Prevenido pelo Claudio que a dieta é forte, aproveitei pra filar o simples e potentoso feijão com arroz de mamãe. Um ritual de despedida temporária dos grãos que se transformam em açúcar no organismo e ajudam a incrementar minhas 8,5 arrobas. Ainda faria outro ritual de despedida, mas dessa vez, em Bonsucesso. E é pra lá que eu fui depois de sair da casa da mamãe.
Desembarquei do ônibus na Estação de Bonsucesso - não fui de trem, que no Engenho da Rainha só tem metrô - e atravessei o buraco da estação. Parte da minha rotina diária durante os dois anos que estudei na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, passar pelo buraco da estação é uma experiência inevitável para o suburbano. Um ritual de iniciação indispensável para quem é dessas bandas. Por isso considero tudo aquilo como minhas redondezas. Conheço o caminho dos becos como meu sangue conhece as ramificações de minhas artérias.
No buraco da estação, o lado esquerdo de quem entra pela rua Uranos e segue em direção a Praça das Nações é completamente tomado por ambulantes. Nessas condições, nem dá pra dizer que são ambulantes de tão fixo, de tão imóvel, de tão inexpurgável que é aquela sucessão de espeluncas comoventes. Colado na escada que sai de frente pra sapataria ELITE tem até freezer instalado pra vender sorvete.
Da velha sapataria ELITE, que junto com a SAPASSO dominava o mercado de calçados na praça, só sobrou essa loja que se vê na foto abaixo, na Cardoso de Morais, número 1. Mesmo assim, o belíssimo letreiro luminoso não existe mais. E a loja especializou-se em números grandes pra sobreviver à concorrência com DI SANTINNI, KIK CALÇADOS etc. Tenho memórias de menino nessa loja. Troço fundamental para a construção do meu caráter.
Quando eu tinha cinco anos de idade, em 1987, uma das minhas fascinações era o Rambo, e sua incrível capacidade de derrotar os inimigos das causas de bem. Pois lançaram na época um tênis do Rambo. E aquilo tornou-se meu sonho de consumo imediatemente após eu acabar de assistir o comercial do sapato na televisão. Enchi os culhões do meu pai pra ter aquele tênis.

Então ele e mamãe me fizeram trocar a chupeta que eu ainda usava pelo tênis, trato que aceitei sem pestanejar. Papai, que é o maior apaixonado por Bonsucesso que existe no mundo, me levou na sapataria ELITE onde ganhei o presente que queria. Aqui acima se vê uma foto da Praça das Nações no ano de 1987. Vai ver que um desses fusquinhas era de papai. Ele tinha um bege de placa RX 4153. Atrás da placa que se vê na foto com os nomes das ruas ficava a outra loja da sapataria ELITE, que em meados dos anos 90 acabou virando um Mc'Donalds.
Já se vão quase dois anos - o tempo passa rápido - que esse meu ancestral partiu pra melhor e eu nunca mais tinha pisado no Capelinha. A última vez foi quando eu fiquei de acompanhante de quarto quando ele ficou internado na Casa de Saúde Bonsucesso. Naquele dia, na hora do almoço, eu saí pra comer - e o velho, sistemático que só vendo, fez questão de pagar - e fui ao fiel paradeiro de meu avô. Com o telefone celular, fotografei a cena, que pude mostrar pra ele quando voltei ao quarto.
- Aqui, Vô. Fui ao Capelinha em sua homenagem.
Ele riu. Com alguma dificuldade, do alto de seus 89 anos, viu a foto e o riso lentamente tornou-se um choro, comovido. Eu tratei de falar algumas besteiras pra não chorar também. A foto daquele dia eu não tenho mais. Mas fiz questão de reproduzir, com toda cautela, essa que ficou idêntica a que mostrei pro velho no hospital. Chorei. Perguntado sobre a razão do choro, contei a história toda pra um camarada sentado ao meu lado no balcão mas todos ouviram atentamente. E depois, eu e outros velhos que também choravam com a história, erguemos todos um brinde ao velho frequentador que se foi.
Impossível não registrar uma das maiores marcas arquitetônicas de Bonsucesso. Trata-se do conjunto de edifícios de Álvaro da Costa Mello. Existem vários espalhados pelo bairro e em outros Bairros também. Alguns são residenciais, outros são comerciais. Além dos edifícios, o milionário português ergueu também o Mello Tênis Clube na praça do Carmo. Esse da foto abaixo é um residencial visto da rua Bias Fortes.
Depois de cruzar a Bias Fortes foi só atravessar a Praça Julio Lopes pra chegar na rua Francisca Heiden, meu destino, meu ponto final daquela tarde em Bonsucesso. Dali, com a ajuda da Dra. Érika, eu faria o meu ponto de partida, minha bandeirada na guerra contra a balança. A próxima consulta está marcada para o final de março.
Até!
P.S.: A foto da balança na postagem anterior registra 129kg. Mas a Dra Érika me pesou em balança mais precisa e encontrou 127,4kg. Atribuo a perda mágica de 1,6kg durante o dia ao chope e aos bolinhos de bacalhau do Capelinha na certeza de que emoções fortes emagrecem.