sábado, outubro 18, 2008

O LARGO DAS CINCO BOCAS

Num dos finais de semana de setembro, eu, Lucimar, Larissa e Zé Eduardo levamos mamãe para visitar o Paulinho, a Cristiane e a Tia Elza em Jacarepaguá. O Paulinho tinha passado semanas internado num hospital por ter sofrido envenenamento ao aplicar inseticidas na padaria que ele comanda com a Cristiane. Conhecemos a casa, passamos um bom tempo por lá, e conversamos horas sobre tudo, sobre as coisas da vida.

Quando saímos de lá, entramos no carro e sentimos que ficou faltando alguma coisa. Alguém faz um comentário, outro responde... tudo sem muito ânimo. Até que o , inspirado, resolve revelar o que pensava.

- Se vocês topassem, sabe aonde eu queria ir?

Cinco segundos de silêncio. Minha respiração ficou ofegante. Tinha certeza de que o tiraria da cartola o melhor programa para aquele fim de noite. Mamãe perguntou:

- Aonde?

- No Largo das cinco bocas.

O ainda pronunciava o "Bocas" quando eu disse:

- Eu topo!

Lucimar e Larissa também responderam, uma depois da outra:

- Eu também, eu também!

O Largo das cinco bocas é um encontro de caminhos - uma encruzilhada - onde o transeunte não encontra nem três, nem quatro, mas cinco possibilidades, cinco escolhas, cinco destinos para percorrer. É, também, a confluência que reúne os habitantes dos arredores, um ponto de encontro onde se sente a verve suburbana com o povo na rua.

E fomos. De terça-feira até domingo os comerciantes armam suas barracas e vende-se de tudo: pastel, cachorro-quente, crepes, caldos, sopas, salpicão, pizza e, claro, cerveja. Geladíssima em qualquer buteco das esquinas. Um troço bonito demais. Quando chegamos lá encontramos o largo assim.

Paramos em uma das barracas e compramos vários pastéis. Sentamos diante de um trailer e pedimos sanduíches. Ficamos ali, jogando conversa fora, e comentando, obviamente, sobre como é bom aquilo ali.

Durante dois anos, enquanto fui aluno da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, dentro da Fio-Cruz, em Manguinhos, o largo das cinco bocas esteve na minha rota de volta pra casa, portanto eu passava por ali todos os dias, de segunda à sexta-feira.

Memórias mais antigas daquela encruzilhada eu também tenho posto que o eixo Ramos-Olaria-Bonsucesso sempre fez parte dos meus caminhos desde a infância. Dos cinco até os dezoito anos eu cortei meus cabelos na rua Sizenando Nabuco, morro do Amorim, em Manguinhos, na barbearia do Manuel. Na volta sempre passava por ali.

E um dos troços que sempre me chamou mais atenção ali era a antiguíssima Veterinária Lassie. No meu inconsciente, tenho a sensação de que ela sempre existiu. Há uma na rua Barreiros, que leva até o Largo, e outra bem na esquina do Largo. Não resisti e fotografei. Notem que o telefone no letreiro ainda tem apenas sete dígitos e não oito como temos atualmente. Na época da mudança esse letreiro já era velho.

E ficamos ali, beliscando, bebendo e vivenciando tranquilamente aquele lugar, com o qual possuo identidade profunda. Nenhum sinal de violência - apesar do horário - nos incomodou. Ao contrário, ficamos muito à vontade, como quem está realmente em casa. Deixei o largo palitando os dentes em público, troço que já fiz em Ipanema - no quadrilátero do charme (náuseas!) - gerando olhares de reprovação. Ali eu tinha certeza de que em cada uma das cinco bocas alguém fazia rigorosamente a mesma coisa, como eu, sem ser perturbado com a babaquice dos outros.

Pra quem não conhece, fica a dica. O Largo das Cinco Bocas é, pra mim, uma das "mecas" do subúrbio. Traduz a alma suburbana e merece muito uma visita - um cortejo, uma romaria, seja lá o que for - que valerá a pena pra quem gosta do troço.

Abraços!

5 comentários:

Unknown disse...

Hoje ajudando minha filha a fazer uma pesquisa escolar sobre o bairro de Olaria, tive que fazer esse comentário de apoio as suas postagens. Aos 10 anos vim pra cá, aos 27 fui para um bairro próximo, mas sem deixar de frequentar as 5 bocas, e aos 31 quando tive condições de comprar uma casa, embora muito criticada por certos familiares que se sentem.. lógico que comprei bem coladinha nas 5 bocas. É muito bom se sentir desse jeito..
Fique na paz.

Diego Moreira disse...

Seja bem chegada, Tati.
há quem trate o Subúrbio como uma faixa de gaza. Há quem discrimine o suburbano tratando-o por cafona, ignorante e despolitizado. Há quem fale horrores desses becos e bocas que amamos. Que falem o que quiserem mas que deixem o Subúrbio em paz.

Seja bem chegada nesse blog. Puxe um banquinho e sente por aqui quando quiser.

Um forte abraço!

Anônimo disse...

concordo com vc professor, as 5 bocas são o paraiso do suburbio...ah! meus pais têm uma locadora no final da rua do hospital balbino.. da uma passada la..
abçs

Na Boca do Povo disse...

Olá Diego, pelo que estou lendo no blog você é um apaixonado pelo subúrbio carioca, e acho que pode me ajudar.
Estou trabalhando numa pesquisa para um filme documentário sobre a gastronomia popular carioca. Ambulantes que produzem e vendem comida nas ruas do Rio mas que, com espírito de gourmet, têm prazer em cozinhar e fazem uma excelente comida e têm algum diferencial dos ambulantes comuns.
Além do Largo das Cinco Bocas tem alguma outra dica?
Como não conhecemos muito o subúrbio, estamos precisando de ajuda para que o filme não fique com a cara apenas da zona sul.
Grande abraço
Fabricio Menicucci
Coordenador de Pesquisa
Abbas Filmes - 2232 6716
www.nabocadopovo-abbas.blogspot.com
nabocadopo1@gmail.com

Anônimo disse...

Esses comentários são de 2008, estive lá em julho de 2011, continua muito gostoso, as barracas com comidas e petiscos e, lógico, a cerveja bem gelada, noite alegre e tranquila sem violência, adoro Olaria, morei na Rua Açupá, todo ano volto para me sentir em casa e curtir as noites tranquilas na cinco boca.
Espero que no próximo ano eu também vá, abraços cariocas
Iza