Saiu de casa decidido a perambular pelas ruas da amargura caminhando com os próprios pés. Estava completamente atordoado, com o peito oprimido, sentindo um vazio interior imenso. Parecia caber-lhe no peito um oceano inteiro de angústias e de solidão. Não tinha intenção alguma além de andar. Andar para tentar esquecer tudo aquilo que o perturbava.
Estacou no meio da caminhada quando sentiu um cheiro familiar. Não demorou muito para reconhecê-lo. Aquele era o cheiro da cigarrilha da Pomba-gira Cigana, a quem conhecera anos atrás.
Tinha conhecido a bela moça numa ocasião em que precisava de socorro material. Pediu, com o apelo dos desesperados, que moça lhe ajudasse. Não tinha fé. Tomava, ali, apenas a última opção para quem já tinha recorrido à tudo sem sucesso.
Conseguiu o que precisava. E ficou impressionado. Mas não o suficiente para ter fé na lei de pemba. Passou a ter fé apenas na força da Pomba-gira Cigana. Esteve com ela mais algumas vezes mas com o tempo acabou por deixar de acompanhá-la também.
Olhou para todos os lados e não viu absolutamente ninguém. Procurou pela fumaça da cigarrilha e nada. Só sentia o seu cheiro cada vez mais intenso e presente. Balançou a cabeça, esfregou como um alérgico a palma da mão direita no nariz e o cheiro se fez ainda mais forte.
Quando julgava-se atordoado demais, confuso demais ao ponto de ter alucinações, ouviu uma voz suave e doce:
- Boa noite.
Procurou novamente em tudo ao seu redor e não viu ninguém que pudesse estar lhe cumprimentando.
- Quem está aí? - perguntou, nervoso.
- Você sabe que sou eu. Estenda sua mão para eu ler.
Sentiu como se o tempo tivesse parado enquanto ouvia todas as verdades de sua vida serem ditas por aquela mulher. Enquanto ela lia sua mão ele só queria saber onde ela estava. Onde estava a sua cigana de fé?
--------------------------------------------------------------------
Esse texto é inspirado em uma versão feita pelo meu avô para um ponto de pomba-gira cigana. Honestamente, em com todo o devido respeito aos Guias, aos Encantados e aos Orixás, acho a versão de meu avô muito mais bonita do que a corrente cantada na maioria dos terreiros porque exibe algo da maior importância dentro da religião: o mistério.
Veja aqui e compare as duas versões. Primeiro a original e depois a versão do meu avô.
Vinha caminhando à pé
Para ver se encontrava
A minha cigana de fé
Ela parou e leu a minha mão
E disse-me toda a verdade
Eu só queria saber
Aonde mora a Pomba-gira cigana.
----------
Vinha caminhando à pé
Quando encontrei
A minha cigana de fé
Ela parou e leu a minha mão
E disse-me toda verdade
Eu só queria saber
Onde é que ela estava.
Axé!