Só tem dado tempo para um papo rápido, com raras exceções.

§ Ando preparando uma aula de África que, sinceramente, está me animando. A concepção teórica está pronta. Os alunos lerão o texto "A África inventada", de Leila Leite Hernandez e responderão a perguntas com base nos argumentos do texto. Depois debateremos as questões em sala. Espero que funcione. A introdução às questões ficou assim:

O racionalismo, que emerge como método de produção do conhecimento no século XVI e se consolida nesta posição entre a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX, constituiu um “saber moderno” que se revestiu de legitimidade científica para compreender, explicar e universalizar o processo histórico. Entretanto, este saber é formado “por visões de mundo, auto-imagens e estereótipos que compõem um ‘olhar imperial’ sobre o universo". Partindo dessa premissa, analise as questões propostas a seguir e apresente argumentos presentes no texto para respondê-las.

§ Está disponível na internet o vídeo com a turma do Irajá cantando o samba "Mas quem disse que eu te esqueço", de D. Ivone Lara e Hermínio Belo de Carvalho. Comovente a atuação firme do Tio Tonga, irmão do mestre Nei Lopes, nos pratos. O vídeo pode ser visto aqui.

§ Lucimar foi, dia desses, à casa de mamãe, onde almoçou e esteve com D. Almerinda, uma senhora com mais de 80 anos, amiga de mamãe há quase meio século. Com Daniel no colo, D. Almerinda ficou espantada com a força do meu rebento. Segurar o garoto é troço difícil. Ele faz muita força pra ir pro chão, onde faz merdas homéricas. A espevitada e sapeca, D. Almerinda saiu com uma sacanagem - e ela fala muita sacanagem - que deixou minha senhora roxa de vergonha. Disse do Daniel assim:

- Ele tem uma força! Isso é porque teu marido fez ele com força! Teu marido tem sangue português? Isso é coisa de português!

É mole?

Abraço e até!

quinta-feira, julho 15, 2010

QUEM VAI DIZER AO IBGE QUE É PRETO?

Neste ano de 2010 o Brasil fará mais um grande Censo Demográfico através do IBGE. Entre as inúmeras questões da pesquisa, estará aquela que há muito se faz presente: você é branco, preto, pardo, amarelo ou indígena? Democraticamente, a questão abre a possibilidade ao questionado para optar por não declarar nada.

O processo é de auto-declaração. Não é o recenseador, baseado em suas concepções e - quem sabe? - em seus preconceitos, quem escolhe a opção a ser marcada. É o entrevistado, livremente.

A formação primordial do nosso povo, baseada na miscigenação afro-íbero-ameríndia, favorece uma categoria especial: a dos pardos. Os pardos surgem da mistura entre europeus, africanos e indígenas, nas suas várias combinações possíveis. É difícil mesmo pensar em brasileiros que não sejam pardos, com exceção dos indígenas que mantêm vínculos de casamento exclusivamente dentro das aldeias e dos migrantes que chegaram ao Brasil recentemente e seus descendentes.

No entanto, a afirmação das identidades etnico-culturais produz a valorização, às vezes a supervalorização, das demais categorias. Por isso é impossível debater essa questão sem passar pelo campo das subjetividades, da forma como as pessoas se vêem - ou desejam ser vistas - e os hábitos, valores e crenças que defendem e cultivam.

Em uma análise objetiva, direta, os brasileiros brancos seriam as pessoas que são exclusivamente descendentes de europeus. Ou seja, filhos de pai e mãe europeus, ou netos cujos quatro avós são europeus, ou ainda bisnetos cujos oito bisavós são europeus, e assim sucessivamente. A mesma lógica seria válida para pretos, amarelos e indígenas. Se há mistura, recai-se sobre o grupo dos pardos, sob esse ponto de vista objetivo.

No entanto são as subjetividades que comandam esse processo de auto-definição e enquadramento em categorias de cor. E é nesse ponto que encontramos os caminhos para as distorções da realidade de cor no país. Principalmente pelos frutos deixados pelo histórico de escravidão do negro, do massacre ao índio, do preconceito contra o amarelo e das vantagens sociais dos brancos sobre os demais.

A afirmação histórica da superioridade do branco nos deixou como herança o desejo de sermos brancos. Afinal, ser branco, muito mais do que remeter ao "berço", à fidalguia, afasta as pessoas das origens "bárbaras", "selvagens", dos "não-civilizados" daqui e da África. Por isso mesmo mais da metade - 53,8% - dos brasileiros declararam ser "brancos" no último censo realizado em 2000. Um número 2% maior que o do censo de 1991.

Não é possível imaginar que, em 2000, mais de 91 milhões de brasileiros fossem 100% euro-descendentes, aqueles com 2 pais, ou 4 avós, ou 8 bisavós europeus. É evidente que isso não é verdade. No entanto é fácil entender porque tantos mestiços preferem se ver como brancos num país onde isso sempre foi sinônimo de prestígio e superioridade social.

Por outro lado, para os negros, o IBGE pergunta: você é preto? A pesquisa é sobre cor. E a cor é, realmente, preta. Portanto, não há aqui nenhuma intenção em criticar a metodologia da pesquisa. Mas é preciso ter em mente que "preto", no Brasil, é mais do que uma cor. É xingamento corriqueiro nas ruas desse país onde o racismo se esconde sob o manto espesso do mito da democracia racial.

Por isso, muito além de ter dois pais, ou quatro avós, ou oito bisavós pretos, é preciso muita auto-estima para se dizer que é preto ao recenseador do IBGE. Nessa hora é até confortável a caldeira dos pardos. Talvez por isso mesmo apenas 6,2% dos brasileiros tenham se definido como "pretos" no censo de 2000, ou seja, 10,5 milhões de brasileiros, aproximadamente.

É possível que o número de pretos seja parecido com esse mesmo, segundo aqueles critérios objetivos que demonstramos. Mas se avaliarmos as subjetividades, quantos brasileiros se declarariam pretos e não se declaram por não desejarem reforçar por vontade própria a inferioridade que lhes é imposta diariamente pela sociedade com seu racismo mascarado?

Os números dos dois últimos censos estão na imagem abaixo, tirada do site do próprio IBGE, para quem quiser analisar.


Acredito que muita gente se define com base no predomínio da cor da pele. Mestiços mais claros definem-se como brancos porque acham realmente que são brancos enquanto mestiços mais escuros definem-se como pretos porque acham realmente que são pretos. E que assim seja, que a democracia se faz com liberdade de expressão, inclusive para a declaração - ou não declaração - de cor.

Mas farei minha declaração baseada na análise da minha história familiar ou genealógica, como queiram.

Dos meus 8 bisavós, dois são brasileiros descendentes de algumas das famílias mais tradicionais e conservadoras de Minas Gerais: os Rezende e os Dutra de Moraes. Ambas têm origem açoreana. As duas, repletas de coronéis, barões e latifundiários de brasão e amigos influentes. O conservadorismo dessas famílias limita bastante as chances de terem ocorrido miscigenações com pretos e indígenas. Meu avô materno, filho desse casal, enfrentou o racismo dos ancestrais quando escolheu casar-se com uma mulher de cor preta.

Com essa mulher, surgem meus dois bisavós pretos. Minha afro-descendência mais direta. Mesmo sem ter conhecido nenhum desses ancestrais, parece que foi deles que herdei a maior parte dos meus gostos. Afinal eu gosto mesmo é de samba, capoeira e de macumba.

Pelo lado paterno tenho outros dois bisavós europeus, um português e uma espanhola. Meu avô paterno, filho desse casal, era um brasileiro ibérico, portanto e papai é 50% assim também. E os últimos bisavós são brasileiros, um filho de portugueses (da família Porto) e outra mestiça, com mãe indígena.

Portanto são cinco euro-descendentes, dois afro-descendentes e um ameríndio-descendente. E eu me reconheço como fruto dessa mistura que formou o nosso povo. Nessas condições, não há outra opção a marcar senão a dos pardos.

No entanto, quando nasci, constava na declaração do hospital que eu era branco, sem prévia consulta aos meus pais. O mesmo ocorreu com meu filho, igualmente sem que eu e minha mulher fôssemos consultados. Minha esposa, apesar da pele claríssima, também tem afro-descendência. Seu pai era primo de Nei Lopes, que é sambista, escritor, historiador, filólogo, lexicógrafo e um dos maiores pan-africanistas do Brasil, além defensor das ações afrimativas para os negros no nosso país.

Isso demonstra que embora raças não existam geneticamente, a noção de raça opera em nossa sociedade e que as pessoas identificam raças nas outras pessoas. E é dessa identificação racial que nasce a possibilidade do racismo, da atitude discriminatória que, históricamente, atingiu majoritariamente os negros desse país.

Mas a pergunta que se exibe no título permanece. Quem vai dizer ao IBGE que é preto? De 1991 para 2000, o número de "pretos" aumentou em função da clara busca por valorização da identidade afro-brasileira conduzida pelo movimento negro do país. De 2000 pra cá tivemos todo um conjunto de discussões que abarcaram essa identidade, especialmente às ligadas às cotas para negros nas universidades públicas. Mais do que discussões, tivemos oito anos de políticas públicas federais comprometidas com a reparação das desigualdades criadas pela escravidão.

Diante disso surgem mais questões. Será que essas dicussões foram suficientes para trazer mais negros para a defesa das ações que afirmam sua identidade? Será que se produziu uma elevação da auto-estima dos negros do país? Teremos mais brasileiros se reconhecendo como pretos em 2010?

A conferir. Até!

sexta-feira, julho 09, 2010

PAPO RÁPIDO

§ Difícil a vida do sujeito que é professor numa semana de fechamento de notas, especialmente quando a esposa e o filho bebê não ficam firmes na saúde. Os dois arriados de gripe têm dado um trabalhão.

§ Você percebe que o nosso modelo de sociedade fracassou quando um dos "eventos culturais" mais frequentados - por ricos tanto quanto por pobres - inclui uma apresentação denominada "Surra de Bunda".

§ Comemorarei nesse fim de semana o encerramento da - interminável - correção de testes e trabalhos dos alunos enchendo a caveira de forma industrial enquanto vejo as finais da Copa do Mundo.

§ Torcerei pela Espanha já que me é inadmissível torcer para a Holanda na África do Sul. Que ela seja campeã em qualquer outro lugar, menos lá. E aqui também não, é evidente.

§ Assistirei com indiferença a sarrafascada entre Alemanha e Uruguai. Até torceria pela Alemanha mas depois da declaração de Lahm de que nós sulamericanos não sabemos perder, decidi não apoiá-los. E não torcerei pelo Uruguai já que acho que isso devia ser crime no Brasil pelo menos desde 1950.

E tenho dito. Até!

quarta-feira, julho 07, 2010

PAPO RÁPIDO

§ Lamentável a forma como o goleiro Bruno sairá do Flamengo, no camburão, para as garras da justa, depois de mandar matar, desossar e ocultar sob concreto os ossos da ex-amante Elisa Salmudio, modelo e atriz pornô com quem ele teve um filho. Preferia que ele tivesse saido há tempos, antes de estragar a vida da moça, a própria vida e deixar essa mácula ao Fla. Nunca gostei do infeliz.

§ Escrevi dia desses no twitter que tenho dificuldades de respeitar alguém que torce pela seleção de futebol do Uruguai. A questão é simples: nenhum outro selecionado causou dor tão atroz ao povo brasileiro. Nem a Itália em 82. Acho a dor do Maracanazzo, dentro de casa, mais intensa do que a do Sarriá. Posso sentí-la. No entanto eu tenho tido dificuldades de torcer para a Holanda, embora desde os dois primeiros jogos eu a apontasse como finalista entre os meus. Isso porque acho que vai ser de uma sacanagem histórica muito grande a vitória da Holanda na África do Sul. Acabei torcendo um pouquinho pela Celeste, como fez muita gente que conheço.

§ A noite de hoje desenha-se como mais uma daquelas de clarividência coletiva, onde será possível ver a alma do subúrbio e, até mesmo, incorporá-la. O subúrbio desencarnou faz tempo e o corpo apodrece na superfície com alguns poucos saudosos chorando seu velório e outros, uns abutres, consumindo o que lhe restou de matéria. Mas a alma está viva! E vai baixar de novo no Irajá hoje à noite. Saravá!

P.S.: Vejo nessa escalada do Uruguai em 2010 um troço perigosíssimo para o Brasil. Acredito na força dos vizinhos do sul. Creio mesmo que o Maracanazzo pode se repetir em 2014. Mas nisso eu não quero nem pensar.

Até!

sábado, julho 03, 2010

O SUBÚRBIO É SÓ ALMA

O corpo agoniza e apodrece. As ruas são as mais esburacadas e as menos iluminadas. O Estado parece completamente ausente. Andar por seus caminhos no negrume da noite é experiência de apreensão, no mínimo, pra ser bastante eufemista. Há tempos que o corpo do Sertão Carioca agoniza de abandono e descaso.

Mas sua alma parece resistir.

O telefone toca na casa do suburbano. O cunhado faz aniversário. E o convite é para um lanchinho em Irajá. Tijuca, Noel Rosa, Jacaré, Del Castilho, Inhaúma, Engenho da Rainha, Thomás Coelho, Vicente de Carvalho e, finalmente, Irajá. Chegamos.

Mesas abertas, conversa fiada e o "lanchinho" no balcão. Saca só a escalação:

Costelinha de porco, Moela, Mocotó e Batata calabresa. Jiló com bacon, Sopa de ervilha e Caldo de sururu. Tudo em panela de 10 litros com reposição pra noite toda.

DVD do Dudu Nobre rolando solto, e quando eu cheguei ele cantava uns sambas do João da Bahiana. Rolou também um Zeca, que a casa é de Brahmeiro, amor!

Me perguntaram: trouxe o 7 cordas?

Fui buscar na mala do carro. Armaram o barraco com cavaco, pandeiro, tan-tan e tamborim, além do violão e do meu 7 cordas.

E fez-se o Samba do Irajá. Autêntico, espontâneo, improvisado, sem repertório programado e, graças aos deuses, sem purismo! Do jeito "missa campal do povo brasileiro", como diz o caboclo Aldir Blanc (saravá!), com o povo cantando em volta.

A alma está viva! Está viva!