sábado, julho 21, 2007

GUERRA FRIA(?) NA SALA DE AULA

Desde o dia em que assumi a minha primeira turma de colégio tenho o privilégio de trabalhar os conteúdos ligados à Guerra Fria, assunto de que gosto muito. Lembro, como se fosse agora, de minha primeira entrada numa pequena sala de aula com dezesseis alunos, dos quais me lembro os nomes, um por um, como se fosse a escalação de uma seleção. Eram eles, em ordem alfabética:

Ariel, Bianca, Bruna, Carol, Daniel (Robinho), Diogo, Felipe, Fernanda, Gabriela, Julia, Leonardo, Rafael Pedro, Raphael Curvo, Thaís, Victor Palis e Victor Quaresma.

E nessa primeira aula o assunto era Guerra Fria. Como trabalharia o assunto durante umas quatro semanas, trazendo todos os detalhes dessa matéria, usei a primeira aula para avaliar o que eles sabiam sobre as características dos dois blocos de poder que marcaram aquele período. Separei os meninos e as meninas e perguntei qual dos lados os grupos queriam defender. Ambos queriam ser “Os Socialistas”, acreditando ser mais fácil defender os ideais de justiça social que marcam o modelo, contra as desigualdades fundamentais para sustentação do capitalismo.

Não me lembro quem defendeu o que exatamente porque a intensidade do debate me marcou mais do que as idéias sustentadas. Rafael Pedro começa, disciplinado como ele só, buscando elementos da matéria para fortalecer a nota do grupo. As meninas esboçam reação com sutis participações de Julia e Bruna, mas até aí tudo bem. O clima está calmo e os lados mantém o respeito.

No entanto, todos foram surpreendidos pela inesperada reação do nervoso Ariel, um dos alunos mais engraçados que já tive, olhando de lado para as meninas, um olhar exclusivo dele, que vai da desconfiança ao ódio em menos de um segundo. Ele, gesticulando com os braços, numa expressão corporal que seria aplaudida de pé por Hitchcock, o mago dos filmes de terror, defendia suas teorias em voz incomodamente alta, gerando várias trocas de olhares entre Raphael Curvo, Palis e Quaresma, que demonstravam nítida preocupação com o resultado, em termos de nota, daquela exasperação do colega. Leo e Diogo, dois trogloditas, incentivavam Ariel, jogando lenha na fogueira.

Mais inesperada foi a resposta de Fernanda Amado, que partiu pro ataque falando alto, muito alto, assustadoramente alto, aquilo que lhe vinha na mente. Se fosse só falar alto até que estaria bom. Mas Fernanda falava compulsivamente. Falava sem parar, numa estratégia de sufocar o oponente impedindo-o de defender suas posições. Bianca, Thaís, Gabriela e Carol riam juntas um riso impossível de conter diante daquela cena. Fernanda, naquele momento não menos aterrorizante do que Ariel, estava quase roxa. Ariel, quase branco, tipo parede.

Ariel reage. Rafael Pedro demonstra desespero quando Ariel tenta falar ainda mais alto, impor seu discurso. E nesse momento em que a guerra já estava mais do que declarada eu só torcia pra que ninguém da direção entrasse na minha sala de aula e interrompesse aquela dinâmica de aula. E, é claro, por que ia ser bem difícil explicar porque nenhum dos meus alunos estava sentado, porque eles estavam no quadro e eu no fundo da sala, porque eles gritavam, uns com os outros, e porque eu apenas olhava isso tudo acontecer, sem fazer rigorosamente nada para impedir. E no primeiro dia de aula.

Em certo momento, tive a sensação de que se aquilo continuasse, não acabaria bem. Interrompi a discussão argumentando que na guerra fria nunca houve um ataque direto entre as superpotências da bipolaridade.

Mandei-os sentar. Fiz minhas anotações. Pontuei os dois grupos. Hoje tenho muitas saudades dessa galera que me iniciou na profissão que abracei.

Um abraço solidário!

quinta-feira, julho 19, 2007

PELO TELEFONE, COM LUIS HENRIQUE

Assistia em casa a final do vôlei feminino, que o Brasil acabou perdendo pra Cuba, quando no intervalo entre o segundo e o terceiro Set toca o telefone:

- Alô?
- Coé, mané! – ouço do lado de lá.
- Coé, mané...
- Tá fazendo o que? – ele pergunta.
- Tô vendo o jogo.
- Maneiro... ontem fui no Maracanãzinho ver Cuba e Peru. Não te chamei porque consegui os ingressos na hora e sabia que você não ia...
- Huhum... Tá em casa? - pergunto pois ele nunca fica em casa...
- Tô.. - ele responde, faz pausa de 1 segundo e pergunta:
- Tá deitado?
- Tô... – respondo meio sem paciência.
- Que nem um porco... – ele diz isso rindo aquele riso que vem do canto da boca.
- Ah, vai toma nesse cu! – respondo, articulando o som de todas as letras.
- Valeu...
- Valeu...

E desliga-se o telefone. Coisa de irmão...

quarta-feira, julho 18, 2007

O PODER DA INFORMAÇÃO

Nesses dias em que a imprensa parece muito ocupada com o Pan e, agora, com a tragédia do aeroporto de Congonhas, passa, quase sem ser percebido, um tema relevante para a geopolítica mundial, que é a ocupação anglo-americana no Iraque.

E nesses dias o poder da informação se manifesta com maior intensidade. Explico. O congresso americano está em pleno processo de discussão da retirada das tropas americanas do solo iraquiano. Situação e oposição manifestam suas opiniões, sendo que a situação possui um importante número de adeptos da continuidade da presença militar dos Estados Unidos na região e a oposição possui mais representantes contrários a essa permanência.

Em meio a esse embate surge, de forma não menos suspeita do que inesperada, a notícia de que a milícia terrorista comandada por Osama bin Laden, a Al Qaeda, estaria planejando novos atentados em solo americano. E o efeito dessa informação se revela capaz de transformar radicalmente as opiniões, do público e de alguns políticos.

O pânico gerado pela possibilidade de vivenciar algo semelhante ou mesmo mais intenso do que os ataques de 11 de setembro de 2001 faz com que muitas pessoas acreditem que uma política pautada no uso da força, a exemplo da doutrina Bush, seria a melhor forma de evitar novas catástrofes através da intimidação.

E um aspecto fundamental e inalienável a essa discussão é o fato de que não importa como essa informação foi produzida. Sendo falsa ou não, cabe a quem suspeita da falsidade, ou seja, a oposição, o ônus da prova. A situação apenas se beneficia dos efeitos do medo ganhando apoio para a presença no Iraque mesmo sendo mínimas ou praticamente inexistentes, as relações entre a ameaça da Al Qaeda e a ocupação do Iraque.

Algo que as sociedades ocidentais não compreendem é a diferença na visão de mundo que elas possuem em relação à visão dos radicais islâmicos. As estratégias de intimidação do ocidente não desanimam esses grupos extremistas, mas ao contrário, revigoram seu ânimo pela luta. Eles aguardam o embate direto para morrerem como mártires, portanto quanto maior a ameaça, maior é a glória de quem resiste na defesa de seus princípios.

O fundamentalismo é a relação intrínseca entre política e religião, algo incomum nas sociedades ocidentais pós-revolução francesa. Para nós a política pertence à esfera pública e a religião à esfera privada. Esse tipo de fragmentação não se processou em outras sociedades como o mundo islâmico, o que produz profundas diferenças na interpretação dos sentidos dos signos políticos.

No entanto, apesar de tudo o que foi exposto, o poder da informação segue incólume. Uma ameaça não comprovada pode mudar os rumos de uma discussão que praticamente não possui relações com esse gesto intimidativo, servindo apenas para corroborar os anseios de uma política imperialista e comprometida com o grande capital que hoje reconstrói o Iraque através de financiamentos superfaturados, que serão pagos com o dinheiro obtido na exploração de bilhões de barris de petróleo, combustível fóssil que está na raiz de toda essa sujeira. Chega a ser óbvio.

Um abraço solidário!

terça-feira, julho 17, 2007

TRAGÉDIAS NOS AEROPORTOS

Escrevo estas palavras num dia em que dois aeroportos brasileiros estiveram em chamas. E não se trata de nenhuma confusão ligada ao Caos Aéreo com o qual convivemos nos últimos dez meses, como descrevi no mês passado, mas de acidentes no aeroporto Santos Dumont e no aeroporto de Congonhas. No Santos Dumont, as chamas surgiram em uma obra no terceiro andar do pavilhão, o que gerou pânico a partir da difusão da fumaça. Não há feridos.

No entanto a notícia mais triste chega de São Paulo nesse início de noite. O vôo 3054 da TAM, que saiu de Porto Alegre para Congonhas terminou tragicamente por conta o choque da aeronave com o prédio de cargas da TAM Express no aeroporto. O avião explodiu com 170 passageiros e 6 tripulantes a bordo. Somente após o controle das chamas será possível saber o número de mortos posto que é possível que o choque tenha atingido funcionários que estavam dentro do prédio.

Se confirmadas as 176 mortes das pessoas a bordo, será o acidente aéreo com o maior número de mortos na história do Brasil, superando o acidente de setembro de 2006 com a queda do vôo da Gol que matou 154 pessoas. Presto, como posso, a minha solidariedade aos familiares e amigos das vítimas desta tragédia.

Um abraço solidário.

segunda-feira, julho 09, 2007

CARTA ABERTA AO MR. NEUENDORF

Senhor Kevin Neuendorf,


Acabo de saber que o comitê olímpico dos Estados Unidos o afastou da delegação norte-americana presente aos jogos pan-americanos do Rio , após sua brincadeira de escrever "Welcome to the Congo" ao chegar à cidade de São Sebastião. O senhor virou até manchete de primeira página de O Globo, com sua foto acima da legenda Uma chegada cheia de preconceitos. Permita-me, então, fazer algumas observações sobre o assunto, ainda que essas mal traçadas nunca sejam lidas por vossa pessoa.


Inicialmente quero dizer que concordo com sua afirmação; somos o Congo. Afinal, vieram de lá, da região do Congo-Angola, só no século XVII, cerca de 700 mil africanos para trabalhar nas lavouras e minas do Brasil Colonial. Nós, os brasileiros, somos, portanto, congos. Somos também jalofos, bamuns, mandingas, bijagós, fantes, achantis, gãs, fons, guns, baribas, gurúnsis, quetos, ondos, ijexás, ijebus, oiós, ibadãs, benins, hauçás, nupês, ibos, ijós, calabaris, teques, iacas, anzicos, andongos, songos, pendes, lenges, ovimbundos, ovambos, macuas, mangajas e cheuas. Todos estes são grupos de africanos que chegaram nessas praias com seus valores, conjuntos de crenças, costumes e línguas - culturas, enfim - para, ao lado de minhotos, beirões, alentejanos, algarvios, transmontanos, açorianos, madeirenses e milhares de comunidades ameríndias, civilizar o Brasil.


Aqui no Brasil, senhor Neuendorf, está rolando uma certa moda de atribuir aos próprios africanos a responsabilidade sobre a escravidão. Todo mundo palpita sobre a história da África, mete o bedelho sem conhecimento de causa e, nesse rame-rame, tem gente dizendo que nós, brasileiros, nunca fomos racistas. Tem uns que, não duvido nada, estão prestes a descobrir que a velha Europa, com seus interesses mercantis e imperiais, nunca quis escravizar ninguém.


Houve até, veja o senhor, um respeitado intelectual brasileiro, Silvio Romero, que, no início do século passado, achou que a única salvação do Brasil era torcer para que a miscigenação se fosse processando com o aumento contínuo do sangue branco. Clarear o brasileiro, eis a solução do nobre intelectual.


Um outro intelectual, Oliveira Vianna, escreveu um livro outrora muito respeitado, que apaixonou gerações de leitores, chamado Evolução do povo brasileiro. Segundo este autor, a salvação possível do Brasil era a nação embranquecida. Para ele, a imigração européia, a fecundidade dos brancos , maior do que a das raças inferiores (negros e índios ), e a preponderância de cruzamentos felizes, nos quais os filhos de casais mistos herdariam as características superiores do pai ou da mãe branca, garantiam um futuro brilhante e branquelo ao Brasil.


Ninguém mais tem coragem de escrever uma barbaridade dessas, Mr. Kevin, mas muita gente, acredite, ainda pensa assim.


O senhor é, não leve a mal a constatação, escroto, preconceituoso, arrogante, obtuso e ignorante. Não há problemas nisso; o atual presidente do seu país também tem essas características.


Acredite numa coisa, sua atitude não me irritou minimamente e nem acho que devessem lhe mandar embora. Sabe o que me irrita, senhor Kevin? Vou lhe dizer rapidamente.


Me irrita saber que muitos brasileiros que se indignaram contra sua atitude pensam no fundo como o senhor e sentem nojo do povo brasileiro. Se irritaram, exatamente, porque nutrem verdadeiro pânico de lembrar que vivem num país mestiço, civilizado pela África, dotado da cultura popular mais rica e múltipla que o mundo conhece.


São brasileiros que marcharam com Deus pela liberdade em 1964, mandam os filhos para fazer intercâmbio nos EUA (como se o seu povo, mr. Kevin, tivesse alguma informação cultural decente para trocar com algum de nós), vivem encastelados em condomínios luxuosos, acham que as empregadas domésticas tem que vestir uniforme e subir pelo elevador de serviço, não gostam de pretos, tocam fogo em índios, não respeitam as religiosidades afro-ameríndias, dizem que samba é coisa de gentinha, frequentam compulsivamente shoppings centers, gastam num jantar o que pagam em um mês para os empregados, vibram quando a polícia executa moradores de favelas e criam filhos enfurecidos e preconceituosos que saem de noitadas em boates da moda para surrar garotas de programa nas esquinas da cidade.


Senhor Kevin, o Congo é aqui! O velho Congo, que revivemos nos maracatus, nos bailes de congo, nos moçambiques, na taieira, na folia de são Benedito, no candomblé de angola, nas cavalhadas, no terno-de-congo, no batuque do jongo e na dança do semba. Somos o Congo porque batemos tambor, batemos cabeça, dançamos e rezamos como lá. Somos o Congo e somos a África, porque somos o país de Zumbi, Licutam, Ganga- Zumba, Luiza Mahin, Bamboxe Obitiku , Felisberto Benzinho, Cipriano de Ogum, João da Baiana, Donga , Pixinguinha, Candeia, Mãe Senhora, Mãe Aninha, Tata Fomutinho, João Candido, Osvaldão, Marighela, Jorge Amado, Martiniano do Bomfim, Solano Trindade, Silas de Oliveira e de tantos outros heróis civilizadores.


Não se preocupe tanto, Mr. Neuendorf. A visão que o senhor tem do Brasil - preconceituosa, burra e mesquinha - , é a mesma visão do jornal que estampou sua foto na capa e a mesma visão da elite do bairro, a Barra da Tijuca, em que seu gesto foi feito. O Brasil oficial, que não ama o Brasil e sonha com Londres, Miami, Paris, Nova York e Madri, pensa igualzinho ao senhor.


Mas sabe o que é curioso, mister? Ao escrever, como um yankee escroto , que estava chegando ao Congo, o senhor não deixou de falar a verdade. O Congo é aqui; com a proteção de Zambiapongo, de todos os inkices de Angola e dos ancestrais do samba.


Sem mais,


Luiz Antonio Simas, filho de Nkosi e Matamba.

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COMO ESTÁ CLARO ACIMA, ESTE TEXTO É DA AUTORIA DE LUIZ ANTÔNIO SIMAS.

terça-feira, julho 03, 2007

SAUDADES DA BRAVELHA

Não, eu não tenho fotos. Passamos quatro anos juntos e eu não guardo comigo uma foto sequer. E talvez seja melhor por razões que não cabem ser discutidas aqui. O fato é que deu uma puta saudade da minha Bravelha. Do início.

Janeiro de 2003, entra pela janela do apartamento no Engenho da Rainha o som do assobio familiar. Ao debruçar, dei de cara com Cesar e Sergio Moreira, meu pai e tio respectivamente, malandros escolados, e ela. A Bravelha. Pintada num tom de bege puxando para o amarelo, o Volkswagen 1974 que surgia diante de meus olhos estarrecidos, deixou-me paralisado. Depois de uns segundos sem responder aos chamados, ouvi algo do tipo:

- Bora, Diego! A gente ainda tem que ir em Irajá pra fazer a vistoria. Seu tio ainda volta hoje pra Caxias...

Desci do jeito que estava. E fomos. Notei uma caixinha de fósforos em cima do painel. Bisbilhotei. Encontrei dez reais dentro dela e meu tio foi logo avisando:

- Isso aí é pro caso dela não passar na vistoria... Só não tem jeito pra morte! Depois que morre a gente bebe o defunto e saúda aos vivos!

Passou.

E passamos muitos perrengues juntos. Encarei enchentes no Jacaré, quebra dos limpadores de pára-brisa em meio a tempestade na Grajaú-Jacarepaguá, quebra da embreagem no estacionamento do Nova América e no túnel Santa Bárbara, cabo de acelerador arrebentado na estrada velha da Tijuca (subida), tiroteio no Noel Rosa... essas coisas que marcam a vida de um motorista.

Eu, professor, meio desligado desses lances automobilísticos e com vida atribulada, fiquei algumas vezes por mais de dois meses sem a bravelha por falta de tempo ou sorte pra consertar as constantes panes da malvada. O Buiu, era assim que a vovó Eva chamava a Bravelha, com motor 1.6 aos 32 anos de idade, subia o Alto da Boa Vista deixando os 1.0, 1.3 e 1.4 zerados no chinelo. Nunca parou por causa disso. Mas se o coração ia bem, os ossos já não eram tão perfeitos. Parava muito por cabos arrebentados, freio-de-mão que quase não tinha, os bancos sempre quebrados, portas empenadas, essas coisas...

Passei pra frente nesse último mês de dezembro. O felizardo é um camarada de Casimiro de Abreu.

Sujeito de sorte! Saudades!

Um abraço solidário!