terça-feira, outubro 02, 2007

LULA NA ONU

Faz muito tempo que o Brasil tem o privilégio de realizar o primeiro discurso na Assembléia Geral da ONU, o que reflete a importância da diplomacia brasileira, que vem, desde os tempos do Barão do Rio Branco, obtendo conquistas no caminho da paz e dos acordos diplomáticos.



Comentei tal fato em sala, hoje, citando o recente discurso do Lula no órgão. Disse à eles:


- Queridos, há anos que o Brasil abre a assembléia geral da ONU, o que nos confere posição de destaque e reconhece a diplomacia de paz que orienta nossa política externa. Na semana passada o Lula fez o discurso de aber...


Fui interrompido por gritos, zumbidos, reclamações de todos os tipos. Parei a aula. Perguntei quem tinha lido o discurso do Lula. Sabendo a resposta, concluí que as manifestações de contrariedade vinham do preconceito contra o governo do operário, nordestino, analfabeto e populista. Respondi:

- Para que se tenha autoridade intelectual para criticar o que quer que seja, é necessário saber do que se trata. Nesse caso, vocês, antes de falarem qualquer coisa, devem ler o texto do discurso na íntegra e depois tirar suas conclusões, sem deixar-se manipular pela grande imprensa que os rodeia.

Eis a íntegra do discurso do Presidente Lula na Assembléia Geral da ONU, em 2007.
Senhoras e senhores delegados,

Cumprimento-o, senhor secretário-geral, por ter sido escolhido para ocupar posição tão relevante no sistema internacional. Saúdo sua decisão de promover debates de alto nível sobre o gravíssimo problema das mudanças climáticas. É salutar que essa reflexão ocorra no âmbito das Nações Unidas. Não nos iludamos: se o modelo de desenvolvimento global não for repensado, crescem os riscos de uma catástrofe ambiental e humana sem precedentes. É preciso reverter essa lógica aparentemente realista e sofisticada, mas na verdade anacrônica, predatória e insensata, da multiplicação do lucro e da riqueza a qualquer preço.

Há preços que a humanidade não pode pagar, sob pena de destruir as fontes materiais e espirituais da existência coletiva, sob pena de destruir-se a si mesma. A perenidade da vida não pode estar à mercê da cobiça irrefletida. O mundo, porém, não modificará a sua relação irresponsável com a natureza sem modificar a natureza das relações entre o desenvolvimento e a justiça social. Se queremos salvar o patrimônio comum, impõe-se uma nova e mais equilibrada repartição das riquezas, tanto no interior de cada país como na esfera internacional.


A eqüidade social é a melhor arma contra a degradação do Planeta. Cada um de nós deve assumir sua parte nessa tarefa. Mas não é admissível que o ônus maior da imprevidência dos privilegiados recaia sobre os despossuídos da Terra. Os países mais industrializados devem dar o exemplo. É imprescindível que cumpram os compromissos estabelecidos pelo Protocolo de Quioto.


Isso contudo não basta. Necessitamos de metas mais ambiciosas a partir de 2012. E devemos agir com vigor para que se universalize a adesão ao Protocolo. Também os países em desenvolvimento devem participar do combate à mudança do clima. São essenciais estratégicas nacionais claras que impliquem responsabilidade dos governos diante de suas próprias populações.


O Brasil lançará em breve o seu Plano Nacional de Enfrentamento às Mudanças Climáticas. A Floresta Amazônica é uma das áreas que mais poderão sofrer com o aquecimento do Planeta, mas há ameaças em todos os continentes: elas vão do agravamento da desertificação até o desaparecimento de territórios ou mesmo de países inteiros pela elevação do nível do mar.


O Brasil tem feito esforços notáveis para diminuir os efeitos da mudança do clima. Basta dizer que, nos últimos anos, reduzimos a menos da metade o desmatamento da Amazônia. Um resultado como este não é obra do acaso. Até porque o Brasil não abdica, em nenhuma hipótese, de sua soberania e nem de suas responsabilidades sobre a Amazônia.


Os êxitos recentes são fruto da presença cada vez maior e mais efetiva do Estado Brasileiro na região, promovendo o desenvolvimento sustentável – econômico, social, educacional e cultural – de seus mais de 20 milhões de habitantes. Estou seguro de que nossa experiência no tema pode ser útil a outros países. O Brasil propôs em Nairobi a adoção de incentivos econômico-financeiros que estimulem a redução do desmatamento em escala global.


Devemos aumentar igualmente a cooperação Sul-Sul, sem prejuízo de adotar modalidades inovadoras de ação conjunta com países desenvolvidos. Assim, daremos sentido concreto ao princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.
É muito importante o tratamento político integrado de toda a agenda ambiental. O Brasil sediou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92. Precisamos avaliar o caminho percorrido e estabelecer novas linhas de atuação. Por isso, proponho a realização, em 2012, de uma nova Conferência, que o Brasil se oferece para sediar, a Rio + 20.
Senhoras e Senhores,


Não haverá solução para os terríveis efeitos das mudanças climáticas se a humanidade não for capaz também de mudar seus padrões de produção e consumo. O mundo precisa, urgentemente, de uma nova matriz energética. Os biocombustíveis são vitais para construí-la. Eles reduzem significativamente as emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, com a utilização crescente e cada vez mais eficaz do etanol, evitou-se, nesses 30 últimos anos, a emissão de 644 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.


Os biocombustíveis podem ser muito mais do que uma alternativa de energia limpa. O etanol e o biodiesel podem abrir excelentes oportunidades para mais de uma centena de países pobres e em desenvolvimento na América Latina, na Ásia e, sobretudo, na África. Podem propiciar autonomia energética, sem necessidade de grandes investimentos. Podem gerar emprego e renda e favorecer a agricultura familiar. E podem equilibrar a balança comercial, diminuindo as importações e gerando excedentes exportáveis.


A experiência brasileira de três décadas mostra que a produção de biocombustíveis não afeta a segurança alimentar. A cana de açúcar ocupa apenas 1% de nossas terras agricultáveis, com crescentes índices de produtividade. O problema da fome no Planeta não decorre da falta de alimentos, mas da falta de renda que golpeia quase um bilhão de homens, mulheres e crianças. É plenamente possível combinar biocombustíveis, preservação ambiental e produção de alimentos.
No Brasil, daremos à produção de biocombustíveis todas as garantias sociais e ambientais.


Decidimos estabelecer um completo zoneamento agroecológico do País para definir quais áreas agricultáveis podem ser destinadas à produção de biocombustíveis. Os biocombustíveis brasileiros estarão presentes no mercado internacional com um selo que garanta suas qualidades sóciolaborais e ambientais. O Brasil pretende organizar em 2008 uma conferência internacional sobre biocombustíveis, lançando as bases de uma ampla cooperação mundial no setor. Faço aqui um convite a todos os países para que participem do evento. A sustentabilidade do desenvolvimento não é apenas uma questão ambiental, é também um desafio social. Estamos construindo um Brasil cada vez menos desigual e mais dinâmico.


Nosso país voltou a crescer, gerando empregos e distribuindo renda. As oportunidades agora são para todos. Ao mesmo tempo em que resgatamos uma dívida social secular, investimos fortemente em educação de qualidade, ciência e tecnologia. Honramos o compromisso do Programa Fome Zero ao erradicar esse tormento da vida de mais de 45 milhões de pessoas.
Com dez anos de antecedência, superamos a primeira das Metas do Milênio, reduzindo em mais da metade a pobreza extrema no nosso País. O combate à fome e à pobreza deve ser preocupação de todos os povos. É inviável uma sociedade global marcada pela crescente disparidade de renda. Não haverá paz duradoura sem a progressiva redução das desigualdades.


Em 2004, lançamos a Ação Global contra a Fome e a Pobreza. Os primeiros resultados são animadores, principalmente a criação da Central Internacional de Compra de Medicamentos.
Meus amigos e minhas amigas,


A Unitaid já conseguiu reduções de até 45% nos preços dos medicamentos contra a Aids, a malária e a tuberculose destinados aos países mais pobres da África. É hora de dar-lhe um novo impulso. Idéias que tanto mobilizaram nossos povos não podem perder-se na inércia burocrática. Mas a superação definitiva da pobreza exige mais do que solidariedade internacional. Ela passa, necessariamente, por novas relações econômicas que não penalizem os países pobres.


A Rodada de Doha da OMC deve promover um verdadeiro pacto pelo desenvolvimento, aprovando regras justas e equilibradas para o comércio internacional. São inaceitáveis os exorbitantes subsídios agrícolas, que enriquecem os ricos e empobrecem os mais pobres. É inadmissível um protecionismo que perpetua a dependência e o subdesenvolvimento. O Brasil não poupará esforços para o êxito das negociações, que devem beneficiar sobretudo os países mais pobres.
Senhor Presidente, senhor Secretário-Geral,


A construção de uma nova ordem internacional não é uma figura de retórica, mas um requisito de sensatez. O Brasil orgulha-se da contribuição que tem dado para a integração Sul-Americana, sobretudo no Mercosul. Temos atuado para aproximar povos e regiões, impulsionando o diálogo político e o intercâmbio econômico com os países árabes, africanos e asiáticos, sem abdicar de nossos parceiros tradicionais.


Criamos – Brasil, África do Sul e Índia – um foro inovador de diálogo e ação conjunta, o IBAS. Temos realizado inclusive projetos concretos de cooperação em diversos países, a exemplo do que fizemos no Haiti e em Guiné-Bissau.


Todos concordamos ser necessária uma maior participação dos países em desenvolvimento nos grandes foros de decisão internacional, em particular o Conselho de Segurança das Nações Unidas. É hora de passar das intenções à ação. Notamos, com muito agrado, as recentes propostas do presidente Sarkozy, de reformar o Conselho de Segurança, com a inclusão de países em desenvolvimento.


Igualmente necessária é a reestruturação do processo decisório dos organismos financeiros internacionais. Senhor Presidente, As Nações Unidas são o melhor instrumento para enfrentar os desafios do mundo de hoje. É no exercício da diplomacia multilateral que encontramos os meios de promover a paz e o desenvolvimento. A participação do Brasil, em conjunto com outros países da América Latina e do Caribe, na Missão de Estabilização no Haiti simboliza nosso empenho de fortalecer o multilateralismo.


No Haiti, estamos mostrando que a paz e a estabilidade se constróem com a democracia e o desenvolvimento social. Senhoras e Senhores, Ao entrar neste prédio, os delegados podem ver uma obra de arte presenteada pelo Brasil às Nações Unidas há 50 anos. Trata-se dos murais “Guerra” e “Paz”, pintados pelo grande artista brasileiro Cândido Portinari.


O sofrimento expresso no mural, que retrata a guerra, nos remete à alta responsabilidade das Nações Unidas de afastar o risco de conflitos armados. O segundo mural revela que a paz vai muito além da ausência da guerra. Pressupõe bem-estar, saúde e um convívio harmonioso com a natureza. Pressupõe justiça social, liberdade e superação dos flagelos da fome e da pobreza.


Não é por acaso que o mural "Guerra" está colocado de frente para quem chega, e o mural “Paz”, para quem sai. A mensagem do artista é singela, mas poderosa: transformar aflições em esperança, guerra em paz, é a essência da missão das Nações Unidas.


O Brasil continuará a trabalhar para que essa expectativa tão elevada se torne definitivamente realidade.


Muito obrigado.


Um Abraço Solidário!

Um comentário:

Cedê Silva disse...

Mais do que "faz muito tempo".

O Brasil SEMPRE foi o 1º a falar, desde que Oswaldo Aranha abriu a 1ª sessão.