terça-feira, dezembro 18, 2007

"E A CIGARRA QUANDO CANTA, MORRE..."

Dois gigantes do samba, da música popular brasileira, Paulo César Pinheiro e João Nogueira, registraram no penúltimo verso do monumental samba “Minha Missão” essa que é uma das lendas que fez e faz parte do imaginário suburbano e de outras bandas também. Reza a lenda que a cigarra, de tanto cantar, explode, e acaba mortinha da silva, provavelmente presa à casca de uma árvore.

Os mais antigos, sempre mais sabidos do que os mais moços, também dizem que, quando a cigarra canta muito num fim de tarde, prenuncia a vinda de um dia ensolarado na alvorada vindoura. E tal sabedoria sempre se confirmou. Pelo menos nos tempos em que eu via a chegada de Vesper ao som das suas cantorias no Engenho da Rainha, a estrela matutina trazia uma manhã brilhantemente ensolarada.



Me lembro de um sábado de verão da minha infância em que saí pela rua catando as cigarras mortas com o Zelão, um garoto que tinha mâe rica e não ficou muito tempo pelas bandas do subúrbio. Acho que foi morar na Barra, o infeliz. Catamos uma vinte “cigarras mortas”. Fizemos isso porque o Zelão, que era reencarnacionista aos 10 anos de idade, queria me provar que elas - as cigarras - “desencarnavam” e reencarnavam.

Depois da peregrinação, ele falou repleto de seriedade:

- Tá vendo, Diego. Elas Morrem e deixam o corpo, mas a alma vai embora, segue o caminho.

Eu, que tinha os dois pés atrás com essa história, perguntei pro Zelão se ele acreditava que a cigarra poderia ser tão leve quanto aquelas que tínhamos em nossas mãos. Perguntei mas já tinha certeza de que não, não era possível. Aos sete anos, no meu primeiro dia de férias, em 9 de dezembro de 1989, saí pra jogar futebol com os colegas e voltei pra casa com uma fratura grau 3 (quase exposta) na Tíbia, outra, de grau 2, no Perônio e um deslocamento na área de crescimento, que por sorte e pelo excelente atendimento que recebi do Dr. Claudio, no Hospital Geral de Bonsucesso, não me deixou manco, no estilo “ponto e vírgula”. Passei os três meses do verão com a perna direita engessada e um ano de castigo, proibido de jogar futebol.

Quebrei a perna porque quando voltava pra casa, resolvi escalar um morrinho de pedras atrás do bloco 8, e, no meio do trajeto, fui abordado por uma cigarra, que girou umas sete vezes ao redor da minha cabeça, passando sempre muito próximo ao meu rosto. Como sempre tive nojo de insetos, pulei da pedra onde estava, sem calcular que a altura passava de 6 metros, e acabei caindo com um péssimo apoio de perna, fraturando meus ossos violentamente.

Expus minha certeza de que aquilo não era possível ao Zelão, mas ele rebateu-me com um argumento surpreendente...

- O peso da cigarra está na alma, Diego. Quando a alma sai, o corpo fica leveigual a esses aqui, ó! Tá vendo esse buraquinho nas costas dela? É por onde a alma sai...

Fui me afastando de fininho e deixei o Zelão falando com as cigarras. Nunca mais procurei por ele.Tinha certeza de que estava no mundo das drogas e meu pai me dizia que meninos assim não eram boa companhia.

Neste fim de tarde tijucano, as cigarras cantam. Se esguelam, as coitadas. Tanto que parece que vão morrer de cantar. Eu, de férias, espero que elas não me desiludam amanhã e tragam uma alvorada claríssima, repleta de sol.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

PRIMEIRO ANIVERSÁRIO

Foi precisamente no dia 17 de dezemro de 2006, portanto há um ano atrás, que nasceu o Geografias Suburbanas. É provável que isso seja motivo de felicidade apenas para mim, mas isso é o que importa. Afinal, o trabalho de escrever e publicar é todo meu, e se assim for o júbilo por esta data, nada pode ser mais coerente.
Com as postagens, exercitei a escrita, e escrever é algo que sempre gostei de fazer – e descobri que faço bem. Expus minhas idéias, exercendo minha cidadania mais plenamente. Fiz amizade e até inimizades – ambas, inesperadas. Recebi uma média de 1000 visitas por mês, a maioria de desconhecidos, mas também de amigos e alguns alunos. Não é nenhum recorde mas – confesso – jamais vislumbrei tal visibilidade para meus escritos.
Para celebrar esta data, reformei o visual do blog e estou criando a sessão “ Há Um Ano Atrás...”, onde se verá o link do texto publicado na mesma data, do ano anterior. Hoje, esta sessão traz o texto “Muito Além das Cordas de Aço”, publicado em homenagem ao meu avô José Moreira, malandro e sambista. Espero ter tempo e paciência para manter essas atualizações em dia.
E trago este post especial, com o video “ O Samba Pede Pasagem”, que fiz em homenagem ao blog, ao Samba, aos Sambistas e ao Subúrbio. Nele, relembro velhos bambas e faço meu tributo aos mestres dos dias atuais, que embalam o Subúrbio com sua Trilha Sonora Oficial.

Certamente muitos sambistas farão falta neste video mas nossa maior homenagem será guardá-los na memória e cantar seus sambas nas rodas onde mantemos vivo o Axé dessa Cidade. Em “O Samba Pede Passagem” são lembrados 80 gigantes do samba. São eles – na ordem em que aparecem no video:
Noel Rosa, Pixinguinha, Donga, Heitor dos Prazeres, João da Bahiana, Tia Ciata, Zé Espinguela, Paulo da Portela, Padeirinho, Benedito Lacerda, Ary Barroso, Ataulfo Alves, Assis Valente, Dilermando Reis, Ismael Silva, Zé com Fome, Vassourinha, Wilson Batista, Geraldo Pereira, Bide e Marçal, Mário Reis, Alcides Histórico, Aniceto do Império, Anescarzinho, Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Clementina de Jesus, Dolores Duran, Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, Henricão, Jackson do Pandeiro, Jacob do Bandolim, Herivelto Martins, Waldir Azevedo, Dino 7 Cordas, Hélio Delmiro, Baden Powell, Guilherme de Brito, Manacéia, Monsueto, Silas de Oliveira, Zé Kéti, Dona Ivone Lara, Jamelão, Monarco, Noca da Portela, Roberto Silva, Ciro Monteiro, Dorival Caymmi, Candeia, Moreira da Silva, Jair do Cavaco, Wilson Moreira, Nei Lopes, Vinícius de Moraes, Nelson Sargento, Walter Alfaiate, Roberto Ribeiro, Nelson Rufino, Chico Buarque, João Bosco, Aldir Blanc, Moacyr Luz, Paulo César Pinheiro, Clara Nunes, Beth Carvalho, Alcione, João Nogueira, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Délcio Carvalho, Claudio Jorge, Martinho da Vila, Luiz Carlos da Vila, Almir Guineto, Wilson das Neves e Zeca Pagodinho.
Este filme é um presente para este blog, mas que, certamente, será um presente para todos os que são amantes do samba, das batucadas de bamba e do Subúrbio do Rio. Em breve, publico-o aqui.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

EXISTE VIDA APÓS NOVEMBRO!

Pois é, queridos. Essa é a conclusão a que chego depois da inacreditável jornada que o vestibular impôs aos candidatos e, obviamente, aos professores, que, como eu, ralam pra ajudar a essa garotada a passar nas provas. O calendário foi impressionante e só acabou agora em dezembro nesse último domingo. Puxado pra cacete. Saca só:

11/11/2007 - UFRJ - Não-específica.
15/11/2007 - UFF - Não-específica. Quinta, bem no feriado...
18/11/2007 - UNIRIO - Não-específica.
25/11/2007 - UFRJ - Específica.
01/12/2007 - UERJ - Específica.
08/12/2007 - UFF - Específica.

Foram seis provas em menos de trinta dias. Aula em cima de aula. Alunos e mais alunos. Dúvidas e mais dúvidas. Cansaço e mais cansaço.

O famoso "pacotão" me fez abandonar parcialmente os alunos de colégio. Mas não dá pra fugir da coreção das provas do quarto bimestre e das provas finais que todos são obrigados a fazer. Então, como se já não bastasse o pacote - de aulas - encarei também dezenas de pacotes - de provas pra corrigir. Foram 600 provas corrigidas em meio a esse turbilhão de aulas.

Dá pra entender porque o Geografias Suburbanas ficou mudo em Novembro?

sexta-feira, outubro 19, 2007

PROJETO PARA O MARACANÃ - 2014

Os especuladores não perdem tempo. Depois da palhaçada e da roubalheira que foi o Pan-Americano, agora a idéia é trazer a copa do mundo para o Brasil. Antes de tudo: sou apaixonado por futebol, pelo Maracanã, pelo subúrbio e sua gente, com seus hábitos, que também são os meus. Mas não acho uma boa idéia termos a copa do mundo aqui na Terra Brasilis. É claro que eu gostaria de ver uma final de copa no Maior do Mundo. Seria uma grande realização pessoal. Mas sabendo do que vem por trás (literalmente) fico o contra o fato de termos a copa aqui. O que vem por trás é de foder! Foder o povo, que pagou a conta do Pan, e não viu a bazófia dos especuladores pois ela foi escondida por baixo dos panos. Com a Copa não será diferente. Talvez seja pior.

O projeto para o Maracanã inclui a reforma do estádio, o que parece bom, mas olhando os projetos, a ânsia de vômito é inevitável. Além dos projetos loucos de reforma feitos por arquitetos porras-loucas - mas ultra modernos, segundo eles mesmos e a escumalha da Barra - a reforma da região do Maraca inclui construção de dois condomínios e um Centro Comercial - mais um shopping, a casa do consumo. Vejam o que pretendem fazer, os especuladores de merda, com o glorioso.


Uma merda. Parece a nave espacial da Xuxa. Esse X cruzando o teto do estádio é suspeito pra cacete. Além disso, em vários lugares do mundo, a experiência de cobrir o teto do estádio foi um fracasso, gerando vários problemas como o encarecimento da manutenção do estadio - alguém duvida da ânsia da empreiteiras? - e os problemas para a qualidade da grama, que deixa de receber a água natural das chuvas. Sem contar que com essa cobertura vai ficar quente pra caralho lá dentro.

De interessante, o projeto tem apenas a idéia do estacionamento sobre a linha férrea, já que estacionamento é algo que falta na região. Em dia de jogo no Maior do Mundo, a região fica sempre intransitável. Piora com os carros parados em cima das calçadas, dificultando também a circulação das pessoas que precisam andar pelas ruas. Se alguém estiver de cadeira de rodas, certamente terá que passar pelo meio da rua. A integração entre o trem e o Metrô do Maracanã também está prevista, mas, convenhamos, nós não precisamos esperar até a copa de 2014 pra cobrar essa obra tão simples.

No entanto, construir condomínios e shoppings é o que dá dinheiro. Facilitar a vida do povo que trabalha na região, que estuda na UERJ, mas mora longe, na Baixada por exemplo, é secundário. Foda-se o povo e a estação intermodal. Se a Copa vier talvez a estação saia pois vai ser mais uma obra pra lavar o dinheiro sujo que vai sustentar mais essa palhaçada. Vejam o projeto para o entorno.



Eu, amante do futebol e do Maraca, desde já manifesto minha opinião contra as aberrações a que pretendem submeter o Gigante Glorioso, uma das maiores maravilhas do mundo, no coração do Subúrbio do Rio!

domingo, outubro 14, 2007

TRADIÇÕES SUBURBANAS

Não há um hábito mais belo e mais suburbano do que o papo em família ou entre amigos. Já tinha comentado isso aqui quando demos - leiam - um pulo no Irajá. E foi exatamente isso o que fiz nesse feriadão. Quinta-feira, depois de uma jornada pesada de trabalho em sala de aula, me senti mal e fui pra casa. Um sufoco pra conseguir alguém que encarasse o restante da minha jornada, que terminaria às dez e meia da noite, depois de mais quatro horas de aulas pesadas - estamos na reta final!

Bati um fio pra minha velha mãe. Pouco depois ela chegava aqui em casa, cruzando o subúrbio, do Engenho da Rainha até a Tijuca, onde moro. E só foi embora hoje, no fim da tarde. Nesses dias, nós cultivamos o papo em família.

Minha mãe tem algo de especial, que me emociona. Antes de tudo, ela é minha mãe, pô! Se eu não me emocionasse só em vê-la eu seria um merda. Mas a velha tem uma coisa que me comove muito mais: é a sabedoria dos antigos.

Sua memória para as coisas práticas do cotidiano é pífia. Não guarda o nome de ninguém, não sabe o aniversário de ninguém, sempre troca letras de músicas - e ela erra com convicção quando canta! Essas coisas. Mas essa mesma memória foi capaz de registrar histórias e mandingas - tradições suburbanas do "tempo de Don Don" - que fizeram e fazem parte do meu dia-a-dia até hoje.

Exemplifico.

Aqui em casa nunca se pendura par de meias lavadas com a boca virada pra baixo. A tradição diz que, com os pés-de-meia dispostos desse jeito, não há quem consiga juntar algum dinheiro, ainda que sejam só uns trocados.

Aqui em casa também não se vê sapato amarrado com o dono descalço. Jamais! Os antigos diziam que tal descuido amarra os caminhos do sujeito, limitando seu progresso na vida.

Respeito essas tradições que aprendi e continuo aprendendo. Há quem diga que é tudo, apenas, superstição. Pois bem. Mas se isso faz parte da minha cultura, da minha formação, algo que certamente vem sendo transmitido há muitos anos através de várias gerações - no velho estilo dos irmãos da diáspora - não pretendo abandonar ou subverter nenhuma dessas tradições, em favor de uma pretensa superioridade intelectual.

Exatamente porque é a cultura - parte constitutiva também dos intelectuais - que possui a primazia de nos tornar únicos, e de nos identificar em coletividades de pequena escala, num mundo onde tudo, no campo da cultura, caminha para a uniformização, para a homogeneização e para a pobreza, por conta da ação das forças hegemônicas, contra as riquezas da diversidade cultural - a única obra que a coletividade humana, em sua totalidade, de fato, conseguiu construir.

Um Abraço Solidário!

segunda-feira, outubro 08, 2007

CULTURA DE GOOGLE. DE QUEM É A CULPA?

Quando entrei no primeiro período de faculdade de geografia da Uerj, fiz um curso de História Econômica Geral. O professor, ao nos passar a bibliografia, foi logo questionado pelo Andrezinho, um daqueles alunos que, desde o primeiro dia de aula, todos sabiam que militaria em grupos de orientação marxista. O Andrezinho perguntou pro professor porque não havia nenhum texto escrito pelo Marx naquela bibliografia. O professor argumentou que nem sempre é necessário recorrer às fontes diretas, mas que vários dos textos da bibliografia eram influenciados pelo pensamento econômico marxista, e que, portanto, estaríamos em contato com as informações necessárias para a compreensão dos conteúdos que nos deveriam ser transmitidos em um curso desse tipo.

Claro. Imagine se tivéssemos que ler tudo o que foi escrito por Ratzel, La Blache, Humboldt, Ritter, Lacoste, Rochefort, Raffestin, Harvey, Milton Santos e outros autores de obras importantes e emblemáticas para saber alguma coisa de geografia? Todos estes, e outros autores, produziram conhecimentos importantes para a geografia moderna (ou para as geografias pós-modernas, como diria Harvey). Suas obras são fundamentais e em muitos casos são revolucionárias pois transformaram radicalmente o pensamento geográfico. Mas ter contato com todas elas é algo complicado, que consome muito tempo de estudo e, quase sempre, muito dinheiro pra comprar tantos livros. Não é pra qualquer um.

Por isso algumas obras de pesquisadores que se dedicam exclusivamente a esses estudos mais aprofundados podem construir painéis sintéticos que permitam ao leitor o contato com a essência do que foi produzido pelos autores mais importantes, reunindo os conceitos e os temas de maior relevância em cada área. É isso. Podemos conhecer a essência do pensamento marxista sem ter lido os textos escritos pelo velho barbudo.

Porém nada impede ao leitor que busque confrontar as idéias apresentadas pelos pesquisadores com os originais. É uma questão que depende do interesse de cada um sobre os assuntos. No entanto, se o trabalho do pesquisador for superficial, tiver erros, distorções ou manipulações das idéias originais, o leitor só poderá fazer essa crítica se conhecer os originais. No caso de um curso universitário, cabe ao professor orientar seus alunos nesse sentido, pois dele espera-se esse conhecimento e essa capacidade crítica.

O problema que surge com a internet, para essas questões, é que cresce de modo rápido e incontrolável o número de resumos de livros, trabalhos de pesquisa, textos e resenhas sobre os mais diversos assuntos. E a facilidade de acesso a essas informações através dos sites de busca como o Google, gera uma situação perigosa, especialmente quando se trata de informações científicas, seja no caso da geografia, da história, das ciências matemáticas ou no campo biomédico, já que nem sempre as informações publicadas são, de todo confiáveis.

E um dos reflexos mais claros dessa situação está nos estudantes da educação fundamental e do ensino médio. Estes garotos e garotas nascidos na sociedade da informação vêm utilizando a internet como principal fonte de pesquisa. Google e Wikipédia são consultados sem reservas pelos alunos que, seduzidos pela rapidez, copiam e colam textos obtidos através desses sites, sem a preocupação de uma análise mais crítica. Livram-se dos trabalhos e partem para o lazer. É fácil, é prático, mas é arriscado.

O problema vai além. Até mesmo os jornais de grande circulação, como O Globo, já mostraram várias vezes a sua capacidade de publicar informações sem uma pesquisa mais cuidadosa. Na terça-feira, dia 02/10, o Ancelmo Góis publicou uma nota irônica n’O Globo afirmando que o curso em que leciono teria feito uma proposta de redação onde os alunos deveriam escrever uma carta ao capitão Nascimento, personagem do filme Topa de Elite, o maior fenômeno de pirataria dos últimos anos, lançado nos cinemas nesta última sexta-feira. Ancelmo deixou seus leitores entenderem que o curso estaria estimulando o consumo da pirataria ao elaborar tal proposta em seu simulado dominical.

No entanto, o que Ancelmo não soube (por que não quis saber, que fique claro!) é que a proposta foi baseada em cinco textos publicados pelo mesmo jornal que o emprega, onde vários pontos de vista sobre o filme eram expostos por jornalistas, atores e leitores que tiveram acesso à obra. Além disso, o livro que deu origem ao filme já está publicado faz um tempo. No ano passado uma companheira de Ancelmo atribuiu ao capoeirista Besouro Magangá, ou Mangangá para outros, os versos de Fita Amarela, samba do Noel Rosa. Um erro grotesco, advindo quase certamente de uma pesquisa mal feita no Google.

Mas de quem é a culpa? Do Google? Acho que não. Há quem tenha preconceito contra os usuários dessa máquina de busca exatamente porque ela é o canal usado pela maioria desses pragmáticos que, por conta da preguiça intelectual, copiam qualquer informação sem uma pesquisa mais aprofundada. No entanto, deve-se ressaltar que há também os usuários que buscam confirmar as informações obtidas, fazendo pesquisam mais cuidadosas.

Por isso não acho que a culpa seja do Google mas, exatamente do sujeito que está de frente pra tela. Cabe a ele selecionar o que serve e o que não serve. Já li coisas muito boas no site Wikipédia mas também já li asneiras deploráveis. E isso vale pra tudo. Recentemente encontrei um velho amigo. Aliás, encontrei vários nas últimas semanas. Ele me disse que não iria à Bienal do Livro e listou as aberrações que eu encontraria por lá. Um radical. Convencido de que mesmo diante de tantos problemas eu encontraria algo de bom, fui. E fui no último dia, repleto de promoções.

É verdade que a Bienal parecia um shopping. Lotada, crianças histéricas em filas gigantes para pegar autógrafos de gringa autora de livro 'Teen', comidas e bebidas caríssimas... uma lástima. Não posso deixar de mencionar o mercado religioso que dominou, no somatório, quase um terço do espaço da feira. Livrarias evangélicas e esotéricas aos montes; Chico Xavier, uma celebridade. Encarei a visita como a tarefa árdua de um garimpeiro. E achei jóias preciosas.

Morri em umas trezentas pratas bem gastas aproveitando algumas das melhores promoções em compras que me deixaram muito satisfeito. Destaque para o livro do Manuel Castells, A Sociedade em Rede e para o livro do Décio Freitas, Palmares: A Guerra dos Escravos. Comprei os dois no estande da editora Paz e Terra aproveitando o desconto de 50%. De 110 reais, paguei 55 pratas pelos dois, sendo que só o do Castells custava 75 no preço original. E o livro é um tratado sobre a globalização, uma daquelas obras que se tornam fundamentais, daqueles autores fundamentais, mas que às vezes só podemos ler se nos sobram tempo e algum dinheiro.

É por isso que eu acho que a mediocridade não está no Google ou na Wikipédia, mas em quem consulta estas ferramentas e como o faz. O mesmo vale para a Bienal. Não importa o que ela apresenta em seu aspecto global. Conta aquilo que cada um busca de especial dentro desses universos múltiplos, e nos dois casos sempre é possível encontrar algo de bom. Ser radical ao extremo, nesses casos, pode nos tornar involuntariamente cegos.

Um Abraço Solidário!

terça-feira, outubro 02, 2007

LULA NA ONU

Faz muito tempo que o Brasil tem o privilégio de realizar o primeiro discurso na Assembléia Geral da ONU, o que reflete a importância da diplomacia brasileira, que vem, desde os tempos do Barão do Rio Branco, obtendo conquistas no caminho da paz e dos acordos diplomáticos.



Comentei tal fato em sala, hoje, citando o recente discurso do Lula no órgão. Disse à eles:


- Queridos, há anos que o Brasil abre a assembléia geral da ONU, o que nos confere posição de destaque e reconhece a diplomacia de paz que orienta nossa política externa. Na semana passada o Lula fez o discurso de aber...


Fui interrompido por gritos, zumbidos, reclamações de todos os tipos. Parei a aula. Perguntei quem tinha lido o discurso do Lula. Sabendo a resposta, concluí que as manifestações de contrariedade vinham do preconceito contra o governo do operário, nordestino, analfabeto e populista. Respondi:

- Para que se tenha autoridade intelectual para criticar o que quer que seja, é necessário saber do que se trata. Nesse caso, vocês, antes de falarem qualquer coisa, devem ler o texto do discurso na íntegra e depois tirar suas conclusões, sem deixar-se manipular pela grande imprensa que os rodeia.

Eis a íntegra do discurso do Presidente Lula na Assembléia Geral da ONU, em 2007.
Senhoras e senhores delegados,

Cumprimento-o, senhor secretário-geral, por ter sido escolhido para ocupar posição tão relevante no sistema internacional. Saúdo sua decisão de promover debates de alto nível sobre o gravíssimo problema das mudanças climáticas. É salutar que essa reflexão ocorra no âmbito das Nações Unidas. Não nos iludamos: se o modelo de desenvolvimento global não for repensado, crescem os riscos de uma catástrofe ambiental e humana sem precedentes. É preciso reverter essa lógica aparentemente realista e sofisticada, mas na verdade anacrônica, predatória e insensata, da multiplicação do lucro e da riqueza a qualquer preço.

Há preços que a humanidade não pode pagar, sob pena de destruir as fontes materiais e espirituais da existência coletiva, sob pena de destruir-se a si mesma. A perenidade da vida não pode estar à mercê da cobiça irrefletida. O mundo, porém, não modificará a sua relação irresponsável com a natureza sem modificar a natureza das relações entre o desenvolvimento e a justiça social. Se queremos salvar o patrimônio comum, impõe-se uma nova e mais equilibrada repartição das riquezas, tanto no interior de cada país como na esfera internacional.


A eqüidade social é a melhor arma contra a degradação do Planeta. Cada um de nós deve assumir sua parte nessa tarefa. Mas não é admissível que o ônus maior da imprevidência dos privilegiados recaia sobre os despossuídos da Terra. Os países mais industrializados devem dar o exemplo. É imprescindível que cumpram os compromissos estabelecidos pelo Protocolo de Quioto.


Isso contudo não basta. Necessitamos de metas mais ambiciosas a partir de 2012. E devemos agir com vigor para que se universalize a adesão ao Protocolo. Também os países em desenvolvimento devem participar do combate à mudança do clima. São essenciais estratégicas nacionais claras que impliquem responsabilidade dos governos diante de suas próprias populações.


O Brasil lançará em breve o seu Plano Nacional de Enfrentamento às Mudanças Climáticas. A Floresta Amazônica é uma das áreas que mais poderão sofrer com o aquecimento do Planeta, mas há ameaças em todos os continentes: elas vão do agravamento da desertificação até o desaparecimento de territórios ou mesmo de países inteiros pela elevação do nível do mar.


O Brasil tem feito esforços notáveis para diminuir os efeitos da mudança do clima. Basta dizer que, nos últimos anos, reduzimos a menos da metade o desmatamento da Amazônia. Um resultado como este não é obra do acaso. Até porque o Brasil não abdica, em nenhuma hipótese, de sua soberania e nem de suas responsabilidades sobre a Amazônia.


Os êxitos recentes são fruto da presença cada vez maior e mais efetiva do Estado Brasileiro na região, promovendo o desenvolvimento sustentável – econômico, social, educacional e cultural – de seus mais de 20 milhões de habitantes. Estou seguro de que nossa experiência no tema pode ser útil a outros países. O Brasil propôs em Nairobi a adoção de incentivos econômico-financeiros que estimulem a redução do desmatamento em escala global.


Devemos aumentar igualmente a cooperação Sul-Sul, sem prejuízo de adotar modalidades inovadoras de ação conjunta com países desenvolvidos. Assim, daremos sentido concreto ao princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.
É muito importante o tratamento político integrado de toda a agenda ambiental. O Brasil sediou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92. Precisamos avaliar o caminho percorrido e estabelecer novas linhas de atuação. Por isso, proponho a realização, em 2012, de uma nova Conferência, que o Brasil se oferece para sediar, a Rio + 20.
Senhoras e Senhores,


Não haverá solução para os terríveis efeitos das mudanças climáticas se a humanidade não for capaz também de mudar seus padrões de produção e consumo. O mundo precisa, urgentemente, de uma nova matriz energética. Os biocombustíveis são vitais para construí-la. Eles reduzem significativamente as emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, com a utilização crescente e cada vez mais eficaz do etanol, evitou-se, nesses 30 últimos anos, a emissão de 644 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.


Os biocombustíveis podem ser muito mais do que uma alternativa de energia limpa. O etanol e o biodiesel podem abrir excelentes oportunidades para mais de uma centena de países pobres e em desenvolvimento na América Latina, na Ásia e, sobretudo, na África. Podem propiciar autonomia energética, sem necessidade de grandes investimentos. Podem gerar emprego e renda e favorecer a agricultura familiar. E podem equilibrar a balança comercial, diminuindo as importações e gerando excedentes exportáveis.


A experiência brasileira de três décadas mostra que a produção de biocombustíveis não afeta a segurança alimentar. A cana de açúcar ocupa apenas 1% de nossas terras agricultáveis, com crescentes índices de produtividade. O problema da fome no Planeta não decorre da falta de alimentos, mas da falta de renda que golpeia quase um bilhão de homens, mulheres e crianças. É plenamente possível combinar biocombustíveis, preservação ambiental e produção de alimentos.
No Brasil, daremos à produção de biocombustíveis todas as garantias sociais e ambientais.


Decidimos estabelecer um completo zoneamento agroecológico do País para definir quais áreas agricultáveis podem ser destinadas à produção de biocombustíveis. Os biocombustíveis brasileiros estarão presentes no mercado internacional com um selo que garanta suas qualidades sóciolaborais e ambientais. O Brasil pretende organizar em 2008 uma conferência internacional sobre biocombustíveis, lançando as bases de uma ampla cooperação mundial no setor. Faço aqui um convite a todos os países para que participem do evento. A sustentabilidade do desenvolvimento não é apenas uma questão ambiental, é também um desafio social. Estamos construindo um Brasil cada vez menos desigual e mais dinâmico.


Nosso país voltou a crescer, gerando empregos e distribuindo renda. As oportunidades agora são para todos. Ao mesmo tempo em que resgatamos uma dívida social secular, investimos fortemente em educação de qualidade, ciência e tecnologia. Honramos o compromisso do Programa Fome Zero ao erradicar esse tormento da vida de mais de 45 milhões de pessoas.
Com dez anos de antecedência, superamos a primeira das Metas do Milênio, reduzindo em mais da metade a pobreza extrema no nosso País. O combate à fome e à pobreza deve ser preocupação de todos os povos. É inviável uma sociedade global marcada pela crescente disparidade de renda. Não haverá paz duradoura sem a progressiva redução das desigualdades.


Em 2004, lançamos a Ação Global contra a Fome e a Pobreza. Os primeiros resultados são animadores, principalmente a criação da Central Internacional de Compra de Medicamentos.
Meus amigos e minhas amigas,


A Unitaid já conseguiu reduções de até 45% nos preços dos medicamentos contra a Aids, a malária e a tuberculose destinados aos países mais pobres da África. É hora de dar-lhe um novo impulso. Idéias que tanto mobilizaram nossos povos não podem perder-se na inércia burocrática. Mas a superação definitiva da pobreza exige mais do que solidariedade internacional. Ela passa, necessariamente, por novas relações econômicas que não penalizem os países pobres.


A Rodada de Doha da OMC deve promover um verdadeiro pacto pelo desenvolvimento, aprovando regras justas e equilibradas para o comércio internacional. São inaceitáveis os exorbitantes subsídios agrícolas, que enriquecem os ricos e empobrecem os mais pobres. É inadmissível um protecionismo que perpetua a dependência e o subdesenvolvimento. O Brasil não poupará esforços para o êxito das negociações, que devem beneficiar sobretudo os países mais pobres.
Senhor Presidente, senhor Secretário-Geral,


A construção de uma nova ordem internacional não é uma figura de retórica, mas um requisito de sensatez. O Brasil orgulha-se da contribuição que tem dado para a integração Sul-Americana, sobretudo no Mercosul. Temos atuado para aproximar povos e regiões, impulsionando o diálogo político e o intercâmbio econômico com os países árabes, africanos e asiáticos, sem abdicar de nossos parceiros tradicionais.


Criamos – Brasil, África do Sul e Índia – um foro inovador de diálogo e ação conjunta, o IBAS. Temos realizado inclusive projetos concretos de cooperação em diversos países, a exemplo do que fizemos no Haiti e em Guiné-Bissau.


Todos concordamos ser necessária uma maior participação dos países em desenvolvimento nos grandes foros de decisão internacional, em particular o Conselho de Segurança das Nações Unidas. É hora de passar das intenções à ação. Notamos, com muito agrado, as recentes propostas do presidente Sarkozy, de reformar o Conselho de Segurança, com a inclusão de países em desenvolvimento.


Igualmente necessária é a reestruturação do processo decisório dos organismos financeiros internacionais. Senhor Presidente, As Nações Unidas são o melhor instrumento para enfrentar os desafios do mundo de hoje. É no exercício da diplomacia multilateral que encontramos os meios de promover a paz e o desenvolvimento. A participação do Brasil, em conjunto com outros países da América Latina e do Caribe, na Missão de Estabilização no Haiti simboliza nosso empenho de fortalecer o multilateralismo.


No Haiti, estamos mostrando que a paz e a estabilidade se constróem com a democracia e o desenvolvimento social. Senhoras e Senhores, Ao entrar neste prédio, os delegados podem ver uma obra de arte presenteada pelo Brasil às Nações Unidas há 50 anos. Trata-se dos murais “Guerra” e “Paz”, pintados pelo grande artista brasileiro Cândido Portinari.


O sofrimento expresso no mural, que retrata a guerra, nos remete à alta responsabilidade das Nações Unidas de afastar o risco de conflitos armados. O segundo mural revela que a paz vai muito além da ausência da guerra. Pressupõe bem-estar, saúde e um convívio harmonioso com a natureza. Pressupõe justiça social, liberdade e superação dos flagelos da fome e da pobreza.


Não é por acaso que o mural "Guerra" está colocado de frente para quem chega, e o mural “Paz”, para quem sai. A mensagem do artista é singela, mas poderosa: transformar aflições em esperança, guerra em paz, é a essência da missão das Nações Unidas.


O Brasil continuará a trabalhar para que essa expectativa tão elevada se torne definitivamente realidade.


Muito obrigado.


Um Abraço Solidário!

terça-feira, setembro 11, 2007

O TREINADOR E AS SELEÇÕES

Desde 2005 eu registro meu contato com os alunos de curso pré-vestibular em fotografias. É algo que está se tornando uma tradição. Gosto de fazer essas fotos. Na certa, daqui a alguns anos ficarei olhando pra essas fotografias, lembrando das turmas, dos bons grupos que têm passado pela minha vida profissional. Entro em sala pra ensinar, mas, definitivamente, eles é que são meus grandes professores.

Cada aula é uma lição, um estímulo a fazer o meu trabalho cada vez mais bem feito. Em curso pré-vestibular o professor assemelha-se mais a um treinador. Repetimos conceitos, preparamos exercícios, resolvemos esses exercícios, corrigirmos os erros para que nas provas, eles lembrem do que passamos e consigam reproduzir os conteúdos satisfatoriamente. Satisfatório é o reconhecimento de nosso trabalho, que recebemos através de inúmeras mensagens agradecidas que chegam após a aprovação dos alunos.

E os alunos assemelham-se mais aos atletas em busca de uma vaga no time principal, na seleção dos aprovados no vestibular. O sacrifício é enorme. Muitos estudam (fazem o terceiro ano do ensino médio e curso), trabalham (passam horas ralando) e, depois de um dia de cansaço, encaram aulas até dez e meia da noite. Este ano estou trabalhando com três turmas de extensivo, à noite. Três seleções de atletas que buscam uma vaga no time principal dos acadêmicos de 2008.

Eis os guerreiros:

TURMA BOTAFOGO. Horário do treino coletivo: toda sexta-feira – 18:15/20:15





TURMA IPANEMA. Horário do treino coletivo: toda segunda-feira – 18:15/20:15





TURMA TIJUCA. Horário do treino coletivo: toda quinta-feira – 18:15/20:15




É um prazer enorme trabalhar com vocês!
Muito sucesso! Um grande abraço!
E até a próxima!

terça-feira, agosto 28, 2007

DEVASTAÇÃO NA SERRA DA MISERICÓRDIA

A Serra da Misericórdia faz parte do complexo granítico do Maciço da Tijuca e está localizada no subúrbio do Rio de Janeiro. Ela está no centro geográfico que separa os bairros de Inhaúma, Engenho da Rainha (ao sul); Del Castilho, Bonsucesso, Ramos e Olaria (a leste); Penha e Brás de Pina (ao norte); e Vila da penha, Vila Kosmos, Vicente de Carvalho e Thomás Coelho (a oeste).

A imagem abaixo (tecnologia Google Earth) revela a devastação que a exploração de granito, presente na região há décadas, está provocando na paisagem da serra. A favelização periférica também é um processo nítido na imagem que se segue, incluindo o famigerado Complexo do Alemão, palco das mais intensas ações policiais desse ano de 2007.



Será que o Estado não vê o que acontece por aqui?

Clique na foto para ver em detalhe.

Um abraço solidário!

segunda-feira, agosto 27, 2007

SER NEGRO NO BRASIL HOJE.

Publicado por Milton Santos, na Folha de São Paulo, em 07/05/2000.

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Há uma freqüente indagação sobre como é ser negro em outros lugares, forma de perguntar, também, se isso é diferente de ser negro no Brasil. As peripécias da vida levaram-nos a viver em quatro continentes, Europa, Américas, África e Ásia, seja como quase transeunte, isto é, conferencista, seja como orador, na qualidade de professor e pesquisador.

Desse modo, tivemos a experiência de ser negro em diversos países e de constatar algumas das manifestações dos choques culturais correspondentes. Cada uma dessas vivências foi diferente de qualquer outra, e todas elas diversas da própria experiência brasileira. As realidades não são as mesmas.

Aqui, o fato de que o trabalho do negro tenha sido, desde os inícios da história econômica, essencial à manutenção do bem-estar das classes dominantes deu-lhe um papel central na gestação e perpetuação de uma ética conservadora e desigualitária. Os interesses cristalizados produziram convicções escravocratas arraigadas e mantêm estereótipos que ultrapassam os limites do simbólico e têm incidência sobre os demais aspectos das relações sociais. Por isso, talvez ironicamente, a ascensão, por menor que seja, dos negros na escala social sempre deu lugar a expressões veladas ou ostensivas de ressentimentos (paradoxalmente contra as vítimas).

Ao mesmo tempo, a opinião pública foi, por cinco séculos, treinada para desdenhar e, mesmo, não tolerar manifestações de inconformidade, vistas como um injustificável complexo de inferioridade, já que o Brasil, segundo a doutrina oficial, jamais acolhera nenhuma forma de discriminação ou preconceito.

Agora, chega o ano 2000 e a necessidade de celebrar conjuntamente a construção unitária da nação. Então é ao menos preciso renovar o discurso nacional racialista. Moral da história: 500 anos de culpa, 1 ano de desculpa. Mas as desculpas vêm apenas de um ator histórico do jogo do poder, a Igreja Católica! O próprio presidente da República considera-se quitado porque nomeou um bravo general negro para a sua Casa Militar e uma notável mulher negra para a sua Casa Cultural. Ele se esqueceu de que falta nomear todos os negros para a grande Casa Brasileira. Por enquanto, para o ministro da Educação, basta que continuem a freqüentar as piores escolas e, para o ministro da Justiça, é suficiente manter reservas negras como se criam reservas indígenas.

A questão não é tratada eticamente. Faltam muitas coisas para ultrapassar o palavrório retórico e os gestos cerimoniais e alcançar uma ação política conseqüente. Ou os negros deverão esperar mais outro século para obter o direito a uma participação plena na vida nacional? Que outras reflexões podem ser feitas, quando se aproxima o aniversário da Abolição da Escravatura, uma dessas datas nas quais os negros brasileiros são autorizados a fazer, de forma pública, mas quase solitária, sua catarse anual?

No caso do Brasil, a marca predominante é a ambivalência com que a sociedade branca dominante reage, quando o tema é a existência, no país, de um problema negro. Essa equivocação é, também, duplicidade e pode ser resumida no pensamento de autores como Florestan Fernandes e Octavio Ianni, para quem, entre nós, feio não é ter preconceito de cor, mas manifestá-lo.

Desse modo, toda discussão ou enfrentamento do problema torna-se uma situação escorregadia, sobretudo quando o problema social e moral é substituído por referências ao dicionário. Veja-se o tempo politicamente jogado fora nas discussões semânticas sobre o que é preconceito, discriminação, racismo e quejandos, com os inevitáveis apelos à comparação com os norte-americanos e europeus. Às vezes, até parece que o essencial é fugir à questão verdadeira: ser negro no Brasil o que é?

Talvez seja esse um dos traços marcantes dessa problemática: a hipocrisia permanente, resultado de uma ordem racial cuja definição é, desde a base, viciada. Ser negro no Brasil é freqüentemente ser objeto de um olhar vesgo e ambíguo. Essa ambigüidade marca a convivência cotidiana, influi sobre o debate acadêmico e o discurso individualmente repetido é, também, utilizado por governos, partidos e instituições. Tais refrões cansativos tornam-se irritantes, sobretudo para os que nele se encontram como parte ativa, não apenas como testemunha. Há, sempre, o risco de cair na armadilha da emoção desbragada e não tratar do assunto de maneira adequada e sistêmica.

Que fazer? Cremos que a discussão desse problema poderia partir de três dados de base: a corporeidade, a individualidade e a cidadania. A corporeidade implica dados objetivos, ainda que sua interpretação possa ser subjetiva; a individualidade inclui dados subjetivos, ainda que possa ser discutida objetivamente. Com a verdadeira cidadania, cada qual é o igual de todos os outros e a força do indivíduo, seja ele quem for, iguala-se à força do Estado ou de outra qualquer forma de poder: a cidadania define-se teoricamente por franquias políticas, de que se pode efetivamente dispor, acima e além da corporeidade e da individualidade, mas, na prática brasileira, ela se exerce em função da posição relativa de cada um na esfera social.


Costuma-se dizer que uma diferença entre os Estados Unidos e o Brasil é que lá existe uma linha de cor e aqui não. Em si mesma, essa distinção é pouco mais do que alegórica, pois não podemos aqui inventar essa famosa linha de cor. Mas a verdade é que, no caso brasileiro, o corpo da pessoa também se impõe como uma marca visível e é freqüente privilegiar a aparência como condição primeira de objetivação e de julgamento, criando uma linha demarcatória, que identifica e separa, a despeito das pretensões de individualidade e de cidadania do outro. Então, a própria subjetividade e a dos demais esbarram no dado ostensivo da corporeidade cuja avaliação, no entanto, é preconceituosa.


A individualidade é uma conquista demorada e sofrida, formada de heranças e aquisições culturais, de atitudes aprendidas e inventadas e de formas de agir e de reagir, uma construção que, ao mesmo tempo, é social, emocional e intelectual, mas constitui um patrimônio privado, cujo valor intrínseco não muda a avaliação extrínseca, nem a valoração objetiva da pessoa, diante de outro olhar. No Brasil, onde a cidadania é, geralmente, mutilada, o caso dos negros é emblemático. Os interesses cristalizados, que produziram convicções escravocratas arraigadas, mantêm os estereótipos, que não ficam no limite do simbólico, incidindo sobre os demais aspectos das relações sociais. Na esfera pública, o corpo acaba por ter um peso maior do que o espírito na formação da socialidade e da sociabilidade.


Peço desculpas pela deriva autobiográfica. Mas quantas vezes tive, sobretudo neste ano de comemorações, de vigorosamente recusar a participação em atos públicos e programas de mídia ao sentir que o objetivo do produtor de eventos era a utilização do meu corpo como negro -imagem fácil- e não as minhas aquisições intelectuais, após uma vida longa e produtiva.

Sem dúvida, o homem é o seu corpo, a sua consciência, a sua socialidade, o que inclui sua cidadania. Mas a conquista, por cada um, da consciência não suprime a realidade social de seu corpo nem lhe amplia a efetividade da cidadania. Talvez seja essa uma das razões pelas quais, no Brasil, o debate sobre os negros é prisioneiro de uma ética enviesada. E esta seria mais uma manifestação da ambigüidade a que já nos referimos, cuja primeira conseqüência é esvaziar o debate de sua gravidade e de seu conteúdo nacional.

Enfrentar a questão seria, então, em primeiro lugar, criar a possibilidade de reequacioná-la diante da opinião, e aqui entra o papel da escola e, também, certamente, muito mais, o papel freqüentemente negativo da mídia, conduzida a tudo transformar em faits-divers, em lugar de aprofundar as análises. A coisa fica pior com a preferência atual pelos chamados temas de comportamento, o que limita, ainda mais, o enfrentamento do tema no seu âmago. E há, também, a displicência deliberada dos governos e partidos, no geral desinteressados do problema, tratado muito mais em termos eleitorais que propriamente em termos políticos. Desse modo, o assunto é empurrado para um amanhã que nunca chega.


Ser negro no Brasil é, pois, com freqüência, ser objeto de um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar predeterminado, lá em baixo, para os negros e assim tranqüilamente se comporta. Logo, tanto é incômodo haver permanecido na base da pirâmide social quanto haver "subido na vida".


Pode-se dizer, como fazem os que se deliciam com jogos de palavras, que aqui não há racismo (à moda sul-africana ou americana) ou preconceito ou discriminação, mas não se pode esconder que há diferenças sociais e econômicas estruturais e seculares, para as quais não se buscam remédios. A naturalidade com que os responsáveis encaram tais situações é indecente, mas raramente é adjetivada dessa maneira. Trata-se, na realidade, de uma forma do apartheid à brasileira, contra a qual é urgente reagir se realmente desejamos integrar a sociedade brasileira de modo que, num futuro próximo, ser negro no Brasil seja, também, ser plenamente brasileiro no Brasil.

quarta-feira, agosto 22, 2007

UM PULO NO IRAJÁ

Tive a felicidade de ir dar um abraço no meu sogro pelo seu aniversário. Uma figura ímpar, o seu Omir de Lima Campos Filho, ou Mizoca, como é conhecido pelos amigos. Nascido no Irajá nos idos da década de 1940, formou-se pedagogo, tornando-se um educador de primeira linha. Já ajudou milhares de alunos a passar para concursos públicos na área de educação. Sempre atualizado, conhece a história da educação brasileira de ponta a ponta, sem ignorar os detalhes da jovem Lei de Diretrizes e Bases (LDB), do final da década de 1990.

Serviu ao exército sem deixar-se idiotizar, sem alienar-se pela ditadura. Trabalhou na Amazônia, na instalação do Projeto Calha Norte de segurança de fronteiras, e conheceu os caboclos dessas terras, aprendendo suas sabedorias. Viveu experiências no Subúrbio do Rio, de arrepiar os cabelos dos mais carecas. Conhece os maiores recantos dessa cidade e da Baixada. Entende mais de boemia do que o Papa entende de missa. E até hoje ele dorme com uma 22 debaixo do travesseiro.

Fizemos, eu e a digníssima, sinal pro amarelinho e partimos pro Irajá. Fomos recebidos com as boas vindas de sempre. Abraços muito fortes, muita gente em plena noite de terça, muitos amigos. No balcão, comida suficiente para alimentar com folga uma divisão inteira de pára-quedistas famintos depois de saltar atrás das linhas de defesa dos alemães na Normandia, em 6 de junho de 1944. É sempre assim. E sempre rola por parte da rapaziada da cozinha aquele exercício de humildade, perguntando se a comida está boa.

Embora a comida seja invariavelmente espetacular, eles sempre dizem que não está bom. Mas quem não come pelo menos 3 pratos só pode estar com a intenção de ofender. Fora isso, é impossível não cair dentro. A carne assada recheada, o conjunto de coxa e sobrecoxa de frango (que tempero!), o feijão, a farofa (deuses, a farofa!), o talharim e até a salada de cenoura com vagem e azeitonas pretas. Tudo imperdível. Laranja partida e manga fatiada pra acompanhar. Doce de banana pra fechar a tampa. Latinhas de Brahma, pra quem é de boa-noite, e litros de coca-cola, pra quem é de bom-dia.

Fora isso, o mais belo hábito suburbano. O bom papo entre amigos, em família, no terreiro que eles chamam de Doce Refúgio, abençoado pelo retrato do mestre Nei Lopes, primo e compadre do velho Mizoca.

Chega o Fagner. Advogado brilhante, talentoso e amigo do Luis Henrique. Formaram-se juntos na Nacional, numa época em que o Caco respirou boemia e inteligência sob o comando da turma desses dois. Além de simpósios de direito crítico, o Caco promoveu rodas de samba naquele largo de frente pro Campo de Sant’Anna, num movimento digno da cidade abençoada pelo santo crivado de flechas. Com a saída deles o Caco foi dominado pela escumalha reacionária da Barra, que pretende transformar o Rio em Miami.

Mas o Fagner é o melhor imitador que eu conheço. São rigorosamente perfeitas as imitações do Lula, do Alexandre Frota e do Clodovil. A risada do Zacarias e a expressão facial do Stallone são impagáveis! Ele chega e em 5 minutos já é o centro das atenções, de forma espontânea, sem pedir palmas pra ninguém. Chegou com pinta de galã, vestimenta digna de um advogado que carrega o pomposo nome de Fagner Dustin Gamonal Barra. O Osni, meu cunhado, nos chamou num canto, encostou na parede e disse o seguinte:

- Cuidado com esse cara, ai!. Se ele começar a contar a história triste dele, é melhor encostar o reto na parede, senão ele te traça, hein! Ele leva tudo! Eu já tô protegido aqui nessa pilastra!

Depois do papo, da brincadeira, da sacanagem camarada, e da comida, é claro, partimos de volta pra Tijuca, descendo aquela rua do Irajá e observando as fachadas dos prédios. Todos antigos, entradas decoradas com azulejos ou pastilhas e frondosas árvores no jardim. Nada daquelas fachadas frias de vidro verde ou fumê que rodeiam a Lagoa. Gente sentada com cadeira de praia na calçada, salvando, dos ácaros do fundo das gavetas, os gorrinhos e luvas, pra se proteger do frio da noite que caía sobre aquela colina.

Partimos, cruzando o subúrbio, e observando que ele tem vida, embora às vezes agonize pela falta de cuidados. Sentindo que ele ainda pulsa no passo marcado dos mestres-salas dos arrancos e ranchos, no compasso da buzina dos confeiteiros, que trazem o pão, o bolo e o cuscuz na porta de casa e no ritmo do giro dos motores dos ônibus que se transformam em sacolões ambulantes nos dias sem feira.

Revivendo as suas tradições na alegria dos blocos carnavalescos das piranhas, na malandragem dos balcões dos bares de esquina e na correria das crianças no dia de Cosme e Damião, o doce dia em que o subúrbio se reproduz, imortalizando sua alma na formação de novos suburbanos, que hão de garantir a perpetuação dessas e outras tradições do coração do Rio.

Porque resistir é preciso e não nos furtaremos dessa luta!

Um Abraço Solidário!

terça-feira, agosto 21, 2007

HISTÓRIA PARA NINAR CASSUL-BUANGA

Poema de Nei Lopes (com acopanhamento de marimbas)

Um dia, Cassul-Buanga, alguns chegaram:
A pólvora no peito, uma bússola nos olhos
E as caras inóspitas vestidas de papel

Vieram numa nau de velas caras,
Bordadas de cifrões.
Suas mãos eram de ferro
E falavam um dialeto
De medo e ignorância.

E fomos.
Amontoados, confundidos, fundidos, estupefatos
Nossas dignidades eram dadas mar atrás
Aos peixes.

Chegamos:
Nosso suor foi o doce sumo de suas canas
- nós bagaços.
Nosso sangue eram as gotas de seu café
- nós borras pretas.
Nossas carapinhas eram nuvens de algodão,
Brancas,
Como nossas negras dignidades
Dadas aos peixes.
Nossas mãos eram sua mão-de-obra.

Mas vivemos, Cassul. E cantamos um blues!
E na roda de samba
De roda
Dançamos.
Nossos corpos tensos
Nossos corpos densos
Venceram quase todas as competições.
Nossos poemas formaram um grande rio.
E amamos e nos demos.
E nos demos e amamos.
E de nós fez-se um mundo.

Hoje, Cassul, nossas mulheres
- os negros ventres de veludo –
Manufaturam, de paina, de faina
Os travesseiros
Onde nossos filhos,
Meninos como você, Cassul-Buanga,
Hão de sonhar um sonho tão bonito...
Porque Zâmbi mandou. E está escrito.


Extraído de LOPES, Nei. Incursões sobre a pele. Rio de Janeiro, Artium, 1996.

sábado, agosto 04, 2007

REVERBERANDO NOAM CHOMSKY

Tomando meu café da manhã nesta última quinta-feira, dei de cara com uma revista na banca que, com letras chamativas num tom laranja fluorescente, destacava o nome de Noam Chomsky, renomado lingüista e crítico fervoroso da doutrina Bush.

Era a revista Cult.

Eu nunca gastei um centavo sequer comprando essa revista, que já está há dez anos em circulação, pois o nome não me agrada. Tenho certa aversão a essa coisa "Cult" badalada por pseudo-intelectuais que citam dezenas de autores, muitas vezes sem conhecê-los a fundo, só pra tirar a chifra de que sabem das coisas.

Mas como já conhecia algo do Chomsky, tendo analisado alguns de seus trabalhos sobre linguística e lido seu prefácio para o livro "Iraque: plano de guerra" de Milan Rai, decidi comprar a revista e ler a entrevista.

Refletindo sobre o papel que a grande imprensa vem fazendo no Brasil atual e sobre o movimento "Basta" ou "Cansei", capitaneado pelo elitista João Doria Jr., identifiquei algumas idéias que creio serem úteis nesse contexto. Vejam só:

"O único modo de lidar com o fanatismo ideológico é ignorá-lo e concentrar a atenção em pessoas que têm a mente suficientemente aberta para dar importância a evidências e argumentos".

"Quanto ao discurso ideológico conservador, vale a pena ter em mente que algumas das mais extremas e irracionais defesas da agenda política nesses pontos (terrorismo) é produzida por pessoas que se definem como liberais e social-democratas".

"De maneira geral, as decisões sobre economia, vida política e social e outras questões são fortemente influenciadas, de diversas maneiras, pelo poder econômico concentrado. Mas forças populares empenhadas e comprometidas têm muitas oportunidades de modificar políticas e de mudar ou mesmo de desmantelar estruturas institucionais que passarem a considerar ilegítimas. E os sistemas de poder estão conscientes disso".

"Não precisamos aceitar as tiranias".

"Felizmente, muitas pessoas não abandonaram a esperança, e não há razão para fazê-lo hoje".

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Não há dúvidas de que Chomsky não é um reacionário. Mas algumas destas frases, assim, soltas, podem fornecer elementos para os reacionários que, utilizando seu poder econômico, político e informacional, vêm promovendo uma sistemática campanha contra o governo.

O que pretende a reveista Cult quando destaca em sua capa: "Não precisamos aceitar as tiranias"?

quarta-feira, agosto 01, 2007

TRANSPONDER E MANETE: A CULPA É DO LULA

O título e texto são de Paulo Henrique Amorim, publicados no dia 28/07/2007 no site Conversa Afiada. Veja aqui a postagem original, com as ilustrações.

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O repórter Marcio Aith, na edição da Veja desta semana, diz que o comandante Kleyber Lima, que pilotava o avião da TAM, cometeu o seguinte erro: "o manete direito da turbina que estava com o reverso travado continuou na posição de 'aceleração'. Com isso, enquanto a turbina esquerda tentava frear o avião, a direita o empurrava para a frente. O piloto, então, perdeu o controle."

. Marcio Aith diz que não havia “aquaplanagem” – aquela história da moedinha na chuva do Rodrigo Bocardi, no Jornal Nacional ... A moedinha do Bocardi precisará ter outra destinação: não foi responsável pela queda do avião da TAM.

. Marcio Aith diz também que, se a pista não fosse tão curta, não teria havido desastre.

. Ele tem toda a razão: se a pista de Congonhas se emendasse com a pista de Guarulhos, que, por sua vez, se estivesse colada a uma ponta da pista do aeroporto de Viracopos, a certa altura, o avião parava.

. E a pista do Santos Dumont ? – o Marcio Aith poderia recomendar a construção de uma extensão da pista, uma pista inclinada, ascendente, que fizesse com que os paulistas que chegassem ao maravilhoso Santos Dumont desembarcassem direto no finger do bondinho do Pão de Açúcar, e admirassem aquela maravilhosa paisagem, do alto.

. O Airbus da TAM, segundo Aith, precisava de uma pista mais longa.

. Não foi o que aconteceu em outros dois vôos anteriores que o mesmo avião fez, naquele mesmo dia, com mais chuva. Foram pousos normais.

. Nos últimos seis anos, Congonhas operou 1,5 milhão de pousos e decolagens.

. Ninguém sentiu falta de pista mais longa.

. É preciso tomar a reportagem de Aith com um grão de sal.

. Ele é o autor daquela famosa “reportagem” co-assinada por Daniel Dantas, que provou a existência de contas secretas do Presidente Lula e do Dr. Paulo Lacerda.

. (Aliás, a investigação da Polícia (Republicana) Federal sobre essa associação editorial parece que não acaba nunca.)

. Vamos SUPOR, apenas SUPOR que a reportagem de Aith, dessa vez, esteja certa.

. O golpe da mídia conservadora (e golpista) chegou ao seu objetivo.

. O Governo Lula curvou-se à mídia e à Globo.

. Lula fez um pronunciamento à Nação, na verdade, dirigido à Globo.

. Nomeou o General Patton para o Ministério da Defesa.

. Que não poderia ser mais indelicado com Waldir Pires na cerimônia de transmissão do cargo...

. Nelson Jobim começou a trabalhar a campanha da Sicília com o presidente eleito José Serra, a quem deu posse numa solenidade no Palácio dos Bandeirantes, e celebrou num almoço neste sábado.

(Clique aqui para ler que Serra já assumiu a co-presidência e clique aqui para ver como o Conversa Afiada desde logo percebeu que o presidente de Jobim era Serra e não Lula.)

. José Serra assumiu a co-presidência e vai espetar nas costas do contribuinte federal umas pequenas obras em São Paulo que os magistrais administradores tucanos devem aos paulistas há décadas.

. A mídia conservadora (e golpista) celebra hoje a trapalhada dos controladores que liberaram e desliberaram a pista de Congonhas.

. Uma trapalhada que levou seis minutos.

. Mas a mídia conservadora (e golpista) tratou o assunto como se fosse uma outra lambança do Presidente Lula.

. Mas, pergunta-se: quem era o Ministro da Defesa, ONTEM: já não era o General Patton ?



Em tempo: segundo Mauricio Dias, diretor-adjunto da Carta Capital, também é do Lula a responsabilidade pela queda de um aviãozinho de propaganda que caiu na praia do Leblon, no Rio, no fim de semana passado. Os surfistas, provavelmente eleitores de Cesar Maia, salvaram o piloto - mas, não há dúvida: a culpa é da "crise" aérea.

Em tempo 2: o iG e o Uol dizem a que a falha do piloto foi a “causa inicial”. Interessante: qual será a causa final ? O Lula ?

sábado, julho 21, 2007

GUERRA FRIA(?) NA SALA DE AULA

Desde o dia em que assumi a minha primeira turma de colégio tenho o privilégio de trabalhar os conteúdos ligados à Guerra Fria, assunto de que gosto muito. Lembro, como se fosse agora, de minha primeira entrada numa pequena sala de aula com dezesseis alunos, dos quais me lembro os nomes, um por um, como se fosse a escalação de uma seleção. Eram eles, em ordem alfabética:

Ariel, Bianca, Bruna, Carol, Daniel (Robinho), Diogo, Felipe, Fernanda, Gabriela, Julia, Leonardo, Rafael Pedro, Raphael Curvo, Thaís, Victor Palis e Victor Quaresma.

E nessa primeira aula o assunto era Guerra Fria. Como trabalharia o assunto durante umas quatro semanas, trazendo todos os detalhes dessa matéria, usei a primeira aula para avaliar o que eles sabiam sobre as características dos dois blocos de poder que marcaram aquele período. Separei os meninos e as meninas e perguntei qual dos lados os grupos queriam defender. Ambos queriam ser “Os Socialistas”, acreditando ser mais fácil defender os ideais de justiça social que marcam o modelo, contra as desigualdades fundamentais para sustentação do capitalismo.

Não me lembro quem defendeu o que exatamente porque a intensidade do debate me marcou mais do que as idéias sustentadas. Rafael Pedro começa, disciplinado como ele só, buscando elementos da matéria para fortalecer a nota do grupo. As meninas esboçam reação com sutis participações de Julia e Bruna, mas até aí tudo bem. O clima está calmo e os lados mantém o respeito.

No entanto, todos foram surpreendidos pela inesperada reação do nervoso Ariel, um dos alunos mais engraçados que já tive, olhando de lado para as meninas, um olhar exclusivo dele, que vai da desconfiança ao ódio em menos de um segundo. Ele, gesticulando com os braços, numa expressão corporal que seria aplaudida de pé por Hitchcock, o mago dos filmes de terror, defendia suas teorias em voz incomodamente alta, gerando várias trocas de olhares entre Raphael Curvo, Palis e Quaresma, que demonstravam nítida preocupação com o resultado, em termos de nota, daquela exasperação do colega. Leo e Diogo, dois trogloditas, incentivavam Ariel, jogando lenha na fogueira.

Mais inesperada foi a resposta de Fernanda Amado, que partiu pro ataque falando alto, muito alto, assustadoramente alto, aquilo que lhe vinha na mente. Se fosse só falar alto até que estaria bom. Mas Fernanda falava compulsivamente. Falava sem parar, numa estratégia de sufocar o oponente impedindo-o de defender suas posições. Bianca, Thaís, Gabriela e Carol riam juntas um riso impossível de conter diante daquela cena. Fernanda, naquele momento não menos aterrorizante do que Ariel, estava quase roxa. Ariel, quase branco, tipo parede.

Ariel reage. Rafael Pedro demonstra desespero quando Ariel tenta falar ainda mais alto, impor seu discurso. E nesse momento em que a guerra já estava mais do que declarada eu só torcia pra que ninguém da direção entrasse na minha sala de aula e interrompesse aquela dinâmica de aula. E, é claro, por que ia ser bem difícil explicar porque nenhum dos meus alunos estava sentado, porque eles estavam no quadro e eu no fundo da sala, porque eles gritavam, uns com os outros, e porque eu apenas olhava isso tudo acontecer, sem fazer rigorosamente nada para impedir. E no primeiro dia de aula.

Em certo momento, tive a sensação de que se aquilo continuasse, não acabaria bem. Interrompi a discussão argumentando que na guerra fria nunca houve um ataque direto entre as superpotências da bipolaridade.

Mandei-os sentar. Fiz minhas anotações. Pontuei os dois grupos. Hoje tenho muitas saudades dessa galera que me iniciou na profissão que abracei.

Um abraço solidário!

quinta-feira, julho 19, 2007

PELO TELEFONE, COM LUIS HENRIQUE

Assistia em casa a final do vôlei feminino, que o Brasil acabou perdendo pra Cuba, quando no intervalo entre o segundo e o terceiro Set toca o telefone:

- Alô?
- Coé, mané! – ouço do lado de lá.
- Coé, mané...
- Tá fazendo o que? – ele pergunta.
- Tô vendo o jogo.
- Maneiro... ontem fui no Maracanãzinho ver Cuba e Peru. Não te chamei porque consegui os ingressos na hora e sabia que você não ia...
- Huhum... Tá em casa? - pergunto pois ele nunca fica em casa...
- Tô.. - ele responde, faz pausa de 1 segundo e pergunta:
- Tá deitado?
- Tô... – respondo meio sem paciência.
- Que nem um porco... – ele diz isso rindo aquele riso que vem do canto da boca.
- Ah, vai toma nesse cu! – respondo, articulando o som de todas as letras.
- Valeu...
- Valeu...

E desliga-se o telefone. Coisa de irmão...

quarta-feira, julho 18, 2007

O PODER DA INFORMAÇÃO

Nesses dias em que a imprensa parece muito ocupada com o Pan e, agora, com a tragédia do aeroporto de Congonhas, passa, quase sem ser percebido, um tema relevante para a geopolítica mundial, que é a ocupação anglo-americana no Iraque.

E nesses dias o poder da informação se manifesta com maior intensidade. Explico. O congresso americano está em pleno processo de discussão da retirada das tropas americanas do solo iraquiano. Situação e oposição manifestam suas opiniões, sendo que a situação possui um importante número de adeptos da continuidade da presença militar dos Estados Unidos na região e a oposição possui mais representantes contrários a essa permanência.

Em meio a esse embate surge, de forma não menos suspeita do que inesperada, a notícia de que a milícia terrorista comandada por Osama bin Laden, a Al Qaeda, estaria planejando novos atentados em solo americano. E o efeito dessa informação se revela capaz de transformar radicalmente as opiniões, do público e de alguns políticos.

O pânico gerado pela possibilidade de vivenciar algo semelhante ou mesmo mais intenso do que os ataques de 11 de setembro de 2001 faz com que muitas pessoas acreditem que uma política pautada no uso da força, a exemplo da doutrina Bush, seria a melhor forma de evitar novas catástrofes através da intimidação.

E um aspecto fundamental e inalienável a essa discussão é o fato de que não importa como essa informação foi produzida. Sendo falsa ou não, cabe a quem suspeita da falsidade, ou seja, a oposição, o ônus da prova. A situação apenas se beneficia dos efeitos do medo ganhando apoio para a presença no Iraque mesmo sendo mínimas ou praticamente inexistentes, as relações entre a ameaça da Al Qaeda e a ocupação do Iraque.

Algo que as sociedades ocidentais não compreendem é a diferença na visão de mundo que elas possuem em relação à visão dos radicais islâmicos. As estratégias de intimidação do ocidente não desanimam esses grupos extremistas, mas ao contrário, revigoram seu ânimo pela luta. Eles aguardam o embate direto para morrerem como mártires, portanto quanto maior a ameaça, maior é a glória de quem resiste na defesa de seus princípios.

O fundamentalismo é a relação intrínseca entre política e religião, algo incomum nas sociedades ocidentais pós-revolução francesa. Para nós a política pertence à esfera pública e a religião à esfera privada. Esse tipo de fragmentação não se processou em outras sociedades como o mundo islâmico, o que produz profundas diferenças na interpretação dos sentidos dos signos políticos.

No entanto, apesar de tudo o que foi exposto, o poder da informação segue incólume. Uma ameaça não comprovada pode mudar os rumos de uma discussão que praticamente não possui relações com esse gesto intimidativo, servindo apenas para corroborar os anseios de uma política imperialista e comprometida com o grande capital que hoje reconstrói o Iraque através de financiamentos superfaturados, que serão pagos com o dinheiro obtido na exploração de bilhões de barris de petróleo, combustível fóssil que está na raiz de toda essa sujeira. Chega a ser óbvio.

Um abraço solidário!

terça-feira, julho 17, 2007

TRAGÉDIAS NOS AEROPORTOS

Escrevo estas palavras num dia em que dois aeroportos brasileiros estiveram em chamas. E não se trata de nenhuma confusão ligada ao Caos Aéreo com o qual convivemos nos últimos dez meses, como descrevi no mês passado, mas de acidentes no aeroporto Santos Dumont e no aeroporto de Congonhas. No Santos Dumont, as chamas surgiram em uma obra no terceiro andar do pavilhão, o que gerou pânico a partir da difusão da fumaça. Não há feridos.

No entanto a notícia mais triste chega de São Paulo nesse início de noite. O vôo 3054 da TAM, que saiu de Porto Alegre para Congonhas terminou tragicamente por conta o choque da aeronave com o prédio de cargas da TAM Express no aeroporto. O avião explodiu com 170 passageiros e 6 tripulantes a bordo. Somente após o controle das chamas será possível saber o número de mortos posto que é possível que o choque tenha atingido funcionários que estavam dentro do prédio.

Se confirmadas as 176 mortes das pessoas a bordo, será o acidente aéreo com o maior número de mortos na história do Brasil, superando o acidente de setembro de 2006 com a queda do vôo da Gol que matou 154 pessoas. Presto, como posso, a minha solidariedade aos familiares e amigos das vítimas desta tragédia.

Um abraço solidário.

segunda-feira, julho 09, 2007

CARTA ABERTA AO MR. NEUENDORF

Senhor Kevin Neuendorf,


Acabo de saber que o comitê olímpico dos Estados Unidos o afastou da delegação norte-americana presente aos jogos pan-americanos do Rio , após sua brincadeira de escrever "Welcome to the Congo" ao chegar à cidade de São Sebastião. O senhor virou até manchete de primeira página de O Globo, com sua foto acima da legenda Uma chegada cheia de preconceitos. Permita-me, então, fazer algumas observações sobre o assunto, ainda que essas mal traçadas nunca sejam lidas por vossa pessoa.


Inicialmente quero dizer que concordo com sua afirmação; somos o Congo. Afinal, vieram de lá, da região do Congo-Angola, só no século XVII, cerca de 700 mil africanos para trabalhar nas lavouras e minas do Brasil Colonial. Nós, os brasileiros, somos, portanto, congos. Somos também jalofos, bamuns, mandingas, bijagós, fantes, achantis, gãs, fons, guns, baribas, gurúnsis, quetos, ondos, ijexás, ijebus, oiós, ibadãs, benins, hauçás, nupês, ibos, ijós, calabaris, teques, iacas, anzicos, andongos, songos, pendes, lenges, ovimbundos, ovambos, macuas, mangajas e cheuas. Todos estes são grupos de africanos que chegaram nessas praias com seus valores, conjuntos de crenças, costumes e línguas - culturas, enfim - para, ao lado de minhotos, beirões, alentejanos, algarvios, transmontanos, açorianos, madeirenses e milhares de comunidades ameríndias, civilizar o Brasil.


Aqui no Brasil, senhor Neuendorf, está rolando uma certa moda de atribuir aos próprios africanos a responsabilidade sobre a escravidão. Todo mundo palpita sobre a história da África, mete o bedelho sem conhecimento de causa e, nesse rame-rame, tem gente dizendo que nós, brasileiros, nunca fomos racistas. Tem uns que, não duvido nada, estão prestes a descobrir que a velha Europa, com seus interesses mercantis e imperiais, nunca quis escravizar ninguém.


Houve até, veja o senhor, um respeitado intelectual brasileiro, Silvio Romero, que, no início do século passado, achou que a única salvação do Brasil era torcer para que a miscigenação se fosse processando com o aumento contínuo do sangue branco. Clarear o brasileiro, eis a solução do nobre intelectual.


Um outro intelectual, Oliveira Vianna, escreveu um livro outrora muito respeitado, que apaixonou gerações de leitores, chamado Evolução do povo brasileiro. Segundo este autor, a salvação possível do Brasil era a nação embranquecida. Para ele, a imigração européia, a fecundidade dos brancos , maior do que a das raças inferiores (negros e índios ), e a preponderância de cruzamentos felizes, nos quais os filhos de casais mistos herdariam as características superiores do pai ou da mãe branca, garantiam um futuro brilhante e branquelo ao Brasil.


Ninguém mais tem coragem de escrever uma barbaridade dessas, Mr. Kevin, mas muita gente, acredite, ainda pensa assim.


O senhor é, não leve a mal a constatação, escroto, preconceituoso, arrogante, obtuso e ignorante. Não há problemas nisso; o atual presidente do seu país também tem essas características.


Acredite numa coisa, sua atitude não me irritou minimamente e nem acho que devessem lhe mandar embora. Sabe o que me irrita, senhor Kevin? Vou lhe dizer rapidamente.


Me irrita saber que muitos brasileiros que se indignaram contra sua atitude pensam no fundo como o senhor e sentem nojo do povo brasileiro. Se irritaram, exatamente, porque nutrem verdadeiro pânico de lembrar que vivem num país mestiço, civilizado pela África, dotado da cultura popular mais rica e múltipla que o mundo conhece.


São brasileiros que marcharam com Deus pela liberdade em 1964, mandam os filhos para fazer intercâmbio nos EUA (como se o seu povo, mr. Kevin, tivesse alguma informação cultural decente para trocar com algum de nós), vivem encastelados em condomínios luxuosos, acham que as empregadas domésticas tem que vestir uniforme e subir pelo elevador de serviço, não gostam de pretos, tocam fogo em índios, não respeitam as religiosidades afro-ameríndias, dizem que samba é coisa de gentinha, frequentam compulsivamente shoppings centers, gastam num jantar o que pagam em um mês para os empregados, vibram quando a polícia executa moradores de favelas e criam filhos enfurecidos e preconceituosos que saem de noitadas em boates da moda para surrar garotas de programa nas esquinas da cidade.


Senhor Kevin, o Congo é aqui! O velho Congo, que revivemos nos maracatus, nos bailes de congo, nos moçambiques, na taieira, na folia de são Benedito, no candomblé de angola, nas cavalhadas, no terno-de-congo, no batuque do jongo e na dança do semba. Somos o Congo porque batemos tambor, batemos cabeça, dançamos e rezamos como lá. Somos o Congo e somos a África, porque somos o país de Zumbi, Licutam, Ganga- Zumba, Luiza Mahin, Bamboxe Obitiku , Felisberto Benzinho, Cipriano de Ogum, João da Baiana, Donga , Pixinguinha, Candeia, Mãe Senhora, Mãe Aninha, Tata Fomutinho, João Candido, Osvaldão, Marighela, Jorge Amado, Martiniano do Bomfim, Solano Trindade, Silas de Oliveira e de tantos outros heróis civilizadores.


Não se preocupe tanto, Mr. Neuendorf. A visão que o senhor tem do Brasil - preconceituosa, burra e mesquinha - , é a mesma visão do jornal que estampou sua foto na capa e a mesma visão da elite do bairro, a Barra da Tijuca, em que seu gesto foi feito. O Brasil oficial, que não ama o Brasil e sonha com Londres, Miami, Paris, Nova York e Madri, pensa igualzinho ao senhor.


Mas sabe o que é curioso, mister? Ao escrever, como um yankee escroto , que estava chegando ao Congo, o senhor não deixou de falar a verdade. O Congo é aqui; com a proteção de Zambiapongo, de todos os inkices de Angola e dos ancestrais do samba.


Sem mais,


Luiz Antonio Simas, filho de Nkosi e Matamba.

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COMO ESTÁ CLARO ACIMA, ESTE TEXTO É DA AUTORIA DE LUIZ ANTÔNIO SIMAS.

terça-feira, julho 03, 2007

SAUDADES DA BRAVELHA

Não, eu não tenho fotos. Passamos quatro anos juntos e eu não guardo comigo uma foto sequer. E talvez seja melhor por razões que não cabem ser discutidas aqui. O fato é que deu uma puta saudade da minha Bravelha. Do início.

Janeiro de 2003, entra pela janela do apartamento no Engenho da Rainha o som do assobio familiar. Ao debruçar, dei de cara com Cesar e Sergio Moreira, meu pai e tio respectivamente, malandros escolados, e ela. A Bravelha. Pintada num tom de bege puxando para o amarelo, o Volkswagen 1974 que surgia diante de meus olhos estarrecidos, deixou-me paralisado. Depois de uns segundos sem responder aos chamados, ouvi algo do tipo:

- Bora, Diego! A gente ainda tem que ir em Irajá pra fazer a vistoria. Seu tio ainda volta hoje pra Caxias...

Desci do jeito que estava. E fomos. Notei uma caixinha de fósforos em cima do painel. Bisbilhotei. Encontrei dez reais dentro dela e meu tio foi logo avisando:

- Isso aí é pro caso dela não passar na vistoria... Só não tem jeito pra morte! Depois que morre a gente bebe o defunto e saúda aos vivos!

Passou.

E passamos muitos perrengues juntos. Encarei enchentes no Jacaré, quebra dos limpadores de pára-brisa em meio a tempestade na Grajaú-Jacarepaguá, quebra da embreagem no estacionamento do Nova América e no túnel Santa Bárbara, cabo de acelerador arrebentado na estrada velha da Tijuca (subida), tiroteio no Noel Rosa... essas coisas que marcam a vida de um motorista.

Eu, professor, meio desligado desses lances automobilísticos e com vida atribulada, fiquei algumas vezes por mais de dois meses sem a bravelha por falta de tempo ou sorte pra consertar as constantes panes da malvada. O Buiu, era assim que a vovó Eva chamava a Bravelha, com motor 1.6 aos 32 anos de idade, subia o Alto da Boa Vista deixando os 1.0, 1.3 e 1.4 zerados no chinelo. Nunca parou por causa disso. Mas se o coração ia bem, os ossos já não eram tão perfeitos. Parava muito por cabos arrebentados, freio-de-mão que quase não tinha, os bancos sempre quebrados, portas empenadas, essas coisas...

Passei pra frente nesse último mês de dezembro. O felizardo é um camarada de Casimiro de Abreu.

Sujeito de sorte! Saudades!

Um abraço solidário!

domingo, junho 24, 2007

FAZENDO AS APRESENTAÇÕES

Família é algo fundamental. Faltam-me as palavras para descrever com fidelidade a importância que dou aos meus. Trago, hoje, algumas imagens, breves apresentações de algumas pessoas que cercam-me no cotidiano. Primeiramente, eu mesmo. Esse aí em primeiro plano. O cara lá de trás é um desconhecido. Apareceu por acaso.


A patroa vem na sequência, como não podia deixar de ser. Tornou-se a pessoa mais importante do mundo pra mim. Está acompanhada de seu mais novo xodó, o nosso primo Paulinho, de quem ela não larga o pé. Definitivamente ela quer um bebê. A imagem diz mais do que mil palavras. Ela está como pinto no lixo.


Esses dois merecem destaque especial. Carol, nossa prima-irmã. Já falei sobre ela aqui algumas vezes. E o João, nosso primo-irmão, estreiante aqui nessas esquinas suburbanas. Aos dez anos, já cantava Noel Rosa.


E não poderia faltar a peça. Ele, o sujeito por quem tenho um amor de irmão. Aquele a quem eu devo várias cervejas por me aturar por cinco anos dormindo no chão do seu quarto. Aquele que me trata, e a quem trato, com uma falta de urbanidade comovente. O digníssimo Luis Henrique. Saca só o naipe do malandro...


Fundamentais na minha vida!

Um Abraço Solidário!

sexta-feira, junho 15, 2007

25 TRANSLAÇÕES

Amadureci muito cedo aprendendo a ver a vida como ela realmente é, com suas mazelas, suas dores, delícias e cores. Sucessos e fracassos. Meus e os dos outros. Observo tudo o que me envolve. Ouço mais do que falo. Aprendi que é estúpido aquele que fala demais quando o certo é calar. Tímido, aprendi a me comunicar por imposição da profissão que escolhi. Descobri o amor e inúmeros de seus matizes aos 18 anos de idade, ao lado daquela com quem, hoje, divido os sucessos, fracassos, as mazelas, dores, delícias e cores que preenchem nossa vida. No singular, posto que nos tornamos um só.

Pais vigilantes e incansáveis na luta diária pela minha formação como ser humano de caráter honesto e senso de justiça social, aprendi a amar o Subúrbio onde nasci e cresci, sendo acompanhado e auxiliado de perto até conseguir alçar meus primeiros passos profissionais. Apoiado por toda a família, até mesmo a que me recebeu como irmão, filho, neto, sobrinho e primo, sigo hoje meus passos com mais segurança, mas sempre seguindo o sensato princípio, que norteia-me desde a mais tenra idade, de ver a vida sem ilusão.

Fã incondicional da gentileza, sempre me dei bem com as pessoas que não desprezam a cortesia nas relações pessoais. Aprendi o respeito em casa. Quando olho para as pessoas, procuro pensar que cada uma delas é a pessoa mais importante do mundo para alguém, e que, portanto, merecem meu profundo respeito. Não desconsidero ninguém, mesmo os que não simpatizam comigo. Tenho alguns amigos de verdade. Quem acha que tem muitos amigos não conhece uma verdadeira amizade. Mas tenho muitos camaradas, parceiros da antiga, parceiros novos e sou cercado de gente “boa praça”.

Jovem professor, o sucesso profissional me abraça a cada dia. Comecei com apenas uma turma de 16 alunos e hoje, dois anos depois, eles são mais de 400 espalhados em 12 turmas. Sinal de que o trabalho está dando certo. Mas o verdadeiro sinal do sucesso é o carinho dos alunos, o retorno daqueles que passam no vestibular, o sorriso dos “bem pequenos” quando chego para minhas aulas. Com eles, às vezes, eu aprendo mais do que ensino.

Com o amor, uma base familiar sólida, amigos, camaradas e trabalho, só me resta, hoje, quando completo 25 anos, agradecer e pedir aos Orixás, responsáveis por tudo o que sou, que me conservem a saúde para que eu possa continuar desfrutando de tudo isso enquanto a Terra executa muitas outras translações.

Oxalá abençoe!

Um Abraço Solidário!

terça-feira, junho 12, 2007

DIA DOS NAMORADOS

Definitivamente não gosto de datas comerciais. Vejo pouco sentido, de fato, nas comemorações como a do dia dos namorados. Casado há dois anos, encontrei minha esposa, na noite do dia 11, no shopping onde ela comprou-me uns calçados de presente de aniversário, já que ele está chegando. E ela me entregou as duas caixas dizendo:

- Um sapato, de aniversário e uma sandália pelo dia dos namorados.

Com um sorriso repleto de ternura, me abraçou. Senti uma sincera vontade de retribuir o gesto, além do carinho, com um presente. Passeamos pelas lojas de calçados até que escolhi um par de sandálias que ficou perfeito. Levamos. E seguimos pra casa.

Hoje cedo, minha aula foi interrompida por volta das nove horas da manhã pelo inspetor que trazia flores enviadas pelo namorado para uma aluna. A casa caiu. Estabelecer o controle de cinquenta alunos novamente seria impossível em pouco tempo. Foi aí, nesse meio tempo, que uma aluna me perguntou:

- Professor, o que você deu de presente para sua esposa pelo dia dos namorados?

Só ao ouvir a pergunta, lembrei-me que a ocasião comportaria uns versos que já cantarolei aos montes. Respondi, cantando:

"Eu dei a ela um par de sandálias
Da cor do meu chapéu de palha..."

Do samba Sandália Amarela, de Wilson Moreira e Nei Lopes.


P.S. Parabéns pra Carol, nossa prima-irmã, que hoje chegou aos dezessete!

Um Abraço Solidário!

sábado, junho 09, 2007

EGOÍSMO VERSUS SOLIDARIEDADE

Depois que comecei a estudar e entender um pouco do jogo sujo do comércio internacional, convenci-me de que o egoísmo é mais do que o mal do século. É o grande mal da humanidade. No centro de todas as mazelas e desarmonias que se manifestam no planeta, o egoísmo impera, soberano, como agente causal, partindo do espírito humano o impulso que forja tais deturpações.

Minha reflexão nasce a partir da análise do desequilíbrio do comércio internacional, responsável pelos quadros de opulência e miséria que contrastam não só países mas, também, elementos de uma mesma sociedade nacional, já que a desigualdade de classes é um dos fundamentos basilares do sistema que nos sustenta, nos usa, despreza, oprime, deprime e consome.

No entanto, os estudos pormenorizados, críticos, da mesma temática, focados em outros eixos de exame além do comércio internacional, tendem a apontar o mesmo elemento como causa.

Pausa: escrevo esse texto motivado pela coerente análise acerca dos nacionalismos feita por Arnaldo Heredia nesse texto aqui. Como ele fala dos nacionalismos, minha análise transcendente ao comércio focará este tema.

Como bem disse o Arnaldo, os nacionalismos têm origem, muito mais em interesses políticos e econômicos do que étnicos ou religiosos. Mesmo no Oriente Médio, onde há muita perseguição religiosa, os nacionalismos possuem forte base territorial e na disputa por recursos naturais. O controle de nascentes de rios, de um litoral mais extenso ou de petróleo são motivações comuns para guerras e terrorismo. A desumanidade floresce no seio dessas disputas ignóbeis. A intolerância religiosa torna apenas mais sujas essas contendas. E o que está por trás desses interesses arregimentadores da guerra, senão o egoísmo?

As mais diversas formas de relações de poder têm o sentimento egoístico como o mais puro e refinado substrato. Os conflitos étnicos pós-independências no continente africano sustentam-se na disputa pelo controle dos recursos naturais como eu disse aqui, em 15 de janeiro; em Ulster, a minoria protestante apoiada pela coroa britânica é detentora dos meios de produção, das melhores terras, das residências nos melhores bairros, em detrimento da maioria católica; em Kosovo, a impávida avidez pelo poder e pela independência conduziu os kosovares à limpeza étnica praticada pela Sérvia, que, por sua vez, movida pelo mesmo desejo recusou-se a conceder a liberdade aos kosovares.

E, camuflado entre as evidências de cada uma dessas pelejas, o egoísmo manifesta-se como a verve de tudo.

Prolongar a exemplificação seria inútil posto que o princípio está à vista. Não pretendo tornar mecânica a argumentação que deve, fundamentalmente, ser dotada de humanidade para não ser incoerente com a tese defendida.

Creio, portanto, em caráter peremptório, que nada pode ser dotado de energia mais destrutiva, do que o que se move sob o estímulo egoístico. Que o comércio internacional, os nacionalismos, a (des)ordem mundial e todas as matrizes que colorem essa globalização perversa, de texturas repugnantes, só deixarão de criar as mazelas e desarmonias desses dias menos interessantes em que vivemos, quando forem baseadas no princípio de solidariedade.

Por isso, e com ênfase maior do que nunca, me despeço deixando o de sempre:

Um Abraço Solidário!

quinta-feira, junho 07, 2007

PRA QUE DISCUTIR COM MADAME?

Achei dentro do meu armário de discos o CD "Eu sei que vou te amar" de João Gilberto, gravado ao vivo em 1991, com voz e violão. Eu, que sou violeiro, gosto de discos com esse clima. E o João Gilberto, apesar de ser um nojo como pessoa, tratar mal seu público, é um excelente músico, além de ter um repertório que transcende a bossa nova (musica que não me comove nem um pouco). Nesse disco, o baiano canta músicas de grandes compositores como Dorival Caymmi, Ary Barroso e Haroldo Barbosa.

Esse time, sim, me comove profundamente. Canções como Rosa Morena, Lá vem a baiana, Isto aqui o que é? estão na lista. Mas a música que eu não consigo parar de ouvir é a pérola de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida, Pra que discutir com madame? Uma ironia bem humorada em defesa do samba, que tem a cara das kizombas que rolam pelos subúrbios do Brasil. Segue a letra, infelizmente não tenho como colocar a música.


Madame diz que a raça não melhora.
Que a vida piora por causa do samba.
Madame diz que o samba tem pecado.
Que o samba, coitado, devia acabar.
Madame diz que o samba tem cachaça,
mistura de raça, mistura de cor.
Madame diz que o samba democrata
é musica barata sem nenhum valor.

Vamos acabar com o samba.
Madame não gosta que ninguém sambe.
Vive dizendo que o samba é vexame
Pra que discutir com madame?

No carnaval que vem também concorro,
meu bloco de morro vai cantar ópera.
E na avenida entre mil apertos,
vocês vão ver gente cantando concerto.
Madame tem um parafuso a menos.
Só fala veneno, meu Deus que horror!
O samba brasileiro democrata,
brasileiro na batata, é que tem valor.


Coisa de gênios da raça!


Um abraço solidário.

segunda-feira, junho 04, 2007

CONTROLE DA NATALIDADE ?

Minha mulher adora crianças. Adora, não. Ela é louca por qualquer ser humano com menos de 12 anos de idade. Quanto menor a idade, maior a sua loucura. Fizemos recentemente dois anos de casados e comemoramos o fato em família. E completar dois anos de casamento, pra maioria das pessoas, significa que está mais do que na hora de virem os filhos. No plural.

- Um só é muito sem graça! - ouço ao tentar argumentar o contrário.

Raros são aqueles que acham que ainda está cedo. Mas, pior ainda, é que há aqueles que acham que já está tarde. Lembro-me perfeitamente do dia em que, poucas semanas depois do casamento, a vovó Eva reclamava veementemente para que todos se mobilizassem a fim de que Lucimar não pegasse nenhum tipo de peso. Carolina, nossa prima-irmã, levou vários esporros da vovó até que a velhinha entendesse que a Lucimar não engravidou imediatamente após o casamento.

Preocupada com tal lentidão (como assim, vovó? Pô!), ela chamou minha esposa e, com expressão grave, indagou:

- Minha filha, vocês não vão ter filhos?
- Vamos, vó! Mas não agora...

Lucimar respondia fazendo intensa articulação labial para que a vovó entendesse, já que ela era completamente surda e enxergava mal. Ela fazia uma precária leitura labial. Só não entendo porque é que minha mulher falava tão alto, muito alto, irritantemente alto, mesmo sabendo que a velhinha não escutava xongas.

Desde então vovó Eva passou a dizer pra minha mulher que nós deveríamos ter ao menos cinco crianças. Muito pouco, quase nada, na sua concepção de quem foi mãe de dez filhos, cinco homens e cinco mulheres, dentre as quais surge minha sogra, a querida dona Teresinha, que no início do ano passado, recebeu ao lado do Pai, o Sr. Armando, a nossa vovó Eva, no Reino de Aruanda.

Só de pensar em cinco crianças correndo pela minha casa eu tenho náuseas. Passo mal como um rubro-negro ao ver o Flamengo perdendo de 4X0 para o Vasco, faltando 25 minutos pra terminar o primeiro tempo. A pressão sobe, os olhos incham, baixo hospital com pane generalizada. Com saudades da avó e sentindo falta de crianças, dia desses a patroa quase me mata com essa:

- Ai! A gente devia ter uns cinco filhos, no mínimo!

Mas, antes que eu definitivamente “vá oló”, desencarne, passe dessa pra melhor ou pior, vamos ao objetivo desse texto.

Quero dizer a todos que nunca eu me senti tão isolado, tão sozinho, quanto me sinto quando alguém da família puxa esse papo de ter filhos. Mas ontem, na celebração dos vinte e oito anos da minha irmã, sentado numa mesa com meu pai, meu querido primo Zé Luiz e sua pândega namorada, a Ingrid, fui confortado com as palavras dos dois que já foram pais.

Comentei sobre o meu novo projeto com eles. A idéia é a seguinte: quero sair às ruas e navegar na internet pesquisando os preços de tudo, definitivamente tudo o que pode ser gasto com uma criança desde o momento que se descobre a gravidez até um ano de vida. Desde a chupeta até a montagem do quarto infantil. Tudo o que eu conseguir lembrar.

Impossível? Não! Não é! Mas não deixa de ser uma tarefa complicada. Se o plano evoluir bem e conseguirmos prever esses custos, talvez até façamos uma poupança forçada. Do tipo:

- Ih! Engravidamos! E agora?

É importante estar preparado pra esse momento. Pelo menos pra mim é fundamental. E isso é o que interessa já que eu vou me dar esse trabalho.

Depois de explicar tudinho, ouvi do Zé e do meu pai frases que aludiam a impossibilidade da concretização desse plano. Mas meu pai, o maior filósofo que já conheci, de fazer inveja a todas as escolas filosóficas, de Aristóteles a Foucault, aproveitando o ensejo, logo exibe sua sabedoria:

- Filho é uma foda!

Notem, meus amigos! Notem a profundidade dessas palavras. Não preciso explicar todos os sentidos desta oração. E depois de soltar esse verbo, meu velho desatou a falar dos problemas que eu e minha irmã demos pra ele e minha mãe, na infância. Lembrou de nossa pediatra, da consulta de 3.500 cruzeiros que ele teve que pagar a um outro pediatra antes de encontrarmos a nossa, quando ele ganhava exatos 3.500 cruzeiros, e de várias outras coisas que a batida de limão e a feijoada lombeira que traçamos já não me permitiram guardar na memória.

Um dos poucos que ousa me defender nesse papo de filhos é o meu cunhado Luis Henrique, sujeito por quem tenho um amor de irmão. Também pudera! Depois de passar anos me aturando a dormir no chão do seu quarto, roncando e peidando em profusão, devo muitas cervejas pra esse cara. E é impressionante como esse amor de irmão é movido por uma grosseria, uma falta de urbanidade comovente.

Quarta-feira passada, jogo do Fluminense no maracanã, toca o celular de minha senhora. É ele, o Luis Henrique. Ele desliga, como quem pede pra gente ligar de volta. Eu ligo do celular. Ele atende:

- Oi, meu amor – achando que é a irmã.

- Coé, mané! – até hoje não ficou claro porque nos tratamos assim, mas, possivelmente porque malandro fica puto quando chamado de mané. nos ofendemos desde o contato inicial.

- Coé, mané! – ele responde.

- Teu time tá uma merda, hein? – Ele do Maraca via o Fluminense empatar com o Figueirense.

- Ah, Diego! Vai tomá nesse cu!

- Tomá no cu é o caralho, teu time é uma merda. Tomá no cu!

- Seu merda, quarta-feira vou fazer um churrasco lá em casa e tu não vai. Vou mandar o porteiro te barrar! Tomá no cu...

- É mermo? Tu é mó filhadaputa! Então vai tomá no cu!

- Tomá no cu!

Desliga-se o telefone. Troço comovente esse amor de irmão. Hoje recebi o convite pra ir no churrasco. Urubu come carne crua, mas eu gosto também dela assada na brasa, com cerveja gelada, muita batucada e cachaça de litro. Isso eu não perco. Tô dentro dessa kizomba! Chegarei cedo para ajudar nos preparativos.

Os filhos? Vão ficando pra depois... Oxalá é quem manda!

Um abraço solidário!