quarta-feira, setembro 16, 2009

CONSTRUINDO CIDADANIA EM SALA DE AULA

Apesar do título, esse texto não pretende se apresentar como guia, roteiro ou algo semelhante para a construção da cidadania em sala de aula. Trata-se apenas de uma reflexão baseada em uma experiência verificada em diversas oportunidades nas aulas de Geografia que leciono.

Desigualdade social é um tema frequente, seja nas abordagens diretas ou em abordagens em que o tema aparece de forma transversal. Ao trabalhar esse tema, gosto muito de fazer uma pesquisa de opinião com os alunos. O resultado é quase sempre uma polêmica frutífera, salutar, que favorece à troca de ideias.

A primeira pergunta que faço é se eles concordam que a parcela formada por 1% dos brasileiros de maior renda mensal representa uma elite em nossa sociedade. Poucos discordam. São os 1% mais ricos do Brasil. Diante dos 99% restantes, eles formam uma elite. Essa é a convicção dos alunos.

Depois informo que o IBGE fez, no Censo Demográfico de 2000, um cálculo que estabeleceu a renda mensal mínima para um indivíduo figurar no grupo de 1% dos brasileiros de maior salário/renda.

Pergunto o quanto eles acham que ganhavam por mês esses brasileiros que faziam parte do grupo mais rico, no ano de 2000. Aproveito o ensejo para explicar ou relembrar os conceitos de inflação e salário mínimo enquanto eles refletem e tomam sua posição.

Para ajudar, forneço o dado de que a população brasileira calculada por aquele Censo foi de aproximadamente 180 milhões de habitantes, ou seja, os 1% mais ricos do país seriam, aproximadamente, 1,8 milhões de brasileiros.

Eles refletem e emitem suas opiniões. Começa a polêmica. Eles debatem entre si, argumentam, num processo que eu controlo de perto para que não desande para a ridicularização da opinião alheia ou a agressão verbal, tamanha é a paixão que o tema desperta.

Nessa semana, tive a oportunidade de repetir essa pesquisa em duas turmas. As opiniões variaram entre cinco mil reais e cinco milhões de reais.

Se cinco milhões parece-lhe muito exagerado (adolescentes são exagerados) saiba-se, então, que a opinião da maioria fica em valores entre 20 e 100 mil reais, com alguns alunos apontando absoluta certeza para valores superiores a 100 mil reais. Não são raros aqueles que acham que o valor gira em torno de 500 mil reais.

O tema é para o debate.

Feita a discussão entre eles, apresento, para o espanto da imensa maioria, o valor obtido pelo Censo do IBGE de 2000.

Segundo os dados da pesquisa o grupo de 1% dos brasileiros de maior renda recebia valores acima de R$ 2.950,00.

Eles não acreditam.

Trabalho com jovens de poder aquisitivo que oscila do médio para o elevado. Alguns tem poder aquisitivo muito elevado. Para eles, o resultado é um choque.

É natural que cada um avalie a própria condição diante dessa informação. No entanto, ao perceber que a maioria se restringe a medir sua posição - tentando se localizar dentro desse estrato social - lanço o dado com outro ponto de vista. Explico que a imensa maioria dos brasileiros ganhava, em 2000, menos que R$2.950,00.

É interessante notar como as expressões mudam. Muitos me perguntam e outros apenas se perguntam:

- Como isso é possível?

É quando se atinge esse clima que o dado mais forte encontra seu espaço.

Ao perceber que eles se deram conta da condição de desigualdade em que vive a população brasileira, explico que o mesmo censo de 2000 verificou que aproximadamente 50% da população brasileira vivia com renda de até um salário mínimo.

Quase sempre é impossível conter a conversa, o burburinho. É a força da polêmica.

Quando eles acham que nada podia ser pior, lembro que o valor do salário mínimo em 2000 era de aproximadamente 150 reais. Ou seja: a metade dos brasileiros vivia - ou sobrevivia, eis a conclusão que eles tiram - com apenas 150 reais ou menos do que isso.

O tempo gasto em sala de aula para fazer essa atividade é mínimo. Os resultados são excelentes. Trabalha-se, assim, para o desenvolvimento de uma consciência mais cidadã nos estratos mais elevados da nossa sociedade.

Gostaria de saber como funciona essa pesquisa com alunos que possuem uma realidade social diferente da realidade dos meus alunos. Se você, leitor, é professor e se interessou em reproduzir essa dinâmica, contribua registrando os resultado do seu trabalho aqui nessa janela de comentários. Você não é professor? Fique a vontade para comentar também!

Um abraço solidário!

4 comentários:

Duduzão disse...

Lembro-me quando no ano passado você fez essa pergunta para minha turma. Também falei esse numeros exagerados.
Mas vale ressaltar que esse dado é de 2000. 10 anos se passaram, e principalmente, um governo Lula, se passou.

Diego Moreira disse...

Claro, caro aluno! Estou ansioso, confesso, para saber que número o censo de 2010 revelará!

Contássemos apenas com a inflação, o valor quase dobraria.

E há que se considerar os efeitos da política distributiva efetivada pelo governo Lula. Bolsa Família e afins fazem grande diferença, principalmente para quem está no grupo com renda de até 1 salário mínimo.

Cabe lembrar também que apesar do salário mínimo não ser nenhum sonho, ele cresceu em taxas bem superiores às das taxas de inflação, possibilitando um ganho real maior.

Enfim, cabe a nós esperar por 2010.

Abraços!

Paulo Rogerio disse...

ADOREI !!! tenho inclusive que esfregar isso na cara de algumas pessoas!

Sandro disse...

achei muito legal essa interação que vc fez com os alunos, e já fiquei pensando mesmo, que respostas alunos mais humildes dariam. Seria uma pesquisa interessante!

Abração