terça-feira, maio 24, 2011

DEZ POR CENTO DO PIB JÁ: RESOLVE?

Sou professor. Vivo atualmente uma das muitas realidades da educação brasileira: a das escolas particulares que prezam pelo ensino de excelência. Vivi também essa realidade enquanto estudante do ensino fundamental. O que me permitiu conhecer de dois lados essa face da nossa educação que infelizmente abarca tão poucos de nós.

Conheci a realidade das escolas públicas também como aluno, no ensino médio. Frequentei duas escolas, uma federal e técnica, e a outra da rede estadual e de modelo convencional, ambas no subúrbio do Rio de Janeiro. Enquanto concluía meu ensino médio eu já sabia que seria professor e compartilhava os dramas de meus mestres - bravos batalhadores pela educação pública de qualidade. E por eles fui reconhecido como um parceiro de jornada desde então.

Abordo o tema movido pela campanha que circulou no último domingo, 22 de maio, pelas redes sociais, especialmente pelo twitter, em que as pessoas pediam que os investimentos públicos em educação passem a ser equivalentes a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. A campanha foi projetada pela entrevista da professora Amanda Gurgel no programa do Faustão e pelo uso da hashtag #dezporcentodopibja no twitter.

Sou um entusiasta do aumento dos investimentos que permitam uma educação de qualidade para todos os brasileiros. Tenho certeza que muita coisa poderia melhorar se a educação recebesse mais investimentos do que recebe atualmente. Mas não tenho certeza de que a solução dependa dessa simples matemática financeira. Acredito que um certo caminho deve ser dado a esses investimentos e isso passa pela minha concepção do que é a educação.

Creio firmemente que as condicionantes para uma educação de qualidade surgem ainda na gestação da criança. Por isso, a primeira reforma educacional deveria beneficiar a saúde da mulher e especialmente o cuidado com a gestante. Um pré-natal bem feito é luxo para poucos. Sou pai de uma recém-nascida e de um infante com um ano e meio. Conheço essa realidade, graças a Deus na melhor de suas faces. Os primeiros meses de vida devem ser um momento muito tranquilo para a mãe e para a criança. O que é muito difícil quando as pressões do mundo do trabalho ameaçam as mães e suas licenças de maternidade.

Eu pretendia argumentar sobre cada aspecto que julgo fundamental para a melhoria da educação porém não vou mais. Pra que isso não se torne interminável e insuportável ao leitor.

Acredito que a melhoria da educação passa, então, pela saúde da mulher. Pela gestação acompanhada. Pela amamentação tranquila e o mínimo de seis meses de licença maternidade para todas as mães. Os pais também mereceriam o mínimo de 1 mês de licença. Os atuais cinco dias corridos são uma vergonha e as mulheres precisam de muito apoio nesse primeiro momento.

Se quiserem uma educação de qualidade, precisarão combater todos os aspectos que comprometem a saúde infantil. Crianças subnutridas, sem vacinação e acompanhamento pediátrico terão a capacidade de aprendizagem comprometida, não importa quanto ganhem seus professores e a qualidade da estutura das escolas em que estudem.

Se quiserem uma educação de qualidade, deverão enxergar a função das creches de maneira diferente. Elas não são depósitos de filhos de mães que trabalham. Não são playgrounds. Uma creche bem estruturada e com equipe bem formada e capacitada pode fazer mais por uma pessoa no desenvolvimento de suas habilidades e competências do que uma universidade. Como educador, estou convencido disso.

Se a educação recebida até a conclusão do ensino fundamental for de alta qualidade, as próximas fases serão encaradas com maior facilidade ao passo que a baixa qualidade da educação nesse momento limita as condições para o desenvolvimento futuro dessas pessoas. Em qualquer modelo decente de educação, os professores dessa etapa deveriam ser tão bem pagos quanto professores universitários.

Mas o desafio para essa fase vai além de alcançar melhor remuneração para os profissionais da educação. A dificuldade de muitos educadores está na falta de estrutura do espaço escolar. Falta o essencial: carteiras, livros, cadernos, uniformes, giz, quadro negro, luz elétrica, água, banheiros, ventiladores. Aliás, essa é uma realidade que se estende, em muitos casos, até o ensino universitário. Nesse sentido, as verbas são bem-vindas. Assim como são bem-vindas as boas iniciativas dos administradores escolares, a boa gestão escolar, inclusive das verbas.

É preciso fazer com que os alunos consigam frequentar a escola. O trabalho infantil e a insuficiência somada a precariedade do transporte escolar são obstáculos que precisam ser vencidos. Não há educação de qualidade possível à criança que trabalha e à criança que se vê obrigada a caminhar léguas para estudar.

Se quiserem uma educação de qualidade, os professores precisarão ser bem formados e constantemente reciclados. Nesse sentido as universidades cumprem papel fundamental. Para melhorar a formação dos professores é preciso melhorar as condições de trabalho de quem forma esses professores e incentivar suas pesquisas.

Se quiserem uma educação de qualidade, os livros deverão tornar-se mais acessíveis. Se a qualidade das produções editoriais no Brasil aumentou nos últimos anos, os preços subiram também. Um bom livro didático de volume único para o ensino médio não custa menos do que cem reais. Tanto eles quanto os que não são didáticos - mas que ensinam tanto quanto ou mais do que eles - estão fora da realidade financeira de grande parte dos brasileiros.

Se quiserem uma educação de qualidade, os pais dos estudantes precisarão entender que as aulas de educação física, artes visuais, música, teatro e filosofia são tão importantes quanto as de matemática, português, física, química e biologia. Devem ensinar seus filhos a valorizá-las. Afinal, além de seus valores próprios, música e artes visuais ajudam a entender matemática; filosofia ajuda a entender física e química; teatro ajuda a entender português e literatura; e educação física é fundamental para que os jovens aprendam a lidar com o próprio corpo, que na idade escolar está em constante transformação, raiz de dramas profundos da juventude.

Aliás, o papel dos pais na educação das crianças não pode ser esvaziado. Deve ser ampliado. Se a escola é um espaço para formação de uma sociedade mais ética e cidadã, a família também tem seu papel a cumprir. Os pais devem transmitir o corpo familiar de valores aos seus filhos. Devem cuidar, importar-se com seus filhos e demonstrar que se importam com eles. Saber que é amado pelos pais contribui pra auto-estima e segurança da criança, o que se reflete em seu rendimento escolar. Afeto: um patrimônio imaterial de valor inestimável e que não custa nada doar.

Com crianças bem cuidadas desde a gestação, com as mães tranquilas para se dedicar aos seus filhos por um período mínimo pós-parto, com creches e escolas bem estruturadas, professores bem formados, bem remunerados e constantemente reciclados, e com a família compreendendo - e correspondendo - a relevância do seu papel no desenvolvimento dos seus filhos, a estrada pra uma educação com mais qualidade estará pavimentada.

Se isso custa mais ou menos do que dez por cento do PIB eu não sei. Mas acho que o caminho certo é por aí.