domingo, dezembro 17, 2006

MUITO ALÉM DAS CORDAS DE AÇO.

Trago neste texto inicial algumas das poucas recordações que tenho do meu velho avô José Moreira. Dele mesmo me lembro muito pouco porque o velho partiu pra Aruanda quando eu tinha entre dois e três anos de idade. Para ser muito sincero só tenho uma lembrança viva que me acompanha. Malandro e implicante, o coroa gostava de atazanar, fazer um pequeno inferno nas pobres vidinhas dos netos apenas para testar nossos limites sem perder a obediência. Na minha criação, uma reclamação mais ostensiva sobre um gesto de uma pessoa com idade mais avançada, mesmo justa e bem fundamentada, significava um insulto, uma atitude desrespeitosa e que, desde cedo, era severamente repreendida por meus pais. Ficou na minha mente a imagem do velho tentando tomar das minhas pequenas mãos uma vassoura que eu estava usando para imitar minha avó, a digníssima Sra. Océlia Porto Moreira, em seus corriqueiros afazeres domésticos. Lembro-me dela saindo da cozinha com a blusa molhada de lavar a louça e um pano de prato no ombro, reclamando: "José! Deixa o garoto brincar quieto, Zé". A dificuldade que ele tinha para alcançar seu objetivo era mínima, mas ele se esmerava no intuito de simular uma luta entre iguais com um menino de dois anos.

Não me lembro de mais nada. Tudo o que sei veio de poucas fotografias e das histórias contadas pela minha avó, no velho estilo de nossos irmãos da diáspora.

Dessas histórias, eis algumas das mais marcantes.

Meu bisavô, empreendedor nascido no final do século XIX, ralava para fazer crescer sua empresa e sonhava com um futuro onde o filho varão (meu avô) administraria os negócios e cuidaria da família. Mas o velho José era malandro. Trocou a tradicionalíssima Faculdade Nacional de Direito pelo violão e pelas rodas de samba no centro e subúrbio do Rio de Janeiro. E tocou a vida sozinho, sem ajuda do pai. Casado duas vezes, teve sete filhos que criou, como se pode imaginar, com dificuldades.

Exímio motorista, aliás, talento herdado pelo meu pai, partiu pro Táxi como meio de vida. Fazia na praça o suficiente pra encher a geladeira. Depois caía no samba. Quando a situação apertava, caía na praça. Mas sempre pensando no samba.

A Praça Tiradentes da década de 50 era seu ponto. De táxi e de samba. Lá, conheceu o grande Nelson Cavaquinho, de quem virou amigo e parceiro de boemia. Minha avó conta que por volta de 1957 ou 1958, houve um período em que o poeta da morte subia religiosamente às três da tarde de todos os domingos a ladeira onde meu avô morava em Duque de Caxias. Lá eles bebiam e meu avô fazia um violão de centro pra que o Nelson pusesse letra nas suas músicas. Nem mesmo meu pai, que é de 1956, possui lembranças desses encontros, mas mesmo assim sempre me emociono quando ouço de minha avó esta história. Vou às lágrimas quando ela, lembrando, sussurra: "Se eu for pensar muito na vida, morro cedo, amor. Meu peito é forte. Nele tenho acumulado tanta dor. As rugas fizeram residência no meu rosto. Não choro pra ninguém me ver sofrer de desgosto".

Lembro e me emociono também com algo que minha mãe me confidenciou assim que comecei a tirar as primeiras notas no violão. Meu pai, parecendo estar orgulhoso do filho músico e claramente com saudades do pai, disse a ela: "o avô dele deve estar radiante lá em cima".
Hoje, quando pego o violão e toco algo de Nelson Cavaquinho, tenho a clara sensação de que estou estabelecendo um diálogo com minhas raízes, que vai além do que a música pode transmitir. Muito além das cordas de aço.

Um grande abraço!

7 comentários:

Anônimo disse...

Lindo texto, Diego!
Bjs

Anônimo disse...

Inenarravel professor!!
Belo texto, e que bom que temos mais um blog com otimos textos para ler...
MAs voce toca mesmo violão? Nao sabia, nunca me contaste isso!!

ABraços
Tiago Prata

Diego Moreira disse...

Alice: Valeu pelo comentário que inaugura este blog!

Pratinha: Bom saber que você vai continuar passando por aqui! Toco violão sim. Não como você, é claro! Os que conseguem isso são poucos, mas tiro meus acordes quando dá tempo. Aliás, funciona um pouco como terapia pra mim.

Valeu!

Anônimo disse...

Bela história! Emocionante mesmo!
Bjoks da cunhadinha!! :D

Anônimo disse...

Fala, gordo!! Adorei o texto sobre nosso avô! Eu me lembro dele muito pouco dele também, mas não esqueço dele mudando o canal da TV quando eu assistia entusiasmadíssima a patota do palhaço Bozo (assim que se escreve?) e as diabruras do Pica-Pau... Figuraaaaaaaaaça aquele velho. Pena que o tempo de convívio foi curto, mas deixou saudades. Adorei o blog! Acho que vou copiar essa idéia! kkkkkk te amo. beijos. Garota

Anônimo disse...

alem de ser o melhor professor!
eh poeta e músico!!!!
ele eh o kara!!!

um grande abrço!
victor!

Anônimo disse...

FALA, QUERIDO FILHO GORDO!, MAS MEU FILHO.
ADOREI O TEXTO SOBRE O MEU PAI É COM CERTEZA AS MEMORIAS DAS SUAS RAIZES.