sábado, abril 10, 2010

ÁGUA - TENTANDO ENTENDER PORQUE AS CHUVAS NO RJ FORAM TÃO FORTES

Interrompo o silêncio prolongado para falar um pouco sobre as chuvas, com suas causas e consequências, que atingiram a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Faz poucos dias que o hemisfério sul abandonou o verão e abraçou o outono. Estamos saindo de uma estação muito quente e passando por uma transição amena para o inverno.

É normal que as chuvas nessa época sejam intensas. O calor força a evaporação elevando as chuvas. Está no popular: são as chuvas de verão.

No entanto esse tipo de chuva "de verão", que é formada pela sequência evaporação-condensação-precipitação, é definida como chuva convectiva, pois após a precipitação, as águas escorrem, infiltram e voltam a evaporar, estabelecendo um ciclo.

Mas esse não foi o tipo de chuva que arrasou a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A tragédia foi provocada por uma chuva frontal, ou seja, que é produzida pelo encontro de duas massas de ar, sendo uma fria e uma quente.

Esse tipo de chuva é muito comum por aqui. O que não é comum é o volume das chuvas que tivemos, concentrado em tão pouco tempo. Para fins comparativos, observe o climograma a seguir:


Cingapura é uma cidade-estado da Ásia que possui clima equatorial. Caracteriza-se por ser um ambiente onde as chuvas são quase diárias, como certos locais da Amazônia onde o povo diz que chove todos os dias, muitas vezes com "hora marcada".

No gráfico, as chuvas são representadas pelas barras verticais azuis. Veja que no mês mais chuvoso, o nível médio de chuvas não passa dos 300mm/m². Do dia 05 para o dia 06 de abril, tivemos aqui na Região metropolitana do Rio de janeiro, 288mm/m² de chuvas em 24 horas.

Isso aconteceu porque a mEc (massa Equatoria continental) - massa quente e úmida que se forma sobre a floresta amazônica - se deslocou para as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, como faz normalmente no verão, e por um capricho da natureza, encontrou-se com a mPa (massa Polar atlântica) - massa fria e úmida que se forma no extremo sul do atlântico, e tem o litoral brasileiro como uma de suas frentes de avanço. O choque térmico gerado no contato das massas força a condensação da umidade gerando as chuvas.

Observe esse esquema que mostra a expansão da mEc no verão e da mPa no inverno:


E o que percebemos nos dias seguintes foi que a massa fria se instalou sobre o Rio de Janeiro reduzindo as temperaturas na região e mantendo chuvas de menor intensidade.

Mas ainda persiste uma pergunta: se esse tipo de chuva é comum, porque o volume precipitado foi tão acima do normal?

As explicações são muitas e complexas. Vou me dedicar a explicar a influência do El Niño nesse processo.

O El Niño é um fenomeno climático que se manifesta pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico central. E esse aquecimento se dá quando ocorre a inversão no sentido dos ventos da Célula de Walker.

A Célula de Walker é formada por ventos paralelos à linha do Equador que sopram, normalmente, sobre o oceano Pacífico partindo da América do Sul em direção à Oceania. Essa corrente de ventos espalha as águas frias da corrente de Humboldt que vem da Antártica e banha a costa sulamericana. Na altura da Oceania, esses ventos sobem e retornam (em altitude) em direção à América do Sul. Na Costa Sulamericana, os ventos descem e estabelece-se uma célula convectiva de ventos (a de Walker).

Observe o esquema que apresenta a dinâmica normal da Célula de Walker:


No Brasil, também há uma célula girando nesse mesmo sentido. A corrente ascendente se apresenta na Amazônia (região da mEc) e a corrente descendente se apresenta sobre o Sertão Nordestino. São esses ventos, que atingem o Sertão de cima para baixo, que dificultam a subida e a condensação do vapor d'água na região gerando o clima seco que ali é tradicional.

Ocorre que os ventos da Célula de Walker que descem na costa sulamericana do Pacífico freiam os ventos que sobem na célula que gira entre a Amazônia e o Sertão. E tudo isso mantém o clima em sua normalidade.

Em ano de El Niño, a Célula de Walker se inverte e, em vez dos ventos descerem na costa sulamericana do Pacífico, eles sobem. E isso fortalece, acelera o giro da Célula entre a Amazônia e o Sertão. Assim, a Amazônia fica muito mais úmida e o sertão muito mais seco.

Veja agora a Célula de Walker girando ao contrario e fortalecendo a subida de de ventos na Amazônia:


Quando a mEc parte da Amazônia em ano de El Niño, ela carrega muito mais umidade. Quando essa massa (a mEc) se encontrou - sobre o Rio de Janeiro - com a mPa, que vinha do Oceano Atlântico Sul, também muito carregada, houve uma explosão de umidade.

Fizeram a conta. E disseram que São Pedro despejou 300 mil piscinas olímpicas em 24 horas sobre a região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Águas de Abril. Que esse povo não vai esquecer nunca mais.


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Fontes das imagens:

Climograma: ARAÚJO, Regina. MAGNOLI, Demétrio. Geografia Geral. Ed.Moderna. São Paulo. 2003.

Massas: www.cptec.inpe.br (adaptado)

Célula de Walker: www3.funceme.br

11 comentários:

Larissa disse...

Maneiro. vai ser questão certa de vestibular esse ano, hein? Bjs

Diego Moreira disse...

Pô, nem acho, garota. O tema já foi cobrado há 3 anos na UFRJ. Bem difícil cair de novo tão cedo. Mas nunca se sabe. Beijo.

Pri Yumiko disse...

Adorei, super completo e caprichado, parabéns!!! Que trabalho, hein? (:
Como aluna, obrigada!!

Ah, só uma dúvida: se é normal que a mEc se expanda no verão para o Sul, Sudeste e Centro-Oeste e é normal também que o El Niño aconteça no início do ano, por que este fenômeno que normalmente causa estiagens dessa vez causou tanta precipitação? Significa que houve uma expansão atípica da mPa também?

Beijos!

Diego Moreira disse...

Pri, em quase todas as regiões do Brasil - a principal exceção é o Sertão Nordestino - o El Niño aumenta as chuvas. Isso porque a mEc se torna mais "potente" nos anos de El Niño.

É o fenômeno La Niña que produz estiagens no Brasil, com exceção do Sertão Nordestino, onde as chuvas são mais intensas.

Mas, de fato, tivemos nesse começo de outono uma expansão da mPa, fato mais comum no inverno. E o encontro delas (mEc + mPa) se deu justamente sobre o Rio de Janeiro: água.

Abração!

Luiz Antonio Simas disse...

Entendi a porra toda! E os articulistas de jornal e comentaristas de TV são incapazes de fazer isso.

Abraço.

Diego Moreira disse...

Valeu, Simão! O texto é simplista. Os climatologistas discutiriam vários pontos aqui comigo. Mas é bem melhor do que não dizer nada, como se vê por aí.

Abração!

Orlando Rey disse...

Bom dia Diego!
Esclarecedor o texto que vc publicou no seu blog! Agora fica uma pergunta: diante do volume de água que caiu na capital e regiões próximas que tipo de intervenção pública poderia ser feita para minimizar os efeitos sobre a cidade caso tal fenômeno volte a ocorrer?
Cordiais Saudações!
Orlando Rey

amanda mello disse...

Pela primeira vez eu entendi esse diacho de 'El niño'!!!!

Amanda Dias disse...

Pela primeira vez vejo alguma coisa que presta que tem o dedo do Demetrio Magnoli...

Diego Moreira disse...

Orlando, essa questão tem várias respostas possíveis e a escolha das melhores não depende só da técnica mas de recursos financeiros e vontade política. Pretendo falar sobre isso no último texto dessa série. Aguarde! Abração!

Amanda Mello, que bom que você conseguiu entender pelo texto! Obrigado! Beijo!

Mandinha, o Demétrio é formado em jornalismo e ganhou, sabe-se lá como, um título de doutor em geografia humana pela usp. Creia, ele não sabe bulhufas de geografia física. Isso é trabalho da Regina Araújo, essa sim, grande geógrafa. Beijo.

Anônimo disse...

as chuvas q ocorrem no RJ e q provocam deslizamentos não são orográficas, já que é uma região serrana?(e não frontais, como dito) Desde já, obrigada! ps: Maria Beatriz